domingo, 27 de setembro de 2009

Filmes que me marcaram!




Namasté :)

Quero muito de partilhar com vocês alguns filmes que vi recentemente e que me marcaram!
Em cima estão as fotos das capas :)

O filme "poder além da vida" foi o que mais gostei, acho que está fascinante (resume toda a aprendizagem importante que adquiri nos últimos tempos).
Vou colocar 1 texto que achei na net sobre o filme (se alguém já viu por favor comente a sua opinião).




Análise do filme: O Poder Além da Vida (Peaceful Warrior- EUA/2006) por Marcio Kochhann.

O filme: “O poder além da vida”, propõe uma reflexão interior, partindo do principio de que a força de vontade, a fissura em determinado objetivo por mais inatingível que pareça, pode ser alcançado, basta acreditar e lutar sem fraquejar.
A força interior demonstrada através do personagem principal, representa-se com nome de “Sócrates”, o suposto homem sábio, mais velho, que é a caricatura do próprio personagem, porém mais experiente, como acredita-se que será no futuro.
O Sócrates, o eu do personagem, faz ele acreditar no poder do pensamento e mostra-se decisivo para que o personagem ganhe o tão sonhado troféu.
Neste sentido a mensagem final nos faz pensar em alguns fatores chaves:
a) O que realmente queremos da vida e o poder que temos agora?
Não basta acumularmos conhecimento é necessário sabedoria, pois sabedoria é colocar em prática o conhecimento.
b) O que podemos fazer para mergulharmos em nosso interior, nos auto-conhecer, para melhorar nossa vida? É necessário estarmos atentos para saber escutar e refletir sobre nossos atos.
c) A felicidade não se é obtida no final de uma conquista, mas sim durante seu desenrolar ou caminho.
É incrível como as experiências pelas quais somos submetidos ao longo da vida modificam nosso comportamento, sendo preciso uma derrota para se dar valor ao todo.
d) Todos temos em nosso interior, um gigante em potencial adormecido, o nosso espírito humano de superação, basta acreditarmos e libertá-lo, sendo 100% decidido no que fazemos e acreditando sempre que podemos ir além.
Retirado do site: http://www.via6.com/topico.php?cid=10054&tid=184411

Adiciono aqui algumas frases retiradas do filme:
“Todos lhe dizem o que fazer e o que é bom pra você. Não querem que você encontre suas próprias respostas. Querem que você acredite nas respostas deles. Pare de escutar os outros e ouça o que tem no seu interior.”

“As pessoas temem o que há por dentro. Mas é o único lugar onde encontrarão respostas”.

“As pessoas não são o que elas pensam (...)”

“O hábito é um problema. Só precisa estar consciente de suas escolhas e ser responsável por seus atos.”

“Retire seu lixo mental. Ele atrapalha o que realmente importa: o aqui e agora.”

“Não existe tristeza na morte, há tristeza em quem não aproveita a vida.”

Fonte: http://www.pensar21.com.br/2009/04/poder-alem-da-vida/

domingo, 13 de setembro de 2009

terça-feira, 1 de setembro de 2009

capítulo dez

O SIGNIFICADO DA ENTREGA
A aceitação do Agora
Você mencionou a palavra “entrega” algumas vezes. Essa idéia não me agrada. Soa um pouco fatalista.
Se aceitarmos sempre as coisas como elas são, não vamos fazer nenhum esforço para melhorá-las. Para mim, o
significado de progresso, tanto em nossa vida pessoal quanto em coletividade, é não aceitarmos as limitações
do presente e nos empenharmos para ir além, para superá-las e criar coisas melhores. Se não tivéssemos agido
assim, ainda estaríamos vivendo em cavernas. Como conciliar essa entrega com a mudança e a realização das
coisas?
Para muitas pessoas, a entrega talvez tenha conotações negativas, como uma derrota, uma desistência,
uma incapacidade de se reerguer das ciladas da vida, certa letargia, etc. A verdadeira entrega, entretanto, é algo
completamente diferente. Não significa suportar passivamente uma situação qualquer que nos aconteça e não
fazer nada a respeito, nem deixar de fazer planos ou de ter confiança para começar algo novo.
A entrega é a sabedoria simples mas profunda de nos submetermos e não de nos opormos ao fluxo da
vida. O único lugar em que podemos sentir o fluxo da vida é no Agora. Isso significa que se entregar é aceitar o
momento presente sem restrições e sem nenhuma reserva. É abandonar a resistência interior àquilo que é. A
resistência interior acontece quando dizemos “não” para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de
uma negatividade emocional. Isso se agrava especialmente quando as coisas “vão mal”, o que significa que há
um espaço entre as exigências ou expectativas rígidas da nossa mente e aquilo que é. Esse é o espaço do
sofrimento. Se você já tiver vivido bastante tempo, certamente saberá que as coisas “vão mal” com muita
freqüência. É precisamente nesses momentos em que a entrega tem de ser praticada, caso queiramos eliminar o
sofrimento e as mágoas da nossa vida. A aceitação daquilo que é nos liberta imediatamente da identificação com
a mente e nos religa com o Ser. A resistência é a mente.
A entrega é um fenômeno puramente interior. Isso não quer dizer que não possamos fazer alguma coisa
no campo exterior para mudar a situação. Na verdade, não é a situação completa que temos de aceitar quando
falo de entrega, mas apenas o segmento minúsculo chamado o Agora.
Por exemplo, se você estiver atolado na lama, não tem de dizer: “Está bem, me conformo de estar atolado
nessa lama”. Resignação não quer dizer entrega. Você não precisa aceitar uma situação indesejável ou
desagradável na sua vida. Nem precisa se iludir e dizer que não tem nada errado em estar atolado na lama. Nada
disso. Você tem completa consciência de que deseja sair dali. Então reduz a sua atenção ao momento presente,
sem atribuir a essa situação nenhum rótulo mental. Isso significa que não existe nenhum julgamento do Agora.
Em conseqüência, não existe nenhuma resistência, nenhuma negatividade emocional. Você aceita a “existência”
do momento. A seguir, toma uma atitude e faz tudo o que puder para sair da lama. Chamo essa atitude de ação
positiva. Funciona muito mais do que uma ação negativa, que decorre da raiva, do desespero ou da frustração.
Até que alcance o resultado desejado, você continua a praticar a entrega ao se abster de rotular o Agora.
Vou fazer uma analogia visual para ilustrar o ponto que estou sustentando. Você está andando por uma
estrada à noite, com uma neblina cerrada, mas possui uma lanterna potente que corta a neblina e cria um espaço
estreito e nítido na sua frente. A neblina é a sua situação de vida, que inclui o passado e o futuro. A lanterna é a
sua presença consciente, e o espaço nítido é o Agora.
Não se entregar endurece a forma psicológica, a casca do ego, e assim cria uma forte sensação de
separação. O mundo e as pessoas à sua volta passam a ser vistos como ameaças. Surge uma compulsão
inconsciente para destruir os outros através do julgamento e uma necessidade de competir e dominar. Até
mesmo a natureza vira sua inimiga e o medo passa a governar a sua percepção e a interpretação das coisas. A
doença mental conhecida como paranóia é apenas uma forma ligeiramente mais aguda desse estado normal,
embora disfuncional, da consciência.
– 90 –
A resistência faz com que tanto a sua mente quanto o seu corpo fiquem mais “pesados”. A tensão se
manifesta em diferentes partes do corpo, que se contrai para se defender. O fluxo de energia vital, essencial para
o funcionamento saudável do corpo, fica prejudicado. Algumas formas de terapia corporal podem ser úteis para
restaurar esse fluxo, mas a menos que você pratique a entrega na sua vida diária, essas coisas só podem lhe
proporcionar um alívio temporário, porque a causa, o padrão de resistência, não foi ainda dissolvida.
Porém, existe alguma coisa dentro de você que não é afetada pelas circunstâncias transitórias que
constroem a sua situação de vida e a que você só tem acesso através da entrega. Trata-se da sua vida, do seu
próprio Ser, que existe no eterno domínio do presente. Encontrar essa vida é “a única coisa necessária” de que
Jesus falava.
Se a sua situação de vida é insatisfatória ou mesmo intolerável, somente através da entrega você vai
conseguir quebrar o padrão inconsciente de resistência, que permite a permanência dessa situação.
A entrega é perfeitamente compatível com tomar uma atitude, iniciar uma mudança ou atingir objetivos.
Mas, no estado de entrega, uma energia totalmente diferente flui naquilo que fazemos. A entrega nos religa com
a fonte de energia do Ser, e, se as nossas ações estiverem impregnadas com o Ser, elas se tornam uma alegre
celebração da energia da vida, que nos aprofunda cada vez mais no Agora. Através da não-resistência, a
qualidade da nossa consciência, e, portanto, a qualidade do que estivermos fazendo ou criando, aumenta sem
medidas. Os resultados vão falar por si mesmos e refletir essa qualidade. Podemos chamar isso de “ação de
entrega”. Não é um trabalho tal como nós conhecemos por milhares de anos. À medida que mais seres humanos
despertarem, a palavra trabalho vai desaparecer do nosso vocabulário e talvez seja criada uma nova palavra para
substituí-la.
A qualidade da sua consciência neste momento é que vai determinar o tipo de futuro que você vai viver.
Portanto, entregar-se é a coisa mais importante que você pode fazer para provocar uma mudança positiva.
Qualquer outra coisa que você fizer será secundária. Nenhuma ação positiva pode surgir de um estado de
consciência onde não existe entrega.
Consigo entender que, se estou em uma situação desagradável ou insatisfatória e aceito o momento como
ele se apresenta, não haverá nenhum sofrimento ou infelicidade. Terei passado por cima deles. Mas ainda não
entendo de onde poderia se originar a energia para provocar uma mudança, sem que existisse uma certa dose
de insatisfação.
No estado de entrega, você vê claramente o que precisa ser feito e parte para a ação, fazendo uma coisa de
cada vez e se concentrando em uma coisa de cada vez. Aprenda com a natureza. Veja como todas as coisas se
realizam e como o milagre da vida se desenrola sem insatisfação ou infelicidade. É por isso que Jesus disse:
“Olhai os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam”.
Se a sua situação geral é insatisfatória ou desagradável, separe esse instante e entregue-se ao que é. Eis
aqui a lanterna cortando através da neblina. O seu estado de consciência deixa então de ser controlado pelas
condições externas. Você não age mais a partir de uma resistência ou de uma reação.
Olhe para uma situação específica e pergunte-se: “Existe alguma coisa que eu possa fazer para mudar
essa situação, melhorá-la ou me retirar dela?” Se houver, você toma a atitude adequada. Não se prenda às mil
coisas que você vai ter que fazer em algum tempo futuro, mas na única coisa que você pode fazer agora. Isso
não significa que você não deva traçar um plano. Planejar talvez seja a única coisa que você possa fazer agora.
Mas certifique-se de que você não vai começar a rodar “filmes mentais”, se projetar no futuro e, assim, perder o
Agora. Talvez a atitude que você tomar não dê frutos imediatamente. Até que ela dê, não resista ao que é. Se
não houver nada que possa fazer e você também não puder escapar da situação, use isso para poder ir mais
fundo na entrega, mais fundo no Agora, mais fundo no Ser. Quando entra nessa eterna dimensão do presente, a
mudança sempre acontece por caminhos estranhos, sem a necessidade de uma grande quantidade de atitudes da
sua parte. A vida se torna proveitosa e cooperativa. Se fatores internos como o medo, a culpa ou a indolência
impedem você de tomar uma atitude, eles vão se dissolver na luz da sua presença consciente.
– 91 –
Não confunda entrega com uma atitude do tipo “não ligo mais para nada”. Essas atitudes estão cheias de
negatividade na forma de um ressentimento oculto, portanto não se trata de entrega mas de uma resistência
disfarçada. Ao se entregar, dirija a sua atenção para dentro para verificar se existe algum traço de resistência que
tenha ficado no seu interior. Fique bem alerta ao fazer isso, do contrário um resíduo de resistência pode ter
ficado escondido em algum cantinho escuro, na forma de um pensamento ou de uma emoção desconhecida.
Da energia da mente para a energia espiritual
Livrar-se da resistência não é uma tarefa fácil. Continuo sem saber como fazer isso.
Comece por admitir que é resistência. Esteja lá quando a resistência aparecer. Observe de que modo a sua
mente a cria, que nome dá à situação, a você mesmo, ou aos outros. Observe o processo de pensamento
envolvido. Sinta a energia da emoção. Ao testemunhar a resistência, você vai verificar que ela não tem nenhum
propósito. Ao focalizar toda a sua atenção no Agora, a resistência inconsciente passa a ser consciente, e isso é o
fim dela. Você não pode estar infeliz e consciente. Se há infelicidade, negatividade ou qualquer forma de
sofrimento, significa que existe resistência, e a resistência é sempre inconsciente.
Eu tenho certeza de que posso estar consciente da minha infelicidade.
Você escolheria a infelicidade? Se não escolheu, como ela apareceu? Qual é o propósito dela? Quem a
está mantendo viva? Você diz que está consciente da sua infelicidade, mas a verdade é que você está
identificado com ela e mantém vivo esse processo de identificação, através de um pensamento compulsivo.
Tudo isso é inconsciência. Se você estivesse consciente, quer dizer, totalmente presente no Agora, toda a
negatividade iria se dissolver quase instantaneamente. Ela não conseguiria sobreviver na sua presença. Só
consegue sobreviver na sua ausência. Nem mesmo o sofrimento consegue sobreviver muito tempo diante da
presença. Você mantém a infelicidade viva quando dá tempo a ela. Esse é o sangue dela. Remova o tempo,
concentrando uma percepção intensa no momento presente, e ela morre. Mas você quer mesmo que ela morra?
Você já teve mesmo o bastante dela? Quem você seria sem ela?
Até que você pratique a entrega, a dimensão espiritual é algo a respeito do que você já leu, ouviu falar,
escreveu, pensou, acreditou ou não. Não faz diferença. Não até que a entrega tenha se tornado uma realidade em
sua vida. No momento da entrega, a energia que você desprende e que passa a governar sua vida é de uma
freqüência vibracional muito maior do que a energia da mente, que ainda governa as estruturas sociais, políticas
e econômicas da nossa civilização e que se perpetua através da propaganda e dos sistemas educacionais. Através
da entrega, a energia espiritual penetra nesse mundo. Ela não gera sofrimento para você, para outros seres
humanos ou para qualquer outra forma de vida no planeta. Ao contrário da energia da mente, ela não polui a
terra e não está sujeita à lei das polaridades, que diz que nada pode existir sem o seu oposto e que não pode
haver o bem sem o mal. Aqueles que continuam dominados pela mente – a grande maioria da população – não
percebem a existência da energia espiritual. Ela pertence a uma outra ordem e vai criar um mundo diferente
quando um número suficiente de seres humanos entrar no estado de entrega e se tornar totalmente livre da
negatividade. Se a Terra sobreviver, essa será a energia daqueles que a habitarem.
Jesus se referiu a essa energia quando proferiu seu famoso e profético Sermão da Montanha: “Bemaventurados
os mansos porque herdarão a Terra”. É uma presença silenciosa mas intensa, que dissolve os
padrões inconscientes da mente. Eles podem até permanecer ativos por um tempo, mas não vão mais governar a
sua vida. As condições externas, que apresentavam uma resistência, também tendem a mudar ou a se dissolver
através da entrega. Essa energia é um poderoso agente transformador de situações e de pessoas. Caso as
condições não mudem imediatamente, a sua aceitação do Agora permite que você se coloque acima delas. De
qualquer forma, você está livre.
A entrega nos relacionamentos pessoais
– 92 –
E quanto às pessoas que querem me usar, manipular ou controlar? Tenho de me entregar a elas?
Elas estão isoladas do Ser e tentam inconscientemente sugar sua força e energia. Somente alguém
inconsciente vai tentar usar ou manipular os outros, mas também é verdade que apenas as pessoas inconscientes
podem ser usadas e manipuladas. Se você reage ou se opõe ao comportamento inconsciente dos outros, também
fica inconsciente. Porém, a entrega não significa uma permissão para que pessoas inconscientes usem você. De
jeito nenhum. É possível dizer “não” de modo firme e claro para alguém e, ao mesmo tempo, permanecer em
um estado de não resistência interior. Ao dizer “não” a uma pessoa ou situação, você não deve reagir, mas sim
agir de acordo com um insight, uma firme convicção do que é certo ou errado para você naquele momento.
Permita que isso seja um “não” sem reação, um “não” de alta qualidade, um “não” livre de toda a negatividade
e, desse modo, não gere mais sofrimento.
Estou passando por uma situação desagradável no trabalho. Tentei me entregar a ela, mas achei
impossível. Uma grande dose de resistência continua a aparecer.
Se você não consegue se entregar, aja imediatamente. Fale ou faça alguma coisa para provocar uma
mudança na situação, ou se afaste dela. Seja responsável pela sua vida. Não polua o seu lindo e radiante Ser
interior com negatividade. Não transmita infelicidade, nem deixe que ela crie um lugar dentro de você.
A não-resistência também deve regular nossa conduta externa, como por exemplo uma não-resistência à
violência, ou é algo que só interessa à nossa vida interior?
Você só precisa se preocupar com o aspecto interno. Isso é fundamental. É claro que ele vai acabar
modificando suas atitudes externas, seus relacionamentos, etc.
Seus relacionamentos vão mudar profundamente através da entrega. Se você nunca consegue aceitar o
que é, conseqüentemente não é capaz de aceitar qualquer pessoa do jeito que ela é. Você está sempre julgando,
criticando, rotulando, rejeitando ou tentando mudar as pessoas. Além disso, se continuar a transformar o Agora
em um meio para atingir um fim no futuro, também vai considerar as pessoas com quem se relaciona como um
meio para atingir um objetivo. O relacionamento, o ser humano, passa a ter uma importância secundária para
você, ou mesmo nenhuma importância. O que vale é o que você consegue extrair do relacionamento: um ganho
material, uma sensação de poder, um prazer físico, ou alguma forma de gratificação do ego.
Deixe-me ilustrar como a entrega pode agir nos relacionamentos. Quando se envolver em uma discussão
ou um conflito com um sócio ou um amigo, observe como você se coloca na defensiva quando a sua própria
posição é atacada, sinta a potência da sua própria agressão ao atacar a posição da outra pessoa. Observe o apego
aos seus pontos de vista e opiniões. Sinta a energia mental e emocional por trás da sua necessidade de ter razão e
de mostrar à outra pessoa que ela está errada. Essa é a energia da mente. Você a torna consciente ao reconhecêla,
ao senti-la o mais completamente possível. De repente, no meio de uma discussão, você descobre que pode
fazer uma escolha e resolve abdicar da sua própria reação, só para ver o que acontece. Você se entrega. Não
quero dizer abrir mão da sua reação verbalmente dizendo “está bem, você tem razão”, com um ar no rosto que
diz “estou acima de toda essa inconsciência infantil”. Isso é apenas deslocar a resistência para um outro nível,
com a mente ainda no comando, considerando-se superior. Estou falando de abandonar todo o campo de energia
mental e emocional que estava disputando o poder dentro de você.
O ego é esperto, portanto, você tem de estar alerta, presente e ser 100 por cento honesto consigo mesmo
para verificar se abandonou realmente sua identificação com uma posição mental e se libertou, assim, da sua
mente. Se você se sentir leve, livre e profundamente em paz, é sinal de que você se entregou completamente.
Observe então o que acontece à posição mental da outra pessoa, já que você não mais a energiza ao oferecer
resistência. Quando abrimos mão da identificação com as nossas posições mentais, começa a verdadeira
comunicação.
E quanto à não-resistência diante da violência?
– 93 –
Não-resistência não significa necessariamente não fazer nada. Significa que qualquer “fazer” se toma
não-reação. Lembre-se da profunda sabedoria implícita na prática das artes marciais orientais: não ofereça
resistência à força opositora. Submeta-se para superá-la.
Tendo estabelecido isso, “não fazer nada” quando estamos em um estado de intensa presença é um
poderoso transformador e curador de situações e de pessoas. No taoísmo, existe a expressão wu wei, que é
comumente traduzida por “atividade sem ação” ou “sentar-se silenciosamente sem fazer nada”. Na antiga China,
isso era considerado como uma das mais elevadas conquistas ou virtudes. É radicalmente diferente da
inatividade, no estado comum da consciência, ou melhor, da inconsciência, que tem raízes no medo, na
indolência ou na indecisão. O verdadeiro “fazer nada” implica uma não-resistência interior e um intenso estado
de alerta.
Por outro lado, caso haja necessidade de ação, você não vai mais reagir a partir da sua mente
condicionada, mas vai responder a uma situação com a sua presença consciente. Nesse estado, a mente é livre de
conceitos, incluindo o conceito da não-violência. Então, quem pode prever o que você vai fazer?
O ego acredita que a nossa força reside em nossa resistência, quando, na verdade, a resistência nos separa
do Ser, o único lugar de força verdadeira. A resistência é a fraqueza e o medo disfarçados de força. O que o ego
vê como fraqueza é o Ser em sua pureza, inocência e poder. O que ele vê como força é fraqueza. Assim, o ego
existe num modo contínuo de resistência e desempenha papéis falsos para encobrir a “fraqueza”, que, na
verdade, é o nosso poder.
Até que haja a entrega, a representação inconsciente de determinados papéis se constitui em grande parte
da interação humana. Na entrega, não mais precisamos das defesas do ego e das falsas máscaras. Passamos a ser
muito simples, muito reais. “Isso é perigoso”, diz o ego. “Você vai se machucar. Vai ficar vulnerável”. O ego
não sabe, é claro, que somente quando deixamos de resistir, quando nos tornamos vulneráveis, é que podemos
descobrir a nossa verdadeira e fundamental invulnerabilidade.
Transformando a doença em iluminação
Se alguém está seriamente doente e aceita a doença, será que não estaria abrindo mão de sua vontade de
recuperar a saúde? Ainda teria determinação para combater a doença?
A entrega é a aceitação interior daquilo que é, sem nenhuma condição. Estamos falando sobre a sua vida,
este momento, e não sobre as condições ou circunstâncias da sua vida, não daquilo que eu chamo situação de
vida. Já tratamos desse assunto.
As doenças fazem parte da nossa situação de vida. Assim, possuem um passado e um futuro. O passado e
o futuro formam um contínuo sem interrupção, a menos que o poder redentor do Agora seja ativado através da
nossa presença consciente. Como você sabe, por baixo das várias condições que constituem a nossa situação de
vida, que existe no tempo, há uma coisa mais profunda, mais essencial: a sua Vida, o seu próprio Ser dentro do
eterno Agora.
Como não existem problemas no Agora, as doenças também não existem. Acreditar em um rótulo que
alguém confere às nossas condições fortalece-as e constrói uma realidade aparentemente sólida em torno de um
desequilíbrio temporário. Isso não só confere realidade e solidez, mas também uma continuidade no tempo que
não havia antes. Ao se concentrar neste instante e evitar rotular a doença mentalmente, ela se reduz a um dos
seguintes fatores: sofrimento físico, fraqueza, desconforto ou invalidez. É a isso que você se entrega, agora.
Você não se entrega à idéia da “doença”. Deixe o sofrimento trazer você para o momento presente, para um
estado de presença intensa consciente. Use-o para a iluminação.
A entrega não transforma aquilo que é, ao menos não diretamente. A entrega transforma você. Quando
você estiver transformado, todo o seu mundo fica transformado, porque o mundo é somente um reflexo. Se você
se olha no espelho e não gosta do que vê, tem que ter enlouquecido para agredir a imagem no espelho. É
exatamente assim que você age quando está em um estado de não-aceitação. E, naturalmente, se você agride a
imagem, ela ataca você de volta. Se você aceita a imagem, não importa qual ela seja, se tem uma postura
amigável em relação a ela, a imagem não consegue não se tornar amigável em relação a você. É dessa forma
que você consegue mudar o mundo.
– 94 –
A doença não é o problema. Você é o problema, enquanto a mente estiver no controle. Quando você
estiver doente ou incapacitado, não sinta que fracassou de alguma forma, não sinta culpa de nada. Não culpe a
vida por tratar você tão mal, mas também não se culpe de nada. Tudo isso é resistência. Se você tem uma
doença grave, use-a para alcançar a iluminação. Use qualquer coisa ruim que acontecer na sua vida para
alcançar a iluminação. Retire o tempo da doença. Não dê a ela nenhum passado ou futuro. Deixe-a forçar você
para a percepção intensa do momento presente. E veja o que acontece.
Torne-se um alquimista. Transforme o metal em ouro, o sofrimento em consciência, a infelicidade em
iluminação.
Você está gravemente doente e sentindo raiva do que acabei de dizer? Então esse é um sinal claro de que
a doença se tornou parte do seu sentido de eu interior e que, neste momento, você está protegendo a sua
identidade e também protegendo a doença. A circunstância que foi rotulada de “doença” não tem nada a ver
com quem você realmente é.
Quando a infelicidade ataca
No que diz respeito à maioria da população ainda inconsciente, somente uma situação crítica tem o
potencial de quebrar a dura casca do ego e forçar as pessoas a uma entrega e, desse modo, a um estado
iluminado. Uma situação-limite surge quando uma infelicidade, uma mudança drástica, uma perda ou
sofrimento profundo despedaça todo o mundo da pessoa, tornando-o sem sentido. É um encontro com a morte,
seja ela física ou psicológica. A mente, a criadora desse mundo, entra em colapso. Das cinzas desse velho
mundo, um novo mundo pode, então, passar a existir.
Não existe nenhuma garantia de que uma situação-limite vai fazer isso acontecer, mas o potencial está
sempre ali. A resistência de algumas pessoas àquilo que é pode até aumentar em uma situação como essa,
tornando a vida um inferno. Outras pessoas podem se entregar parcialmente, mas mesmo isso vai lhes dar uma
profundidade e uma serenidade que elas não tinham antes. A casca do ego se quebra em alguns pontos e isso
permite que pequenas porções de esplendor e de paz brilhem.
As situações-limite têm produzido muitos milagres. Muitos assassinos que estavam no corredor da morte
à espera da execução experimentaram, em suas últimas horas de vida, uma existência dissociada do ego e a
profunda paz e alegria que a acompanham. A resistência interior à situação em que se encontravam se tornou tão
intensa que produziu um sofrimento insuportável, e não havia nenhum lugar para onde correr e nada a fazer para
escapar dela, nem mesmo um projeto da mente para o futuro. Assim, eles foram forçados a uma completa
aceitação do inaceitável. Foram forçados à entrega. Nesse sentido, foram capazes de penetrar no estado de graça
que traz a redenção: uma libertação completa do passado. Não é a situação-limite que dá espaço ao milagre da
graça e da redenção, mas sim o ato de entrega.
Portanto, sempre que acontecer uma desgraça ou alguma coisa de ruim em sua vida – uma doença, a
perda da casa, do patrimônio ou de uma posição social, o rompimento de um relacionamento amoroso, a morte
ou o sofrimento por alguém, ou a proximidade da sua própria morte –, saiba que existe um outro lado e que você
está a apenas um passo de distância de algo inacreditável: uma completa transformação alquímica da base de
metal da dor e do sofrimento em ouro. Esse passo simples é chamado de entrega.
Não estou querendo dizer que você vai ficar feliz em uma situação dessas. Não vai. Mas o medo e o
sofrimento vão se transformar em uma paz interior e uma serenidade que vêm de um lugar muito profundo, do
próprio Não Manifesto. Essa é a “paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento”. Comparada a isso, a
felicidade é quase uma coisa superficial. Com essa paz radiante, vem a percepção – não no nível da mente, mas
dentro das profundezas do seu Ser – de que você é indestrutível, imortal. Isso não é uma crença. É uma certeza
absoluta, que não precisa de uma manifestação exterior nem de qualquer prova.
Transformando o sofrimento em paz
– 95 –
Li a respeito de um filósofo estóico na Grécia antiga que, ao saber da morte do filho em um acidente,
respondeu: “Eu sabia que ele não era imortal”. Isso é entrega? Se for, não a desejo para mim. Existem
algumas situações em que a entrega parece uma coisa forçada e desumana.
Suprimir nossos sentimentos não é entrega. Mas também não sabemos qual era o estado interior do
filósofo, quando disse essas palavras. Em situações extremas, pode ser impossível aceitar o Agora, mas sempre
temos uma segunda chance na entrega.
Nossa primeira chance é nos entregarmos, a cada instante, à realidade do momento. Sabendo que aquilo
que é não pode ser desfeito – porque já é –, dizemos sim àquilo que é ou aceitamos o que não é. Então fazemos
o que tem de ser feito, o que quer que a situação exija. Se nos submetemos a esse estado de aceitação, deixamos
de criar negatividade, sofrimento ou infelicidade. Passamos a viver em um estado de não-resistência, um estado
de graça e de luz, livre das disputas.
Sempre que você for incapaz de realizar isso, sempre que perder essa oportunidade, seja porque não está
gerando uma presença consciente o bastante para evitar o surgimento do padrão de resistência habitual, seja
porque as circunstâncias são tão extremas que são completamente inaceitáveis, você está criando alguma forma
de dor, alguma forma de sofrimento. Pode parecer que é a situação que está causando o sofrimento, mas não é
bem assim: a responsável é a sua resistência.
Aqui está a sua segunda chance de entrega. Se você não consegue aceitar o que está lá fora, aceite então o
que está dentro. Isso quer dizer, não resista ao sofrimento. Permita que ele esteja ali. Entregue-se ao pesar, ao
desespero, ao medo, à solidão, ou a qualquer forma que o sofrimento assuma. Abrace o sofrimento. Veja, então,
como o milagre da entrega transforma o sofrimento profundo em uma paz profunda. Essa é a sua crucificação.
Permita que ela seja a sua ressurreição e ascensão ao céu.
Não consigo entender como alguém pode se entregar ao sofrimento. Como você já mencionou, o
sofrimento é a não-entrega. Como poderia me entregar à não-entrega?
Esqueça a entrega por um instante. Quando a sua dor é profunda, tudo o que se disser a respeito de
entrega vai, provavelmente, lhe parecer superficial e sem sentido. Quando o seu sofrimento é profundo, você
provavelmente tem um grande anseio de escapar e de não se entregar a ele. Você não quer sentir o que está
sentindo. O que pode ser mais normal? Mas não tem escapatória, nenhuma saída. Existem algumas pseudosaídas
como o trabalho, a bebida, as drogas, a raiva, as projeções, as abstenções, etc., mas elas não libertam você
do sofrimento. O sofrimento não diminui de intensidade quando você o torna inconsciente. Quando você nega o
sofrimento emocional, tudo o que você faz ou pensa fica contaminado por ele. Você o irradia, por assim dizer,
como a energia que se desprende de você, e outros vão captá-lo subliminarmente. Se essas pessoas estiverem
inconscientes, podem até se ver compelidas a agredir ou machucar você de alguma forma, ou você pode
machucá-las em uma projeção inconsciente do seu sofrimento. Você atrai e transmite aquilo que corresponde ao
seu estado interior.
Quando não existe caminho para fora, existe sempre um caminho através. Portanto, não fuja do
sofrimento. Enfrente-o. Sinta-o plenamente. Sinta-o, mas não pense a respeito dele! Fale dele, se necessário,
mas não crie uma história na sua mente a respeito dele. Dê toda a sua atenção ao sofrimento, não à pessoa ou ao
acontecimento que pode tê-lo provocado. Não permita que a mente use o sofrimento para criar uma identidade
de vítima para você em função dele. Sentir pena de si mesmo e contar a sua história aos outros vai fazer com
que você fique paralisado no sofrimento. Se for impossível se afastar desse sentimento, a única possibilidade de
mudança é se mover em direção a ele, do contrário, nada vai mudar. Portanto, dê a sua completa atenção ao que
você sente e evite dar um nome a isso mentalmente. Ao se dirigir para o sentimento, fique intensamente alerta.
No princípio, pode parecer um lugar escuro e aterrador, e quando vier o impulso para se afastar, observe-o, mas
não se deixe guiar por ele. Permaneça colocando a sua atenção no sofrimento, permaneça sentindo o pesar, o
medo, o pavor, a solidão, o que for. Fique alerta, fique presente, com todo o seu Ser, com cada célula do seu
corpo. Ao fazer isso, você está trazendo uma luz para a escuridão. É a chama da sua consciência.
Nesse ponto, você não precisa mais se preocupar com a entrega. Ela já aconteceu. Como? A atenção
completa é a aceitação completa, é entrega. Ao dar atenção completa, você está usando o poder do Agora, que é
o poder da sua presença. Nenhum indício de resistência consegue sobreviver nele. A presença remove o tempo.
Sem o tempo, nenhum sofrimento e nenhuma negatividade conseguem sobreviver.
– 96 –
A aceitação do sofrimento é uma viagem em direção à morte. Encarar o sofrimento profundo, permitindo
que ele exista, colocando a sua atenção sobre ele, é entrar na morte conscientemente. Quando tiver morrido essa
morte, você perceberá que não existe morte e que não há nada a temer. Só quem morre é o ego. Imagine um raio
de sol que se esqueceu que é uma parte inseparável do sol, acredita que precisa lutar pela sobrevivência e, assim,
cria e se apega a uma outra identidade diferente do sol. Será que a morte dessa ilusão não seria incrivelmente
libertadora?
Você quer ter uma morte fácil? Você prefere morrer sem sofrimento, sem agonia? Então, morra para o
passado a cada instante e permita que a luz da sua presença apague o pesado e limitado “eu” que você pensou
que era “você”.
O caminho da cruz
Existem muitos relatos de pessoas que dizem ter encontrado Deus através de um sofrimento profundo, e
há também a expressão cristã “o caminho da cruz”, que acredito apontar para a mesma coisa.
Esse é o nosso principal interesse aqui. Na verdade, essas pessoas não encontraram Deus através do
sofrimento, porque sofrimento supõe resistência. Elas encontraram Deus através da entrega, da completa
aceitação daquilo que é, aonde chegaram por força do sofrimento intenso por que passaram. Elas devem ter
percebido, em algum momento, que eram elas que geravam o sofrimento.
Como você compara a entrega com o encontro com Deus?
Como a resistência é inseparável da mente, o abandono da resistência – a entrega – é o fim da atuação
dominadora da mente, do impostor fingindo ser “você”, o falso deus. Todo o julgamento e toda a negatividade
se dissolvem. A região do Ser, que tinha sido encoberta pela mente, se abre. De repente, surge uma grande
serenidade dentro de você, uma imensa sensação de paz. E dentro dessa paz existe uma grande alegria. E dentro
dessa alegria existe amor. E lá no fundo está o sagrado, o incomensurável, o que não pode ser nomeado.
Não chamo isso de encontrar Deus, porque como se pode encontrar o que nunca foi perdido, a própria
vida que é você? A palavra Deus é limitadora, não somente por causa de milhares de anos de má interpretação e
uso equivocado, mas também porque pressupõe uma outra identidade que não é você. Deus é o próprio Ser, não
um ser. Não pode haver nenhuma relação aqui de sujeito-objeto, nenhuma dualidade, nenhum você e Deus. A
percepção de Deus é a coisa mais natural que existe. O fato estranho e incompreensível não é que possamos nos
tornar conscientes de Deus, mas sim que não somos conscientes de Deus.
O caminho da cruz a que você se referiu é o velho caminho para a iluminação, e até recentemente era o
único caminho. Mas não o rejeite nem subestime sua eficácia. Ele ainda funciona.
O caminho da cruz é uma inversão completa. Significa que a pior coisa na sua vida, a sua cruz, se
transforma na melhor coisa que já aconteceu, ao forçar você para a entrega, para a “morte”, ao forçar você a se
tornar nada, a se tornar como Deus, porque Deus também é coisa nenhuma.
Nesse momento, para a maioria inconsciente dos seres humanos, o caminho da cruz ainda é o único
caminho. Eles só vão acordar através de mais sofrimento e a iluminação, como um fenômeno coletivo, será
precedida por grandes revoluções. Esse processo reflete o funcionamento de certas leis universais que governam
o crescimento da consciência e já previsto por alguns videntes. Ele é descrito, dentre outros lugares, no Livro
das Revelações ou Apocalipse, embora disfarçado em uma simbologia obscura e algumas vezes
incompreensível. Esse sofrimento não é imposto por Deus, mas pelos próprios humanos, assim como por certas
medidas defensivas que a Terra, que é um organismo vivo e inteligente, vai adotar para se proteger do ataque
furioso da loucura humana.
– 97 –
Entretanto, existe um número crescente de seres humanos cuja conscientização está suficientemente
desenvolvida para não precisar de nenhum sofrimento adicional antes de alcançar a iluminação. Talvez você
seja um deles.
A iluminação através do sofrimento, o caminho da cruz, significa ser levado para o reino dos céus,
esperneando e gritando. Você finalmente se entrega porque já não suporta mais sofrer. A iluminação escolhida
conscientemente significa abandonar nossos apegos ao passado e ao futuro e fazer do Agora o ponto principal
da nossa vida. Significa escolher permanecer no estado de presença e não no tempo. Significa dizer sim àquilo
que é. Você já não precisa mais sofrer. De quanto tempo você precisa para ser capaz de dizer “Não vou mais
criar dores, nem sofrimentos”? Quanto você ainda tem que sofrer antes de fazer essa escolha?
Se você pensa que precisa de mais tempo, você terá mais tempo – e mais sofrimento. O tempo e o
sofrimento são inseparáveis.
O poder de escolher
Por que tantas pessoas escolhem o sofrimento? Tenho uma amiga cujo companheiro abusa fisicamente
dela e que já viveu o mesmo problema em uma relação anterior. Por que ela escolhe esse tipo de homem e por
que se recusa a sair dessa situação?
Sei que a palavra escolher é um termo muito usado na Nova Era, mas não é apropriado ao presente
contexto. É uma ilusão dizer que alguém “escolhe” um relacionamento problemático ou alguma outra situação
negativa na vida. Uma escolha sugere uma consciência, um alto grau de consciência. Sem ela, não há escolha. A
escolha começa no instante em que nos desidentificamos da mente e de seus padrões condicionados, o instante
em que nos tornamos presentes. Até alcançar esse ponto, você está inconsciente, espiritualmente falando.
Significa que você foi obrigado a pensar, sentir e agir de determinadas maneiras, de acordo com o
condicionamento da sua mente. É por isso que Jesus disse: “Perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem”.
Isso não está relacionado à inteligência no sentido convencional da palavra. Já encontrei inúmeras pessoas
altamente inteligentes e educadas que eram também completamente inconscientes, o que significa dizer,
completamente identificadas com suas mentes. Na verdade, se o desenvolvimento mental e o aumento do
conhecimento não são contrabalançados por um crescimento correspondente na consciência, o potencial para a
infelicidade e o desastre é muito grande.
Sua amiga está paralisada em um relacionamento com um parceiro abusivo e não é a primeira vez. Por
quê? Porque não escolheu. A mente, condicionada como é pelo passado, sempre busca recriar o que conhece e
com o que está familiarizada. Mesmo que seja doloroso, ao menos é familiar. A mente sempre se apega ao que
lhe é familiar. O desconhecido é perigoso porque ela não tem controle sobre ele. É por isso que a mente não
gosta do momento presente e prefere ignorá-lo. A percepção do momento presente cria um espaço, não somente
no fluxo da mente, mas também no contínuo do passado e futuro. Nada realmente novo e criativo pode
acontecer nesse mundo a não ser através desse espaço, um espaço nítido com infinitas possibilidades.
Portanto, sua amiga pode estar recriando um padrão aprendido no passado no qual a intimidade e o abuso
eram inseparavelmente relacionados. Por outro lado, ela pode estar representando um padrão mental aprendido
na infância, segundo o qual ela é alguém desprezível e merece ser punida. É também possível que ela viva
grande parte da vida através do sofrimento, que está sempre em busca de mais sofrimento para se alimentar. O
parceiro também tem seus próprios padrões inconscientes, que completam os dela. Quem criou essa situação? A
sua própria amiga, ou melhor, o falso eu interior dela, um padrão mental e emocional do passado, nada mais do
que isso. Se você lhe disser que ela escolheu essa situação, estará reforçando o estado de identificação dela com
a mente. Mas o padrão mental é ela? Sua verdadeira identidade é derivada do passado? Mostre à sua amiga
como ser a presença observadora por trás dos pensamentos e das emoções. Conte-lhe sobre o sofrimento e como
se libertar dele. Ensine-a a arte da percepção do corpo interior. Demonstre o sentido da presença. Assim que ela
for capaz de acessar o poder do Agora e, em conseqüência, romper com o passado condicionado, ela vai ter uma
escolha.
Ninguém escolhe o problema, a briga, o sofrimento. Ninguém escolhe a doença. Elas acontecem porque
não existe presença suficiente para dissolver o passado, ou luz suficiente para dispersar a escuridão. Você não
está aqui por inteiro. Você ainda não acordou. Nesse meio tempo, a mente condicionada está governando a sua
vida.
– 98 –
Do mesmo modo, se você é uma das inúmeras pessoas que têm assuntos mal resolvidos com os pais, se
ainda guarda ressentimentos por alguma coisa que eles fizeram ou deixaram de fazer, então você ainda acredita
que eles tiveram uma escolha e que poderiam ter agido diferente. Sempre parece que as pessoas fizeram uma
escolha, mas isso é ilusão. Enquanto a sua mente, com os seus padrões de condicionamento, dirigir a sua vida,
enquanto você for a sua mente, que escolhas você tem? Nenhuma. Você não está nem ligando. O estado
identificado com a mente é altamente defeituoso. É uma forma de insanidade. Quase todas as pessoas estão
sofrendo dessa doença em vários graus. No momento em que você perceber isso, não haverá mais
ressentimento. Como você pode se ressentir com a doença de alguém? A única resposta adequada é compaixão.
Quer dizer que ninguém é responsável pelos atos que pratica? Não gosto dessa idéia.
Se você é governado pela mente, embora não tenha escolha, vai sofrer as conseqüências da sua
inconsciência e criar mais sofrimento. Você vai carregar o fardo do medo, das disputas, dos problemas e do
sofrimento. Até que o sofrimento force você, no final, a sair do seu estado de inconsciência.
O que você diz a respeito da escolha também se aplica ao perdão, suponho. Precisamos estar
inteiramente conscientes e entregues antes de poder perdoar.
“Perdão” é uma palavra que vem sendo usada há mais de dois mil anos, mas a maioria das pessoas tem
uma visão muito limitada do que ela significa. Não podemos perdoar a nós mesmos ou aos outros enquanto
extrairmos do passado o nosso sentido do eu interior. Somente acessando o poder do Agora, que é o seu próprio
poder, pode haver um verdadeiro perdão. Isso tira a força do passado e você percebe, profundamente, que nada
que você fez ou que os outros lhe fizeram poderia atingir, nem de leve, a radiante essência de quem você é.
Todo o conceito de perdão se torna então desnecessário.
E como chego a esse ponto de consciência?
Quando nos rendemos àquilo que é e assim ficamos inteiramente presentes, o passado deixa de ter
qualquer força. Não precisamos mais dele. A presença é a chave. O Agora é a chave.
Quando vou saber que me entreguei?
Quando você não precisar mais fazer essa pergunta.

capítulo nove

MUITO ALÉM DA FELICIDADE E DA INFELICIDADE EXISTE A PAZ
O bem supremo além do bem e do mal
Existe diferença entre felicidade e paz interior?
Existe. A felicidade depende de circunstâncias consideradas positivas, ao passo que a paz interior não
precisa delas.
Há possibilidade de só atrairmos coisas positivas para as nossas vidas? Se a nossa atitude e o nosso
pensamento forem sempre positivos, só haverá situações e acontecimentos positivos, não é mesmo?
Você pode afirmar, com certeza, o que é positivo e o que é negativo? Já fez o levantamento completo?
Muitas pessoas devem ter aprendido bastante com as suas próprias limitações, seus fracassos, suas perdas, suas
doenças e sofrimentos. Tudo isso ensinou-as a se desfazer das imagens falsas que tinham de si mesmas, dos
desejos e objetivos superficiais ditados pelo ego e lhes deu profundidade, humildade e compaixão. Fez delas
pessoas mais reais.
Sempre que acontece alguma coisa negativa, há sempre uma lição embutida, embora nem sempre se
perceba isso na hora. Uma doença ou um acidente pode mostrar o que há de real ou irreal em uma situação,
aquilo que é importante e o que não é.
De uma perspectiva mais elevada, as circunstâncias são sempre positivas. Para ser mais preciso, elas não
são positivas nem negativas. São do jeito que são. E quando aceitamos as coisas como são, o “bem” ou o “mal”
deixam de existir em nossas vidas. Só o que existe é um bem supremo, que inclui o “mal”. Mas, pela perspectiva
da mente, existe o bem e o mal, o igual e o diferente, o amor e o ódio. É por isso que no Livro do Gênesis está
escrito que Adão e Eva não tiveram mais permissão para habitar o “paraíso” quando “comeram da árvore do
conhecimento do bem e do mal”.
Isso me parece negação e ilusão. Quando alguma coisa ruim acontece comigo, ou com alguém chegado a
mim, tal como um acidente, uma doença, ou a morte, posso até fingir que não é mal mas permanece o fato de
que isso é mal. Por que negar?
Você não está fingindo nada. Só está permitindo uma coisa ser como é, apenas isso. Essa “permissão para
ser” nos transporta para além da mente, com os seus padrões de resistência que geram as polaridades positiva e
negativa. É um aspecto fundamental do perdão. Perdoar o presente é até mais importante do que perdoar o
passado. Se perdoarmos cada momento, se permitirmos que ele seja como é, não haverá nenhum acúmulo de
ressentimento a ser perdoado mais tarde.
Lembre-se de que não estamos aqui tratando de felicidade. Por exemplo, quando a pessoa amada acabou
de morrer, ou se sentimos a nossa própria morte se aproximar, não podemos nos sentir felizes. É impossível.
Mas podemos estar em paz. Pode até haver tristeza e lágrimas, mas, se deixarmos de resistir, conseguiremos
perceber uma profunda serenidade por baixo da tristeza, uma calma, uma presença sagrada. Isso é a emanação
do Ser, isso é a paz interior, o bem que não tem opositores.
E se for uma situação sobre a qual eu possa fazer algo a respeito? Como posso permitir que ela exista e
mudá-la ao mesmo tempo?
– 79 –
Faça o que você tem de fazer. Enquanto isso, aceite o que é. Como mente e resistência significam a
mesma coisa para nós, aceitar aquilo que acontece nos liberta na mesma hora do domínio da mente e restabelece
a nossa conexão com o Ser. Como resultado, as costumeiras motivações do ego para “agir”, como o medo, a
cobiça, o controle, a defesa ou a alimentação do falso sentido do ego, não vão mais funcionar. Uma inteligência
muito maior do que a mente passa a dominar tudo e, com isso, uma diferente qualidade de consciência vai
influenciar as nossas ações.
“Aceite o que quer que venha para você nas tramas do destino, pois o que se ajustaria mais
adequadamente às suas necessidades?” Isso foi escrito há dois mil anos por Marco Aurélio, um homem
extraordinário que, além de poderoso, tinha uma grande sabedoria.
Parece que a maioria das pessoas precisa vivenciar uma grande carga de sofrimento antes de abandonar a
resistência e aceitar, isto é, antes de perdoar. Com o perdão, acontece o milagre do despertar da consciência do
Ser, através do que aparenta ser o mal: a transformação do sofrimento em paz interior. Todo o mal e todo o
sofrimento do mundo vão nos forçar a descobrir quem somos realmente. Assim, aquilo que, de uma perspectiva
limitada, percebemos como o mal é, na verdade, parte de um bem maior que não tem opositores. Entretanto, isso
só se torna uma verdade através do perdão. Sem ele, o mal permanece como mal.
Através do perdão – que significa reconhecer a falta de consistência do passado e permitir que o momento
presente seja como é –, acontece o milagre da transformação, não só no lado de dentro, mas também do lado de
fora. Um espaço silencioso de uma presença intensa surge dentro de nós e à nossa volta. Quem quer e o que for
que penetre no campo da consciência será afetado, algumas vezes de forma clara e imediata, outras em níveis
mais profundos, com mudanças só notadas algum tempo depois. Você dissolve a discórdia, cura o sofrimento,
desfaz a inconsciência, sem fazer nada, simplesmente sendo e sustentando essa freqüência de presença intensa.
O fim dos dramas em sua vida
Nesse estado de aceitação e paz interior, pode aparecer alguma coisa na vida para ser chamada de
“má”, da perspectiva da consciência comum?
Muitas das assim chamadas coisas más que nos acontecem na vida são devidas à inconsciência. Elas são
criadas por nós, ou melhor, são criadas pelo ego. Refiro-me a isso, às vezes, como “drama”. Quando
restabelecemos a conexão com o Ser e não deixamos mais a mente governar, paramos de criar essas coisas.
Mas há muitas pessoas que se apaixonam pelos seus dramas particulares de vida. Identificam-se com suas
histórias. O ego governa a vida delas. Investiram nele todo o sentido de eu interior. Até mesmo a busca de uma
resposta, de uma solução, ou de uma cura se torna parte dele. O que mais temem é que seus dramas tenham um
fim. Enquanto essas pessoas forem a mente, seu maior medo será o próprio despertar.
Quando vivemos em uma completa aceitação do que é, todos os dramas da nossa vida chegam ao fim.
Ninguém consegue ter a mais leve discussão conosco, não importa quanto tente. Não se pode discutir com
alguém completamente consciente. Uma discussão implica uma identificação com a mente e uma determinada
posição mental, tal como resistência e reação às posições da outra pessoa. O resultado é que as polaridades
opostas ficam mutuamente energizadas. Esses são os mecanismos da inconsciência. Ainda podemos estabelecer
o nosso ponto de vista de modo claro e firme, mas não haverá nenhuma força reagindo ao fundo, nenhuma
defesa e nenhuma agressão. Assim, não se transformará em um drama. Quando estamos completamente
conscientes, deixamos de estar em conflito. “Ninguém que esteja em unidade consigo mesmo consegue pensar
em conflito”, diz o livro A Course in Miracles (Um curso em milagres). O livro se refere não só ao conflito com
outras pessoas, mas, fundamentalmente, ao conflito dentro de nós, que deixa de existir quando não há mais
nenhum desacordo entre as buscas e expectativas da nossa mente e aquilo que é.
– 80 –
A impermanência e os ciclos da vida
Enquanto permanecermos na dimensão física e em conexão com a psique humana coletiva, o sofrimento,
embora raro, ainda pode acontecer. Não devemos confundi-lo com o sofrimento emocional. Todo sofrimento é
criado pelo ego e fruto de uma resistência. Além disso, nessa dimensão, ainda nos sujeitamos à natureza cíclica
e à lei da impermanência de todas as coisas, mas já não vemos mais o sofrimento como uma coisa “má”. Ele
simplesmente é.
Ao permitir o “existir” de todas as coisas, uma dimensão mais profunda, por baixo do jogo dos opostos,
se revela para nós como uma presença permanente, uma serenidade profunda e estável, uma alegria sem motivos
que se situa além do bem e do mal. Essa é a alegria do Ser, a paz de Deus.
No nível da forma existe nascimento e morte, criação e destruição, crescimento e dissolução de espécies
aparentemente independentes. Podemos ver isso em tudo: no ciclo da vida de uma estrela ou de um planeta, em
um corpo físico, em uma árvore, em uma flor; na ascensão e queda de nações, de sistemas políticos e de
civilizações, e também nos inevitáveis ciclos de lucros e perdas que temos na vida.
Existem ciclos de sucesso, como quando as coisas acontecem e dão certo, e ciclos de fracasso, quando
elas não vão bem e se desintegram. Você tem de permitir que elas terminem, dando espaço para que coisas
novas aconteçam ou se transformem. Se nos apegamos às situações e oferecemos uma resistência nesse estágio,
significa que estamos nos recusando a acompanhar o fluxo da vida e que vamos sofrer.
Não é verdade que o ciclo ascendente seja bom e o ciclo descendente seja ruim, a não ser no julgamento
da mente. O crescimento é, em geral, considerado positivo, mas nada pode crescer para sempre. Se o
crescimento nunca tivesse fim, poderia acabar em algo monstruoso e destrutivo. É necessário que as coisas
acabem, para que coisas novas aconteçam.
O ciclo descendente é absolutamente essencial para uma realização espiritual. Você tem de ter falhado
gravemente de algum modo, ou passado por alguma perda profunda, ou algum sofrimento, para ser conduzido à
dimensão espiritual. Ou talvez o seu sucesso tenha se tornado vazio e sem sentido e se transformado em
fracasso. O fracasso está sempre embutido no sucesso, assim como o sucesso está sempre encoberto pelo
fracasso. No mundo da forma, todas as pessoas “fracassam” mais cedo ou mais tarde, e toda conquista acaba em
derrota. Todas as formas são impermanentes.
Você pode ser ativo e apreciar a criação de novas formas e circunstâncias, mas não se sentirá identificado
com elas. Você não precisa delas para obter um sentido de eu interior. Elas não são a sua vida, pertencem à sua
situação de vida.
Nossa energia física também está sujeita a ciclos. Não consegue estar sempre no máximo. Teremos
momentos de baixa e de alta energia. Em alguns períodos, estaremos altamente ativos e criativos, mas em outros
tudo vai parecer estagnado, teremos a impressão de não estarmos indo a lugar nenhum, nem conseguindo nada.
Um ciclo pode durar de algumas horas a alguns anos e dentro dele pode haver ciclos longos ou curtos. Muitas
doenças são provocadas pela luta contra os ciclos de baixa energia, que são fundamentais para uma renovação.
Enquanto estivermos identificados com a mente, não poderemos evitar a compulsão de fazer coisas e a
tendência para extrair o nosso valor de fatores externos, tais como as conquistas que alcançamos. Isso torna
difícil ou impossível para nós aceitarmos os ciclos de baixa e permitirmos que eles aconteçam. Assim, a
inteligência do organismo pode assumir o controle, como uma medida autoprotetora, e criar uma doença com o
objetivo de nos forçar a parar, de modo a permitir que uma necessária renovação possa acontecer.
A natureza cíclica do universo está intimamente ligada à impermanência de todas as coisas e situações.
Buda fez disso uma parte central de seu ensinamento. Todas as circunstâncias são altamente instáveis e estão em
um fluxo constante, ou, como ele colocou, a impermanência é uma característica de cada circunstância, de cada
situação com que vamos nos deparar na vida. Elas vão se modificar, desaparecer, ou deixar de proporcionar
prazer. A impermanência também é um ponto central dos ensinamentos de Jesus: “Não acumule tesouros na
terra, onde as traças e a ferrugem arruínam tudo, onde os ladrões arrombam as paredes para roubar...”
Enquanto a mente julgar uma circunstância “boa”, seja um relacionamento, uma propriedade, um papel
social, um lugar, ou o nosso corpo físico, ela se apega e se identifica com ela. Isso faz você se sentir bem em
relação a si mesmo e pode se tornar parte de quem você é ou pensa que é. Mas nada dura muito nessa dimensão,
onde as traças e a ferrugem devoram tudo. Tudo acaba ou se transforma: a mesma condição que era boa no
passado, de repente, se torna ruim. A prosperidade de hoje se torna o consumismo vazio de amanhã. O
casamento feliz e a lua-de-mel se transformam no divórcio infeliz ou em uma convivência infeliz. A mente não
– 81 –
consegue aceitar quando uma situação com a qual ela tenha se apegado muda ou desaparece. Ela vai resistir à
mudança. É quase como se um membro estivesse sendo arrancado do seu corpo.
Às vezes ouvimos falar de pessoas que cometeram suicídio porque perderam a fortuna ou tiveram sua
reputação arruinada. Esses são casos extremos. Outras pessoas, ao sofrer uma grande perda, tornam-se
profundamente infelizes ou adoecem. Não conseguem distinguir a vida da situação de vida. Li recentemente
sobre uma famosa atriz que morreu depois dos oitenta anos e foi ficando cada vez mais infeliz e reclusa
conforme envelhecia. Ela estava identificada com uma circunstância: a sua aparência externa. No início, isso lhe
deu um sentido feliz do eu interior, depois um sentido infeliz. Se tivesse sido capaz de se conectar com a vida
interior, que é dissociada da forma e do tempo, ela poderia ter aceitado o desaparecimento da beleza,
observando-a de um lugar de serenidade e paz. Além do mais, sua aparência teria se tornado cada vez mais
transparente à luz que brilha através da verdadeira natureza, de modo que a beleza externa não teria sumido, mas
se transformado em beleza espiritual. Porém, ninguém contou a ela que isso era possível. O tipo de
conhecimento mais básico ainda não está ao alcance de todos.
Buda ensinou que até mesmo a felicidade pessoal é dukka – uma palavra da língua páli que significa
“sofrimento” ou “insatisfação”. Ela é inseparável do seu oposto. Significa que a felicidade e a infelicidade são,
na verdade, uma coisa só. Somente a ilusão do tempo as separa.
Isso não significa uma negatividade. É simplesmente reconhecer a natureza das coisas, para não viver
atrás de uma ilusão pelo resto da vida. Nem quer dizer que você não deva mais apreciar os objetos e as
circunstâncias agradáveis e bonitas. Porém, usá-los para procurar aquilo que não podem dar – uma identidade,
um sentido de permanência e satisfação – é uma receita para a frustração e o sofrimento. Toda a indústria da
propaganda e a sociedade de consumo entrariam em colapso se as pessoas se tornassem iluminadas e deixassem
de tentar encontrar as suas identidades através dos objetos. Quanto mais usarmos esse caminho para encontrar a
felicidade, mais estaremos nos iludindo. Nada lá fora vai conseguir nos trazer satisfação, exceto por um tempo e
de modo superficial. Mas talvez você precise passar por muitas decepções antes de perceber a verdade. Os
objetos e as circunstâncias podem lhe dar prazer, mas também vão lhe trazer sofrimento. Eles podem lhe dar
prazer, mas não trazer alegria. A alegria não tem uma causa e brota dentro de nós como a alegria do Ser. É uma
parte essencial do estado de paz interior, conhecido como a paz de Deus. É o nosso estado natural, não algo por
que tenhamos de lutar para conseguir.
As pessoas, em geral, não percebem que a “salvação” não está em nada do que façam, possuam ou
consigam. Aquelas que percebem ficam, muitas vezes, enfastiadas do mundo e deprimidas. Se nada pode lhes
dar um verdadeiro prazer, será que resta alguma coisa por que se empenhar? Com que objetivo? O profeta do
Velho Testamento deve ter chegado a essa conclusão quando escreveu: “Tenho visto tudo o que se faz debaixo
do sol e eis que tudo é vaidade e uma luta contra o vento”. Quando você chega a esse ponto, está a um passo do
desespero e um passo mais longe da iluminação.
Uma vez um monge budista me disse: “Tudo o que aprendi nos vinte anos em que sou monge pode ser
resumido em uma frase: Tudo o que surge, desaparece. Isso eu sei”. O que ele quis dizer foi o seguinte: aprendi
a não oferecer qualquer resistência ao que é; aprendi a permitir que o momento presente aconteça e a aceitar a
natureza impermanente de todas as coisas e circunstâncias. Foi assim que encontrei a paz.
Não oferecer resistência à vida é estar em estado de graça, de descanso e de luz. Nesse estado, nada
depende de as coisas serem boas ou ruins. É quase paradoxal, mas, como já não existe mais uma dependência
interior quanto à forma, as circunstâncias gerais da sua vida, as formas externas, tendem a melhorar
consideravelmente. As coisas, as pessoas ou as circunstâncias que você desejava para a sua felicidade vêm agora
até você sem qualquer esforço, e você está livre para apreciá-las enquanto durarem. Todas essas coisas
naturalmente vão acabar, os ciclos virão e irão, mas com o desaparecimento da dependência não há mais medo
de perdas. A vida flui com facilidade.
A felicidade que provém de alguma coisa secundária nunca é muito profunda. É apenas um pálido reflexo
da alegria do Ser, da paz vibrante que encontramos dentro de nós ao entrarmos no estado de não-resistência. O
Ser nos transporta para além das polaridades opostas da mente e nos liberta da dependência da forma. Mesmo
que tudo em volta desabe e fique em pedaços, você ainda sentirá uma profunda paz interior. Você pode não
estar feliz, mas vai estar em paz.
– 82 –
Utilizando e abandonando a negatividade
Toda resistência interior é vivenciada como uma negatividade. Toda negatividade é uma resistência.
Nesse contexto, as duas palavras são quase sinônimas. A negatividade vai de uma irritação ou impaciência a
uma raiva furiosa, de um humor deprimido ou um ressentimento a um desespero suicida. Às vezes, a resistência
faz disparar o sofrimento emocional, caso em que mesmo uma situação banal pode produzir uma negatividade
intensa, como a raiva, a depressão ou um profundo pesar.
O ego acredita que, através da negatividade, pode manipular a realidade e conseguir o que deseja.
Acredita que, através dela, pode atrair uma circunstância desejável ou dissolver uma indesejável. O livro A
Course in Miracles (Um curso em milagres) destaca corretamente isso ao afirmar que, sempre que estamos
infelizes, acreditamos inconscientemente que a infelicidade “compra” para nós o que queremos. Se “você” – a
mente – não acreditou que a infelicidade funciona, por que a criaria? O fato é que essa negatividade não
funciona. Em vez de atrair uma circunstância desejável, ela a interrompe ao nascer. Em vez de desfazer uma
circunstância indesejável, ela a mantém no lugar. Sua única utilidade é que ela fortalece o ego, e essa é a razão
pela qual ele a adora.
Uma vez que você tenha se identificado com alguma forma de negatividade, não vai querer que ela
desapareça e, em um nível inconsciente mais profundo, não vai desejar uma mudança positiva. Ela iria ameaçar
a sua identidade como uma pessoa depressiva, zangada ou difícil de lidar. Você então passa a ignorar, negar ou
sabotar aquilo que é positivo em sua vida. É um fenômeno comum. E também doentio.
A negatividade é completamente antinatural. É um poluente psíquico e existe um vínculo profundo entre
o envenenamento e a destruição da natureza e a grande negatividade que vem sendo acumulada na psique
coletiva humana. Nenhuma outra forma de vida no planeta conhece a negatividade, somente os seres humanos,
assim como nenhuma outra forma de vida violenta e envenena a Terra que a sustenta. Você já viu uma flor
infeliz ou um carvalho estressado? Já cruzou com um golfinho deprimido, um sapo com problemas de autoestima,
um gato que não consegue relaxar, ou um pássaro com ódio e ressentimento? Os únicos animais que
eventualmente vivenciam alguma coisa semelhante à negatividade, ou mostram sinais de comportamento
neurótico, são os que vivem em contato íntimo com os seres humanos e assim se ligam à mente humana e à
insanidade deles.
Observe as plantas e animais, aprenda com eles a aceitar aquilo que é e a se entregar ao Agora. Deixe que
eles lhe ensinem o que é Ser, o que é integridade – estar em unidade, ser você mesmo, ser verdadeiro. Aprenda
como viver e como morrer, e como não fazer do viver e do morrer um problema.
Vivi com alguns mestres zen – todos eles gatos. Até mesmo os patos me ensinaram importantes lições
espirituais. Observá-los é uma meditação. Como eles flutuam em paz, de bem com eles mesmos, totalmente
presentes no Agora, dignos e perfeitos, tanto quanto uma criatura sem mente pode ser. Eventualmente, no
entanto, dois patos vão se envolver em uma briga, algumas vezes sem nenhuma razão aparente ou porque um
pato penetrou no espaço particular do outro. A briga geralmente dura só alguns segundos e então os patos se
separam, nadam em direções opostas e batem suas asas com força, por algumas vezes. Então continuam a nadar
em paz, como se a briga nunca tivesse acontecido. Quando observei isso pela primeira vez, percebi, num
relance, que ao bater as asas eles estavam soltando a energia acumulada, evitando assim que ela ficasse
aprisionada no corpo e se transformado em negatividade. Isso é sabedoria natural. É fácil para eles porque não
têm uma mente para manter vivo o passado, sem necessidade, e então construir uma identidade em volta dele.
Uma emoção negativa não poderia também conter uma mensagem importante? Por exemplo, se me sinto
deprimido com freqüência, será que pode ser um sinal de que existe alguma coisa errada com a minha vida e
isso pode me forçar a olhar para a minha situação de vida e fazer mudanças?
– 83 –
Poderia. As emoções negativas repetitivas podem, às vezes, conter uma mensagem, como ocorre com as
doenças. Qualquer mudança que você faça, seja ela relacionada com seu trabalho, seus relacionamentos ou seu
ambiente, é apenas uma máscara, a menos que se origine de uma mudança no seu nível de consciência. E até
onde isso interessa, só pode significar uma coisa: estar mais presente. Quando você já tiver alcançado um certo
grau de presença, não precisa mais da negatividade para lhe dizer o que é necessário na sua situação de vida.
Mas, enquanto a negatividade estiver lá, utilize-a. Use-a como um tipo de sinalizador, um lembrete para estar
mais presente.
Como impedimos que a negatividade surja e como nos livramos dela, já que está lá?
Como já afirmei, você não deixa que ela surja ao estar completamente presente. Não desanime. Ainda são
poucas as pessoas no planeta que conseguem manter um estado contínuo de presença, embora algumas já
estejam chegando bem perto. Acredito que logo serão muitas.
Sempre que perceber alguma forma de negatividade crescendo dentro de você, não olhe para ela como um
fracasso, mas sim como um sinal que está lhe dizendo: “Acorde. Largue a sua mente. Esteja presente”.
Existe um romance de Aldous Huxley chamado A Ilha, escrito em seus últimos anos de vida, quando ele
ficou muito interessado nos ensinamentos espirituais. Conta a história de um homem que naufragou perto de
uma ilha isolada do resto do mundo. Essa ilha era habitada por uma civilização especial. A coisa estranha sobre
ela é que seus habitantes, diferente do resto do mundo, eram sadios, de verdade. A primeira coisa que o
náufrago percebe são os papagaios multicoloridos empoleirados nas árvores, que davam a impressão de estar
repetindo as palavras “Atenção. Aqui e agora. Atenção. Aqui e Agora”. Adiante, descobrimos que os habitantes
da ilha ensinaram essas palavras aos papagaios para que fossem sempre lembrados para ficar presentes.
Portanto, sempre que sentir a negatividade crescer dentro de você, causada ou não por um fator externo,
um pensamento ou mesmo nada em particular, olhe para ela como se fosse uma voz dizendo “Atenção. Aqui e
Agora. Acorde”. Até mesmo a mais leve irritação é significativa e precisa ser conhecida e observada. Do
contrário, haverá um aumento cumulativo de reações não observadas. Como afirmei anteriormente, você pode
descartá-la assim que perceber que não quer ter esse campo de energia no seu interior e que ele não tem nenhum
objetivo. Mas certifique-se de que você se livrou completamente dela. Se não conseguir, simplesmente aceite
que ela está ali e concentre a sua atenção no sentimento.
Uma alternativa para descartar uma reação negativa é fazê-la desaparecer ao imaginar a si mesmo se
tornando transparente para a causa externa da reação. Recomendo que você pratique primeiro com as coisas do
dia-a-dia. Vamos dizer que você esteja em casa. De repente, vindo da rua, começa a soar um alarme insistente
de carro. Surge uma irritação. Qual é o objetivo dessa irritação? Nenhum até aqui. Por que você a criou? Você
não a criou. Quem criou foi a mente. Ela teve uma reação totalmente automática, totalmente inconsciente. Por
que a mente a criou? Porque ela sustenta a crença inconsciente de que a resistência dela, que você absorve como
alguma forma de negatividade ou infelicidade, vai dissolver a condição indesejada. Isso naturalmente é uma
ilusão. A resistência que ela cria, nesse caso a irritação ou raiva, é muito mais desagradável do que a causa
original que ela está tentando desfazer.
Tudo isso pode ser transformado em prática espiritual. Sinta-se ficando transparente, sem a solidez de um
corpo material. Agora, permita que o barulho, ou o que estiver causando a emoção negativa, passe através de
você. Ele não está mais golpeando uma “parede” sólida dentro de você. Como disse, pratique primeiro com as
coisas simples. O alarme do carro, o choro de uma criança, o barulho do tráfego. Em vez de ter uma parede de
resistência dentro de você, que é atingida de modo constante e doloroso pelas coisas que “não deveriam estar
acontecendo”, deixe que tudo passe através de você.
Alguém diz alguma coisa grosseira para ferir você. Em vez de desencadear uma reação inconsciente e
uma negatividade, como uma agressão, uma defesa, ou um retraimento, você deixa isso passar através de você.
Não ofereça resistência. É como se não existisse mais ninguém ali para ser machucado. Isso é perdão. Nesse
sentido, você se torna invulnerável. Pode dizer a essa pessoa que o comportamento dela é inaceitável, se você
escolher fazer isso. Mas essa pessoa já não tem mais o poder de controlar o seu estado interior. Você passa a
estar em seu poder – não mais em poder de alguém, nem sob o governo da mente. Quer seja um alarme de carro,
uma pessoa grosseira, uma inundação, um terremoto, ou a perda de todos os seus bens, o mecanismo de
resistência é o mesmo.
– 84 –
Pratico a meditação,.freqüento seminários, leio muito sobre espiritualidade, em busca de um estado de
não-resistência. Mas, se você me perguntar se encontrei a verdadeira paz interior, minha resposta teria que ser
“não”. Por que não a encontrei? O que mais posso fazer?
Você ainda está procurando lá fora e não consegue escapar do modo de busca. Talvez o próximo
seminário lhe traga a resposta, talvez aquela nova técnica. Diria a você: não busque a paz. Não busque nenhum
outro estado além daquele em que você está agora, do contrário, vai criar um conflito interno e uma resistência
inconsciente. Perdoe a si mesmo por não estar em paz. No momento em que você aceitar completamente a sua
intranqüilidade, ela se transformará em paz. Qualquer coisa que você aceite completamente vai lhe levar até lá,
vai levar você até a paz. Esse é o milagre da entrega.
Você já deve ter ouvido a frase “dê a outra face”, que um grande mestre da iluminação empregou há dois
mil anos. Ele estava tentando transmitir simbolicamente o segredo da não-resistência e da não-reação. Nessas
palavras, como em todas as que proferiu, ele estava preocupado apenas com a nossa realidade interior, não com
a conduta externa da nossa vida.
Você conhece a história de Banzan? Antes de se tornar um grande mestre zen, ele passou muitos anos
perseguindo a iluminação, mas ela o iludia. Então, um dia, enquanto andava pelo mercado, ouviu uma conversa
entre um açougueiro e seu freguês. “Me dê o melhor pedaço de carne que você tem aí”, disse o freguês. E o
açougueiro respondeu: “Todo pedaço de carne que tenho é o melhor. Não há nenhum pedaço de carne aqui que
não seja o melhor”. Depois de ouvir isso, Banzan se tornou iluminado.
Posso ver você esperando alguma explicação. Quando aceitamos o que é, todo pedaço de carne – todo
momento – é o melhor. Isso é iluminação.
A natureza da compaixão
Tendo ultrapassado as fronteiras construídas pela mente, você passa a ser como um lago profundo. Sua
situação de vida e o que acontece no mundo exterior são a superfície do lago, às vezes calmo, às vezes cheio de
ondas por causa do vento, conforme os períodos e as estações. Lá no fundo, porém, o lago é sempre sereno.
Você é esse lago por inteiro, não apenas a superfície, e está em contato com a sua própria profundidade, que
permanece absolutamente serena. Você não reage a uma mudança ao se apegar mentalmente a qualquer
situação. A sua paz interior não depende dela. Você se fixa no Ser – imutável, eterno, imortal – e não é mais
dependente da satisfação ou da felicidade do mundo exterior, das formas constantemente flutuantes. Você pode
desfrutá-las, brincar com elas, criar novas formas, apreciar a beleza de todas. Mas não tem mais necessidade de
se apegar a nenhuma delas.
Quando você consegue se desprender desse jeito, não significa que também se distancia dos outros seres
humanos?
Pelo contrário. Enquanto você não está consciente do Ser, a realidade dos outros seres humanos vai
causar uma ilusão, porque você ainda não encontrou a sua realidade. A mente vai gostar ou não da forma deles,
não só do corpo, mas também da mente deles. O verdadeiro relacionamento só é possível quando existe uma
consciência do Ser. A partir do Ser, você vai perceber o corpo e a mente da outra pessoa como se fosse uma tela,
por trás da qual você pode sentir a verdadeira realidade deles, como você sente a sua. Assim, ao se confrontar
– 85 –
com o sofrimento de outra pessoa ou com um comportamento inconsciente, você fica presente e em contato com
o Ser e, desse modo, é capaz de olhar além da forma e sentir o Ser radiante e puro da outra pessoa. No nível do
Ser, todo sofrimento é visto como uma ilusão, uma conseqüência da identificação com a forma. Milagres de
cura às vezes acontecem através dessa descoberta, através do despertar da consciência do Ser nos outros – se
estiverem prontos.
Isso é compaixão?
Sim. A compaixão é a consciência de uma forte ligação entre você e todas as criaturas. Mas existem dois
lados da compaixão, dois lados dessa ligação. De um lado, como ainda estamos aqui como um corpo físico,
partilhamos a vulnerabilidade e a mortalidade da nossa forma física com todos os outros seres humanos e todos
os seres vivos. Na próxima vez que disser “Não tenho nada em comum com essa pessoa”, lembre-se de que
você tem muitas coisas em comum. Daqui a alguns anos – dois ou setenta, não faz muita diferença –, os dois
terão corpos apodrecidos, depois serão pó, depois nada restará. Isso é uma percepção humilde e sensata que não
deixa muito espaço para o orgulho. Isso é um pensamento negativo? Não, apenas um fato. Por que fechar os
olhos para isso? Nesse sentido há uma completa igualdade entre você e todas as outras criaturas.
Uma das mais poderosas práticas espirituais é meditar profundamente sobre a mortalidade das formas
físicas, inclusive da sua. Isso se chama: morrer antes que você morra. Vá fundo nisso. A sua forma física está se
dissolvendo, é nada. Então surge um momento quando todas as formas mentais ou pensamentos também
morrem. Mas você ainda está lá – a presença divina que você é, radiante, completamente consciente. Nada que é
real morre de verdade, somente os nomes, as formas e as ilusões.
A realização dessa dimensão eterna, a nossa verdadeira natureza, é o outro lado da compaixão. Em um
nível mais profundo, podemos reconhecer agora não só a nossa própria imortalidade, mas também a de todas as
outras criaturas. No nível da forma, partilhamos a mortalidade e a precariedade da existência. No nível do Ser,
partilhamos a vida eterna e radiante. Esses são dois aspectos da compaixão. Na compaixão, os sentimentos de
tristeza e de alegria, aparentemente opostos, se fundem em um só e se transformam em uma profunda paz
interior. Isso é a paz de Deus. É um dos mais nobres sentimentos de que os homens são capazes e possui um
grande poder de cura e transformação. Mas a verdadeira compaixão, como acabei de descrever, ainda é rara. Ter
uma profunda empatia pelo sofrimento de um outro ser exige um alto nível de consciência, mas representa
apenas um lado da compaixão. Não é completo. A verdadeira compaixão vai além da empatia ou da simpatia.
Não acontece até que a tristeza se misture com a alegria, a alegria do Ser além da forma, a alegria da vida
eterna.
Em direção a uma ordem de realidade diferente
Não concordo que o corpo precise morrer. Estou convencido de que podemos obter a imortalidade física.
Acreditamos na morte e é por isso que o corpo morre.
O corpo não morre porque acreditamos na morte. O corpo existe, ou assim parece, porque acreditamos na
morte. O corpo e a morte são partes da mesma ilusão, criada pelo modo egóico de consciência, que não tem
percepção da Fonte da vida e vê a si mesmo como uma coisa separada e sob constante ameaça. Assim, ele cria a
ilusão de que somos um corpo, um veículo físico e sólido, que está sob uma constante ameaça.
A ilusão está em percebermos a nós mesmos como um corpo vulnerável, que nasce e pouco depois morre.
Corpo e morte: uma ilusão. Um não existe sem o outro. Queremos manter um lado da ilusão e nos livrarmos do
outro, mas isso é impossível.
– 86 –
Entretanto, você não pode escapar do corpo, nem tem de fazer isso. O corpo é uma percepção
incrivelmente distorcida da nossa verdadeira natureza. Mas a nossa verdadeira natureza está disfarçada em
algum lugar dentro dessa ilusão, não do lado de fora, portanto o corpo ainda é o único ponto de acesso a ela.
Se você vê um anjo, mas o confunde com uma estátua de pedra, tudo o que você precisa fazer é adaptar a
sua visão e olhar mais de perto para a “estátua de pedra”, e não olhar para outro lado. Você então percebe que
aquilo nunca foi uma estátua de pedra.
Se a crença na morte cria o corpo, por que um animal tem corpo? Um animal não tem um ego e não
acredita na morte...
Mas ele morre, ou parece que morre.
Lembre-se de que a nossa percepção do mundo é um reflexo do nosso estado de consciência. Não
estamos separados dele e não há um mundo objetivo fora dele. A cada momento, a nossa consciência cria o
mundo em que habitamos. Um dos maiores insights que a física moderna teve foi o da unidade entre o
observador e o observado: a pessoa que conduz a experiência – a consciência observadora – não pode ser
separada dos fenômenos observados, e uma nova maneira de olhar leva os fenômenos observados a se
comportarem de maneira diferente. Se você acredita na separação e na luta pela sobrevivência, vê essa crença
refletida à sua volta e as suas percepções acabam sendo governadas pelo medo. Você vive num mundo de morte,
lutas, uns atacando e matando os outros.
Nada é o que parece ser. O mundo que você criou e vê através da mente pode parecer um lugar bem
imperfeito, até mesmo um vale de lágrimas. Mas o que quer que você perceba é somente uma espécie de
símbolo, como uma imagem em um sonho. É o jeito pelo qual a sua consciência interpreta e interage com a
dança de energia molecular do universo. Essa energia é o material bruto da assim chamada realidade física.
Você a vê em termos de corpos e de nascimento e morte, ou como uma luta pela sobrevivência. Existe um
número infinito de interpretações diferentes, de mundos completamente diferentes, tudo dependendo do que a
consciência percebe. Cada ser é um ponto focal da consciência e cada ponto focal cria o seu próprio mundo,
embora todos esses mundos se interliguem. Existe um mundo humano, um mundo das formigas, um mundo dos
golfinhos, etc. Existem incontáveis seres cuja freqüência de consciência é tão diferente da nossa que
provavelmente não temos consciência da existência deles, assim como eles não têm da nossa. Seres altamente
conscientes da ligação que mantêm com a Fonte habitam um mundo que para nós pareceria com um domínio
celeste. Mas ainda assim todos os mundos são basicamente um só.
No momento em que a consciência humana coletiva tiver se transformado, a natureza e o reino animal
irão refletir essa transformação. Aqui está a afirmação da Bíblia de que no futuro “o leão vai se deitar ao lado da
ovelha”. Isso aponta para a possibilidade de um ordenamento da realidade completamente diferente.
O mundo tal qual se apresenta para nós é em grande parte um reflexo da mente. Sendo o medo uma
conseqüência inevitável da ilusão criada pelo ego, é um mundo dominado pelo medo. Assim como as imagens
em um sonho são símbolos dos estados interiores e dos sentimentos, assim a nossa realidade coletiva é uma
expressão simbólica do medo e das pesadas camadas de negatividade até agora acumuladas na psique coletiva
humana. Não estamos separados do nosso mundo, então, quando a maioria dos humanos se tornar livre da ilusão
egóica, essa mudança interior vai afetar toda a criação. Vamos, literalmente, viver em um novo mundo. É uma
mudança na consciência do planeta. O estranho ensinamento budista que toda árvore e toda folha de grama irão
finalmente se tornar iluminadas aponta para a mesma verdade. De acordo com São Paulo, toda a criação está à
espera de que os homens obtenham a iluminação. É assim que interpreto suas palavras: “A criação aguarda, com
impaciência, a revelação dos filhos de Deus”. São Paulo diz que todo o universo vai se redimir através disso, ao
escrever: “Sabemos, com efeito, que a criação inteira geme, ainda agora, com as dores do parto”.
O que está nascendo é uma nova consciência e, como um reflexo inevitável, um novo mundo. Isso
também está relatado no Livro das Revelações do Novo Testamento: “Vi, então, um novo Céu e uma nova
Terra, porque o primeiro Céu e a primeira Terra desapareceram...”
Mas não confunda causa e efeito. Nossa primeira tarefa não é buscar a salvação através da criação de um
mundo melhor, mas sim despertar da nossa identificação com a forma. Não estamos mais presos a este mundo, a
este nível de realidade. Podemos sentir nossas raízes no Não Manifesto e assim estamos livres do apego ao
mundo manifesto. Ainda podemos desfrutar os prazeres passageiros deste mundo, mas não somos mais escravos
dessas experiências, não estamos mais em busca de satisfação através de uma gratificação psicológica, através
da alimentação do ego. Não temos mais medo de perder alguma coisa, portanto não precisamos nos apegar a
– 87 –
este mundo. Estamos em contato com algo infinitamente maior do que qualquer prazer, maior do que qualquer
coisa manifesta. Em um certo sentido, não precisamos mais do mundo e nem mesmo que ele seja diferente do
que é.
É neste ponto que você começa a dar uma contribuição real para criar um mundo melhor, uma nova
realidade. É neste ponto que você se torna capaz de sentir a verdadeira compaixão e de ajudar os outros.
Somente aqueles que transcenderam o mundo conseguem criar um mundo melhor.
Você deve lembrar que já falamos sobre a dualidade da verdadeira compaixão, que é a percepção de uma
ligação tanto com a mortalidade quanto com a imortalidade. Nesse nível profundo, a compaixão se torna um
remédio no sentido mais amplo. Nesse estado, a sua influência curativa se baseia não no fazer, mas no ser.
Todas as pessoas com quem você mantiver contato serão tocadas pela sua presença e afetadas pela paz que você
emana, quer elas estejam ou não conscientes disso. Quando estiver inteiramente presente e as pessoas à sua
volta tiverem um comportamento inconsciente, você não vai sentir necessidade de reagir. A sua paz será tão
grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse existido. Isso quebra o
ciclo cármico de ação e reação. Os animais, as árvores, as flores vão sentir a sua paz e reagir a ela. Você
ensinará através do ser, através da demonstração da paz de Deus. Você passará a ser a “luz do mundo”, uma
emanação da pura consciência, e assim eliminará a causa do sofrimento. Você eliminará a inconsciência do
mundo.
Isso não significa que você não possa também ensinar através da ação – por exemplo, ao apontar como se
desidentificar da mente, reconhecer padrões inconscientes no interior de alguém, etc. Mas quem você é será
sempre um ensinamento transformador do mundo mais vital e mais poderoso do que o que você disser, e até
mais essencial do que o que você fizer. Além disso, reconhecer a primazia do Ser – e assim trabalhar no nível da
causa – não exclui a possibilidade de que a sua compaixão possa simultaneamente se manifestar no nível da
ação e do efeito, ao aliviar o sofrimento sempre que você o encontrar. Quando alguém faminto lhe pedir pão e
você tiver, você vai dar. Mas, ao dar o pão, mesmo que o seu contato seja muito breve, o mais importante será
esse momento do Ser partilhado, do qual o pão é apenas um símbolo. Uma cura profunda se instala
internamente. Nesse momento, não há doador nem receptor.
Como podemos criar um mundo melhor sem acabar primeiro com grandes males, como a fome e a
violência?
Todos os males são efeito da inconsciência. Podemos aliviar os efeitos da inconsciência, mas não
podemos eliminá-los, a menos que eliminemos sua causa. A verdadeira transformação acontece no interior, não
no exterior.
Querer aliviar o sofrimento do mundo é uma coisa muito nobre, mas lembre-se de não se concentrar
exclusivamente no exterior, do contrário você vai sentir frustração e desespero. Sem uma profunda mudança na
consciência humana, o sofrimento é um buraco sem fundo. Portanto, não permita que a sua compaixão se torne
unilateral. A empatia com o sofrimento do outro e o desejo de ajudar devem ser equilibrados com uma profunda
percepção da natureza eterna de todas as coisas e com a consciência do aspecto ilusório de todos os sofrimentos.
Permita que a sua paz inunde tudo o que você fizer e estará atuando sobre o efeito e a causa ao mesmo tempo.
Se quiser impedir que os seres humanos destruam uns aos outros e acabem com o planeta, lembre-se de
que, assim como não consegue combater a escuridão, você também não pode combater a inconsciência. Se
tentar fazer isso, a oposição polar vai se tornar fortalecida e mais profundamente arraigada. Você vai se
identificar com uma das polaridades, vai criar um “inimigo” e será conduzido ao seu eu interior inconsciente.
Eleve a consciência ao disseminar a informação, ou melhor, pratique a resistência passiva. Mas tenha a certeza
de que você não carrega nenhuma resistência interior, nenhum ódio, nenhuma negatividade. “Ame os seus
inimigos”, disse Jesus. O que, obviamente, significa: não tenha inimigos.
– 88 –
Uma vez que você se envolva em atuar no nível do efeito, é muito fácil se perder dentro dele. Fique alerta
e muito, muito presente. A causa tem de permanecer o seu foco inicial; o ensinamento da iluminação, o seu
propósito principal, e a paz, o seu mais precioso presente para o mundo.

capítulo oito

RELACIONAMENTOS ILUMINADOS
Entre no agora onde quer que você esteja
Sempre pensei que a verdadeira iluminação fosse algo impossível a não ser através do amor entre um
homem e uma mulher. Não é isso o que nos faz sentir completos? Como alguém pode ter uma vida plena sem
que isso aconteça?
A sua experiência pessoal já lhe mostrou que isso é verdade? Já aconteceu com você?
Ainda não, mas como poderia ser de outro modo? Sei que isso vai acontecer.
Em outras palavras, você está esperando por um acontecimento no tempo que venha lhe salvar. Não é
esse o erro principal que temos comentado? A salvação não está em lugar nenhum do tempo e do espaço. Está
aqui e agora.
O que quer dizer a frase “a salvação está aqui e agora”? Não entendo isso. Nem mesmo sei o que
significa salvação.
Muitas pessoas buscam prazeres físicos, ou formas variadas de gratificação psicológica, porque acreditam
que essas coisas trazem felicidade ou as libertam de uma sensação de medo ou de falta de alguma coisa. A
felicidade é vista como uma sensação intensa de vivacidade obtida através do prazer físico, ou como uma
sensação de um eu interior mais firme ou mais completo, obtida através de alguma forma de gratificação
psicológica. Essa é uma busca de salvação que tem origem num estado de insatisfação ou de insuficiência de
alguma coisa. Invariavelmente, a satisfação conseguida dessa maneira tem curta duração e, assim, a condição de
satisfação ou plenitude é geralmente projetada, mais uma vez, sobre um ponto imaginário, distante do aqui e
agora. “Quando eu conseguir isto ou me livrar daquilo, vou estar bem”. Essa é uma disposição mental
inconsciente, que cria a ilusão de salvação no futuro.
A verdadeira salvação é satisfação, paz, vida em toda a sua plenitude. É ser quem somos, sentir dentro de
nós o bem que não tem opositores, a alegria do Ser que não depende de nada que esteja fora de nós. Não é
sentida como uma experiência passageira, mas como uma presença permanente. Na linguagem dos que crêem
em Deus é “conhecer Deus”, não como algo externo a nós, mas sim como a nossa essência mais profunda. A
verdadeira salvação consiste em conhecermos a nós mesmos como parte inseparável da Vida Única, livre do
tempo e da forma, de onde se origina tudo o que existe.
A verdadeira salvação é um estado de liberdade – do medo, do sofrimento, de uma sensação de
insuficiência e de falta de alguma coisa e, portanto, de todos os desejos, necessidades, cobiça e dependência. É
libertar-se do pensamento compulsivo, da negatividade e, acima de tudo, do passado e do futuro como uma
necessidade psicológica. A nossa mente está dizendo que, do jeito que as coisas estão agora, não vamos
conseguir chegar lá. Tem de acontecer alguma coisa, ou temos de nos tornar isso ou aquilo. Ela está dizendo, na
verdade, que precisamos do tempo, que precisamos encontrar, negociar, fazer, conseguir, adquirir, compreender
ou nos tornar alguém, antes de nos sentirmos livres e satisfeitos. Vemos o tempo como um meio de salvação,
quando, na verdade, ele é o grande obstáculo para a salvação. Imaginamos que não podemos chegar lá a partir
do ponto em que estamos ou de quem somos neste momento, porque não nos sentimos ainda completos ou bons
o bastante. Mas a verdade é que o aqui e agora é o único ponto de partida para poder chegar lá. “Chegamos” lá
ao perceber que já estamos lá. Encontramos Deus no momento em que descobrimos que não precisamos
procurar Deus. Portanto, não existe apenas um caminho para a salvação. Várias circunstâncias podem ser
– 68 –
usadas, não é necessário uma em particular. Entretanto, só existe um ponto de acesso: o Agora. Não existe
salvação longe deste momento. Você está só, sem uma companhia? Acesse o Agora a partir da sua solidão.
Você tem um relacionamento? Acesse o Agora a partir desse relacionamento.
Não existe nada que possamos fazer, ou obter, que nos aproxime mais da salvação do que o momento
presente. Não podemos fazer isso no futuro. Ou fazemos agora ou simplesmente não fazemos.
Relação de amor e ódio
A menos que você acesse a freqüência consciente da presença, todos os seus relacionamentos,
principalmente os mais íntimos, vão apresentar defeitos profundos. Durante um tempo, eles podem dar a
impressão de serem perfeitos, como quando estamos apaixonados, mas, invariavelmente, essa perfeição aparente
acaba destruída por discussões, conflitos, insatisfações e até mesmo por violência física e emocional, que passa
a acontecer com uma freqüência cada vez maior. Parece que a maioria dos “relacionamentos amorosos” não
leva muito tempo para se tornar uma relação de amor e ódio.
O amor pode se transformar em agressões furiosas, em sentimentos de hostilidade ou, num piscar de
olhos, em um completo recuo da afeição. Isso é visto como normal. Os relacionamentos, então, oscilam por um
tempo, por alguns meses ou anos, entre as polaridades de “amor” e ódio, e nos trazem muito prazer e muita dor.
Não é pouco comum que os casais se tornem viciados nesses ciclos. Esse tipo de drama nos faz sentir vivos.
Quando o equilíbrio entre as polaridades negativa e positiva é desfeito e os ciclos negativos e destrutivos
acontecem com freqüência e intensidade crescentes, não demora muito para o relacionamento acabar.
Pode parecer que tudo se resolveria se conseguíssemos eliminar os ciclos negativos e destrutivos,
permitindo que o relacionamento florescesse sem problemas, mas isso não é possível. As polaridades são
mutuamente interdependentes. Não podemos ter uma sem a outra. A positiva já contém dentro de si a negativa,
ainda não manifestada. Ambas são, na verdade, aspectos diferentes de um mesmo sistema defeituoso. Estou
tratando aqui dos chamados relacionamentos românticos, não do verdadeiro amor, que não possui opositores
porque nasce além da mente. O amor como um estado permanente ainda é raro de encontrar, tão raro quanto a
consciência nos seres humanos. Entretanto, é possível haver lampejos breves e ilusórios de amor, sempre que
existir um espaço no fluxo da mente.
O lado negativo de um relacionamento é mais facilmente reconhecido como um defeito ou anormalidade
do que o positivo. E é muito mais fácil reconhecer a fonte da negatividade no parceiro do que vê-la em nós
mesmos. Ela pode se manifestar de várias formas, tais como possessividade, ciúme, controle, ressentimento,
insensibilidade e egocentrismo, cobranças emocionais e manipulação, raiva e violência física, necessidade de ter
sempre razão, de discutir, criticar, julgar, culpar, agredir, irritar, ou se vingar, inconscientemente, de um
sofrimento do passado imposto por um dos pais.
Pelo lado positivo, há uma “paixão” pela outra pessoa. No primeiro momento, esse é um estado altamente
gratificante. Sentimos que estamos intensamente vivos. Nossa existência passa a ter um significado porque, de
repente, alguém precisa de nós, nos deseja, e nos faz sentir especial. Além disso, provocamos as mesmas
sensações no outro, o que faz com que os dois se sintam completos. O sentimento pode se tornar tão intenso que
o resto do mundo perde o significado.
Você deve ter percebido que existe uma certa dependência nessa intensidade. Ficamos viciados na outra
pessoa, que age sobre nós como uma droga. Quando a droga está disponível, nos sentimos muito bem. Mas a
possibilidade, ainda que remota, de que ela não esteja mais ali, disponível para nós, pode levar ao ciúme, à
possessividade, a tentativas de manipulação através de chantagem emocional, culpa ou acusações – o que, no
fundo, é o medo da perda. Se a outra pessoa nos abandonar mesmo, pode fazer nascer a mais intensa hostilidade,
ou um profundo desespero. Em segundos, a ternura amorosa pode dar lugar à agressão selvagem ou a um
desgosto terrível. Onde é que está o amor agora? Será que o amor pode se transformar no seu oposto em
segundos? Será que era amor de verdade ou um vício, uma dependência?
– 69 –
O vício e a busca da plenitude
Por que nos viciaríamos na outra pessoa?
O desejo de ter um relacionamento amoroso é universal porque as pessoas acreditam que a paixão, o
“amor”, pode libertá-las do medo, da necessidade e do vazio que fazem parte da condição humana em seu
estado de pecado e não iluminação. Existe uma dimensão física e outra psicológica para esse estado.
No nível físico, é obvio que não somos um todo, nem jamais seremos. Cada um de nós é homem ou
mulher, o que vale dizer, uma metade de um todo. Nesse nível, o desejo de ser completo, de retornar à unidade,
se manifesta através da atração entre homem e mulher. É um impulso quase irresistível de união com a
polaridade oposta de energia. A raiz desse impulso físico é espiritual, porque nele está o desejo ardente do fim
de uma dualidade, de um retorno ao estado de completude. A união sexual é o mais perto que podemos chegar
desse estado no nível físico. Essa é a razão pela qual ela é a experiência mais satisfatória que o reino físico pode
nos oferecer. Mas a união sexual não passa de um lampejo breve de plenitude, um instante abençoado. Enquanto
ela for inconscientemente vista como um meio de salvação, você a verá como o fim da dualidade no nível da
forma, um lugar onde ela não pode ser encontrada. Você teve um lampejo do paraíso, mas não pode ficar ali e se
percebe, de novo, em um corpo separado.
No nível psicológico, a sensação de falta, de não estar completo, é até maior do que no nível físico.
Enquanto houver uma identificação com a mente, o sentido do eu interior é dado pelas coisas externas. Isso
significa que você extrai o sentido de quem você é de coisas que não têm nada a ver com quem você realmente
é, como o seu papel na sociedade, suas propriedades, sua aparência externa, seus sucessos e fracassos, seus
sistemas de crenças, etc. Esse eu interior falso, o ego construído pela mente, sente-se vulnerável, inseguro e está
sempre em busca de coisas novas com as quais se identificar, para obter a sensação de que ele existe. Mas nada
é suficiente para lhe dar uma satisfação duradoura. O medo permanece. A sensação de falta e de necessidade
permanecem.
Então acontece aquele relacionamento especial. Parece ser a resposta para todos os problemas do ego,
parece preencher todas as nossas necessidades. Todas aquelas outras coisas das quais você tinha extraído o
sentido do eu interior se tornam relativamente insignificantes. Você agora tem um ponto focal que substitui
todos os outros, que dá sentido à sua vida e até define a sua identidade: a pessoa por quem você se “apaixonou”.
Você não é mais um fragmento isolado em um mundo insensível. Seu mundo agora tem um centro, a pessoa
amada. O fato de que o centro está fora de você – e, portanto, você ainda tem um sentido de eu interior derivado
das coisas externas – parece não importar muito num primeiro momento. O que importa é que aquelas sensações
de medo, falta, vazio e insatisfação não estão mais presentes. Ou será que estão? Será que elas desapareceram
ou continuam a existir por baixo da aparente felicidade?
Se em seus relacionamentos você vivenciou tanto o “amor” quanto o seu oposto, então é provável que
você esteja confundindo o apego do ego e a dependência com amor. Não se pode amar alguém em um momento
e atacar essa pessoa no momento seguinte. O verdadeiro amor não tem oposto. Se o seu “amor” tem oposto,
então não é amor, mas uma grande necessidade do ego de obter um sentido mais profundo e mais completo do
eu interior, uma necessidade que a outra pessoa preenche temporariamente. É uma forma de substituição que o
ego encontrou e, por um curto período, ela parece ser mesmo a salvação.
Chega então um momento em que o outro passa a se comportar de um modo que deixa de preencher as
nossas necessidades, ou melhor, as necessidades do nosso ego. As sensações de medo, sofrimento e falta, que
estavam encobertas pelo “relacionamento amoroso”, voltam a aparecer. Como acontece com qualquer vício,
ficamos muito bem enquanto a droga está disponível, mas chega um momento em que a droga não funciona
mais. Quando essas dolorosas sensações de medo reaparecem, nós as sentimos mais fortes do que antes e
passamos a ver o outro como a causa de todos essas sensações. Isso significa que estamos projetando no outro
essas sensações, por isso nós o agredimos com toda a violência que é parte do nosso sofrimento. Essa agressão
pode despertar o sofrimento do outro, que é induzido a contra-atacar. Nesse ponto, o ego ainda está,
inconscientemente, esperando que a agressão ou a tentativa de manipulação seja suficiente para levar o outro a
mudar o comportamento, de forma que possa usá-lo, de novo, para encobrir seu sofrimento.
Todo vício surge de uma recusa inconsciente de encararmos nossos próprios sofrimentos. Todo vício
começa no sofrimento e termina nele. Qualquer que seja o vício – álcool, comida, drogas legais ou ilegais, ou
mesmo uma pessoa – ele é um meio que usamos para encobrir o sofrimento. Essa é a razão por que, passada a
euforia inicial, existe tanta infelicidade, tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Eles não causam o
– 70 –
sofrimento e a infelicidade. Eles trazem à superfície o sofrimento e a infelicidade que já estão dentro de nós.
Todo vício faz isso.. Todo vício chega a um ponto em que já não funciona mais para nós e, então, sentimos o
sofrimento mais forte do que nunca.
Essa é uma razão pela qual muitas pessoas estão sempre tentando escapar do momento presente e
buscando algum tipo de salvação no futuro. A primeira coisa que devem encontrar, caso focalizem a atenção no
Agora, é o próprio sofrimento que carregam, e é isso o que mais temem. Se ao menos soubessem como, no
Agora, é fácil acessar o poder da presença que dissolve o passado e o sofrimento. Se ao menos soubessem como
estão perto da própria realidade, como estão perto de Deus.
Evitar se relacionar como uma tentativa de evitar o sofrimento também não é a resposta. O sofrimento
está lá, de qualquer jeito. Três relacionamentos infelizes em alguns anos têm mais probabilidades de forçar você
a acordar do que três anos em uma ilha deserta ou trancafiado em seu quarto. Mas, se você pudesse colocar uma
presença intensa em sua solidão, isso também funcionaria para você.
Transformando as relações viciadas em relações iluminadas
Podemos transformar um relacionamento viciado em um relacionamento verdadeiro?
Sim, se estivermos presentes e aumentarmos a nossa presença, concentrando a atenção cada vez mais
fundo no Agora. A chave do segredo será sempre essa, não importa se você está vivendo só ou com alguém.
Para o amor florescer, a luz da nossa presença tem de ser forte o bastante, de modo a impedir que o pensador ou
o sofrimento do corpo nos domine. Saber que cada um de nós é o Ser por baixo do pensador, a serenidade por
baixo do barulho mental, o amor e a alegria por baixo da dor, significa liberdade, salvação e iluminação. Pôr fim
à identificação com o sofrimento do corpo é trazer a presença para o sofrimento e, assim, transformá-lo. Pôr fim
à identificação com o pensamento é ser o observador silencioso dos próprios pensamentos e atitudes, em
especial dos padrões repetitivos gerados pela mente e dos papéis desempenhados pelo ego.
Se paramos de injetar “auto-suficiência” na mente, ela perde sua qualidade compulsiva, que é o impulso
para julgar e, desse modo, criar uma resistência ao que é, dando origem a conflitos, tragédias e novos
sofrimentos. Na verdade, no momento em que paramos de julgar, no instante em que aceitamos aquilo que é,
ficamos livres da mente e abrimos espaço para o amor, para a alegria e para a paz. Em primeiro lugar, paramos
de nos julgar, depois paramos de julgar o outro. O grande elemento catalisador para mudarmos um
relacionamento é a completa aceitação do outro do jeito que ele é, sem querermos julgar ou modificar nada. Isso
nos leva imediatamente para além do ego. Nesse momento, todos os jogos mentais e toda a dependência viciada
deixam de existir. Não existe mais vítima nem agressor, acusador nem acusado. Esse é também o fim da
dependência, de uma atração pelo padrão inconsciente do outro. Você, então, ou vai se afastar – com amor – ou
penetrar cada vez mais fundo no Agora junto com o outro. É simples assim.
O amor é um estado do Ser. Não está do lado de fora, está bem lá dentro de nós. Não temos como perdêlo
e ele não consegue nos deixar. Não depende de um outro corpo, de nenhuma forma externa. Na serenidade do
estado de presença, podemos sentir a nossa própria realidade sem forma e sem tempo, que é a vida não
manifesta que dá vitalidade à nossa forma física. Conseguimos, então, sentir essa mesma vida lá no fundo de
outro ser humano, de cada criatura. Conseguimos enxergar além do véu opaco da forma e da desunião. Essa é a
realização da unidade. Isso é amor.
O que é Deus? A eterna Vida Única debaixo de todas as formas de vida. a que é o amor? Sentir
profundamente a presença dessa Vida Única em nós e dentro de todas as criaturas. Portanto, todo amor é o amor
de Deus.
– 71 –
O amor não é seletivo, assim como a luz do sol não é seletiva. Não torna ninguém especial. Não é
exclusivo. A exclusividade não tem a ver com o amor de Deus, mas com o “amor” do ego. Entretanto, a
intensidade do amor pode variar. Pode haver uma pessoa que atue como um espelho do amor que você dirige a
ela e que o devolva de modo mais claro e mais intenso do que outras e, se essa pessoa sente o mesmo em relação
a você, pode-se dizer que as duas têm um relacionamento amoroso. O vínculo que liga as duas pessoas é o
mesmo vínculo que nos liga à pessoa sentada ao nosso lado no ônibus, ou a um pássaro, a uma árvore, a uma
flor. Só o que diferencia é o grau de intensidade com que o sentimos.
Mesmo em um relacionamento tido como viciado, podem existir momentos em que alguma coisa mais
real se destaca, algo além das necessidades doentias do casal. São momentos em que a sua mente e a do outro
cedem por um curto período e o sofrimento do corpo fica, temporariamente, adormecido. Isso pode acontecer
durante uma relação física mais intensa, ou quando o casal está presenciando o milagre do nascimento de uma
criança, ou na presença da morte, ou quando um dos dois está seriamente doente, ou qualquer coisa que faça a
mente perder a força. Nessas ocasiões, o Ser, normalmente escondido debaixo da mente, se revela e torna
possível o verdadeiro entendimento.
O verdadeiro entendimento é uma comunhão, a realização da unidade, que é o amor. Normalmente, esse
entendimento desaparece rapidamente. Tão logo a mente e a identificação da mente reaparecem, deixamos de
ser quem somos e voltamos a brincar e a representar para satisfazer as necessidades do ego. Voltamos, de novo,
a ser uma mente humana, fingindo ser um ser humano, interagindo com outra mente, representando um drama
chamado “amor”.
Embora possa haver curtos lampejos, o amor não consegue florescer, a menos que estejamos
permanentemente livres da identificação com a mente e que a presença seja bastante intensa para dissolver o
sofrimento do corpo. Assim, o sofrimento não consegue nos dominar e destruir o amor.
Relacionamentos como prática espiritual
Quando a mente e todas as estruturas sociais, políticas e econômicas que ela criou entram no estágio final
de colapso, os relacionamentos entre homens e mulheres refletem o profundo estado de crise no qual a
humanidade se encontra atualmente. Como os seres humanos têm se identificado cada vez mais com a mente, a
maioria dos relacionamentos não tem as raízes fincadas no Ser. Por isso, se transformam em fonte de sofrimento
e passam a ser dominados por problemas e conflitos.
Nos dias de hoje, milhões de pessoas vivem sós ou criam os filhos sozinhas, por se sentirem incapazes de
estabelecer um relacionamento íntimo ou por não desejarem repetir os dramas doentios de relações anteriores.
Outras passam de um relacionamento para outro, de um ciclo de prazer-e-dor para outro, em busca de uma
satisfação ilusória, através da união com a polaridade de energia oposta. Outras continuam a viver juntas em um
relacionamento em que prevalece a negatividade, em nome dos filhos ou da segurança, pela força do hábito, por
medo de ficarem sós, por algum outro acordo “vantajoso” para o casal, ou até mesmo pelo vício inconsciente da
excitação provocada pelo sofrimento ou drama emocional.
Porém, toda crise representa não só perigo, mas também oportunidade. Se os relacionamentos energizam
e elevam os padrões da mente egóica e ativam o sofrimento do corpo, como está acontecendo agora, por que não
aceitar esse fato em vez de tentar escapar dele? Por que não cooperar com ele em vez de evitar relacionamentos
ou continuar a perseguir a ilusão de uma companhia ideal, como uma resposta para os problemas ou um meio de
encontrar satisfação? A oportunidade escondida dentro de cada crise não se manifesta, até que sejam conhecidos
e aceitos todos os fatos, de qualquer tipo, relacionados a uma situação. Enquanto você negá-los, tentar fugir
deles ou desejar que as coisas sejam diferentes, a janela da oportunidade não se abre, e você permanece preso
àquela situação, que vai continuar a mesma ou vai se deteriorar mais adiante.
O conhecimento e a aceitação dos fatos trazem também um certo grau de distanciamento deles. Por
exemplo, quando você sabe que existe desarmonia e retém esse “saber”, significa que surgiu um novo fator
através do seu saber e que a desarmonia não poderá se manter inalterada. Quando você sabe que não está em
paz, o seu saber cria um espaço de serenidade que envolve a falta de paz em um abraço terno e amoroso, e então
transforma a falta de paz em paz. No que se refere à transformação interior, não há nada que você possa fazer a
respeito. Você não pode transformar a si mesmo, e é claro que não pode transformar seu companheiro ou
– 72 –
qualquer pessoa. Tudo que você pode fazer é criar um espaço para a transformação acontecer, para a graça e o
amor penetrarem.
Portanto, sempre que o seu relacionamento não estiver bom, sempre que fizer aflorar a “loucura” em você
e em seu parceiro, fique feliz. O que estava inconsciente está vindo à luz. É uma chance de salvação. Sustente, a
cada instante, o saber de cada momento, em especial o do seu estado interior. Se houver raiva, saiba que é raiva.
Se houver ciúme, defesa, um impulso para discutir, uma necessidade de ter sempre razão, uma criança interior
reclamando amor e atenção, ou um sofrimento emocional de qualquer tipo, seja o que for, saiba a realidade do
momento e sustente esse conhecimento. O relacionamento passa a ser o seu sadhana, a sua prática espiritual. Se
você notar um comportamento inconsciente no parceiro, prenda-o no abraço amoroso do seu saber, de modo que
você não tenha uma reação. A inconsciência e o conhecimento não conseguem conviver por muito tempo,
mesmo que o conhecimento esteja só com uma pessoa e a outra não tenha consciência do que está fazendo. A
forma de energia que existe por trás da agressão e da hostilidade acha a presença do amor absolutamente
insuportável. Se você reage à inconsciência do seu parceiro, você também fica inconsciente. Mas se você ficar
alerta à sua reação, nada está perdido.
A humanidade está sob uma grande pressão para se desenvolver, porque é a sua única chance de
sobreviver como raça. Isso vai afetar cada aspecto da nossa vida e de nossos relacionamentos. Nunca antes os
relacionamentos foram tão problemáticos e oprimidos por conflitos como hoje em dia. Você deve ter notado que
eles não aparecem para nos fazer felizes ou satisfeitos. Se você continuar buscando um relacionamento como
forma de salvação, vai se desiludir cada vez mais. Mas, se você aceitar que o relacionamento está aqui para
tornar você consciente em lugar de feliz, então o relacionamento vai lhe oferecer a salvação e você estará se
alinhando com a mais alta consciência que quer nascer neste mundo. Para os que se mantiverem apegados aos
padrões antigos, haverá cada vez mais sofrimento, violência, confusão e loucura.
Suponho que sejam necessárias duas pessoas para transformar um relacionamento em uma prática
espiritual, conforme você sugeriu. O meu parceiro, por exemplo, continua com suas antigas atitudes de ciúme e
controle. Já chamei a atenção para isso inúmeras vezes, mas ele é incapaz de perceber.
Quantas pessoas são necessárias para transformar a sua vida em uma prática espiritual? Não se incomode
caso o parceiro não queira cooperar. É através de você que a sanidade, ou seja, a consciência, consegue chegar a
este mundo. Você não tem de esperar o mundo se curar, ou alguém se tornar consciente, antes de poder alcançar
a iluminação. Pode ter de esperar para sempre. Não acuse o outro de não ter consciência. No momento em que a
discussão começar, é sinal de que você passou a se identificar com uma posição mental e a defender não só
aquela posição, mas também o seu sentido do eu interior. O ego está no comando. Você acabou de ficar
inconsciente. Às vezes, isso pode servir para apontar certos aspectos do comportamento do parceiro. Se você
estiver muito alerta, muito presente, pode agir sem o envolvimento do ego: sem culpar, acusar, ou fazer o outro
se sentir errado.
Se o outro se comportar de modo inconsciente, abandone qualquer julgamento. O julgamento tanto serve
para as pessoas confundirem o comportamento inconsciente com quem elas são de verdade quanto para projetar
a própria inconsciência sobre a outra pessoa e se enganar por causa disso sobre quem elas são. Abandonar
qualquer julgamento não significa não reconhecer a disfunção e a inconsciência quando se deparar com ela.
Significa “ser o saber”, e não “ser a reação” e o juiz. Você não vai nem querer reagir ou poderá reagir e ainda
assim ser o saber, o espaço no qual a reação é observada e onde ela se permite existir. Em vez de brigar com o
escuro, você traz a luz. Em vez de reagir a uma desilusão, você vê a desilusão, mas, ao mesmo tempo, enxerga
através dela. Ser o saber cria um espaço nítido de presença amorosa que permite a todas as coisas e pessoas
serem como são. Não existe maior catalisador para que a transformação aconteça. Se você adotar essa prática, o
outro não conseguirá ficar com você e permanecer inconsciente.
Se os dois concordarem em fazer do relacionamento uma prática espiritual do casal, tanto melhor. Podem
contar ao outro os pensamentos e sentimentos tão logo apareçam, ou assim que uma reação desponte, de forma
que não haja tempo para surgir um espaço em que uma emoção não dita, ou desconhecida, ou uma queixa,
– 73 –
possam se agravar e se desenvolver. Aprenda a expressar os seus sentimentos sem culpar ninguém. Aprenda a
ouvir o parceiro de um modo aberto, sem reservas. Dê ao parceiro espaço para se expressar. Esteja presente.
Acusar, defender, atacar – todos esses padrões destinados a fortalecer ou proteger o ego ou a atender às
necessidades dele irão se tornar supérfluos. Dar espaço aos outros – e a si mesmo – é fundamental. O amor não
consegue florescer sem isso. Quando você tiver removido os dois fatores que destroem os relacionamentos e o
seu parceiro tiver feito o mesmo, vocês vão sentir a alegria do desabrochar do relacionamento. Em vez de
refletir o sofrimento e a inconsciência, em vez de satisfazer as necessidades mútuas viciadas do ego, vocês vão
refletir para o outro o amor que sentem lá no fundo, que surge com a realização da unidade de cada ser com tudo
o que existe. Esse é o amor que não tem opositores.
Se o seu parceiro continua identificado com a mente e com o sofrimento, mas você já se libertou deles,
vai ser um grande desafio. Não para você, mas sim para ele. Não é fácil conviver com uma pessoa iluminada, ou
melhor, é tão fácil que o ego acha extremamente ameaçador. Lembre-se de que o ego precisa de problemas,
disputas e “inimigos” para fortalecer o sentido de separação de onde tira a sua identidade. A mente do parceiro
não iluminado ficará profundamente frustrada porque não encontrará resistência às suas posições rígidas, o que
significa que ela vai se tornar insegura e enfraquecida, além do “perigo” de essas posições desabarem todas
juntas, resultando na perda do eu interior. O sofrimento do corpo pedirá uma resposta, mas não irá obtê-la. Sua
necessidade de discussões, dramas e disputas não será atendida. Mas atenção: algumas pessoas que são
fechadas, retraídas, insensíveis, ou distanciadas dos sentimentos podem imaginar que são iluminadas e tentar
convencer os outros disso. Elas podem sustentar que não existe “nada errado” com elas e que o erro está no
parceiro. Os homens têm mais tendência a agir assim do que as mulheres. Talvez vejam suas mulheres como
irracionais ou emocionais. Mas, se você consegue sentir suas emoções, não está muito distante do radiante eu
interior que está logo ali sob elas. Se você age mais com a cabeça, a distância é muito maior e você vai precisar
colocar emoção no corpo antes de poder alcançar o corpo interior.
Se não houver uma emanação de amor e de alegria, uma presença completa e uma abertura na direção de
todos os seres, então não é iluminação. Outro fator indicativo é o modo da pessoa se comportar em situações
difíceis ou desafiadoras, ou quando as “coisas vão mal”. Se a sua “iluminação” é uma ilusão egóica do eu
interior, a vida logo vai lhe aprontar um desafio, que fará aflorar a inconsciência sob qualquer forma – medo,
raiva, defesa, julgamento, depressão, etc. Se você estiver em um relacionamento, muitos desses desafios vão se
manifestar através do seu parceiro. Por exemplo, uma mulher pode ser desafiada por um homem indiferente, que
vive quase exclusivamente em seu próprio mundo. O desafio está na inabilidade dele em ouvi-Ia, em não dar a
ela atenção e espaço para ser alguém, decorrente da falta de presença dele. A ausência de amor no
relacionamento, que normalmente é mais percebida pela mulher do que pelo homem, vai desencadear o
sofrimento na mulher. Através dele, ela vai atacar o parceiro: culpando-o, criticando-o, atribuindo-lhe o erro,
etc. Agora, o desafio passou a ser dele. Para se defender contra a agressão desencadeada pelo sofrimento dela,
que considera totalmente sem razão, ele vai se aferrar, cada vez mais, às suas posições mentais, enquanto se
justifica, se defende ou contra-ataca. Isso, no fim, pode até mesmo vir a ativar o sofrimento dele. Quando as
duas partes foram dominadas, é sinal que atingiram um nível de profunda inconsciência. Isso não vai ceder até
que as duas partes tenham se abastecido de muito sofrimento e entrado então no estágio de calmaria. Até que
tudo volte a acontecer.
Cada desafio como o que descrevi acima contém uma oportunidade disfarçada para atingirmos a salvação.
Por exemplo, a hostilidade da mulher pode se tornar um sinal para o homem sair do seu estado identificado com
a mente, despertar no Agora, estar presente – em vez de ficar cada vez mais inconsciente. Em vez de “ser” o
sofrimento, a mulher poderia ser o saber que observa o sofrimento emocional em si mesma, acessar o poder do
Agora e iniciar a transformação do sofrimento. Isso iria evitar a projeção compulsiva e automática do
sofrimento para o mundo exterior. Poderia expressar seus sentimentos para o seu parceiro. Naturalmente, não há
uma garantia de que ele vá escutar, mas é uma boa oportunidade para ele se tornar presente e quebrar o ciclo
doentio de uma representação involuntária de seus velhos padrões mentais. Se a mulher perder essa
oportunidade, o homem poderá observar a sua própria reação emocional e mental ao sofrimento dela, a maneira
como ele se coloca na defensiva, em vez de ser a reação. Poderá então identificar o momento em que começa o
seu próprio sofrimento e trazer consciência às suas emoções. Assim, um espaço de consciência pura, claro e
sereno, passaria existir – o saber, a testemunha silenciosa, o observador. Essa consciência não nega o sofrimento
e, mais que isso, está além dele. Permite que o sofrimento aconteça, ao mesmo tempo que o transforma. Ela tudo
aceita e tudo transforma. A mulher poderia facilmente se juntar a ele nesse espaço, através da porta que acabou
de ser aberta.
– 74 –
Por que as mulheres estão mais próximas da iluminação
Os obstáculos para a iluminação são os mesmos para homens e mulheres?
São, mas com uma ênfase diferente. De uma maneira geral, é mais fácil para uma mulher sentir e estar em
seu corpo, e, portanto, ela é naturalmente mais próxima do Ser e potencialmente mais próxima da iluminação do
que o homem. Essa é a razão pela qual muitas culturas antigas instintivamente escolhiam figuras ou analogias
femininas para representar ou descrever a realidade transcendental e sem forma. Eram vistas como o ventre que
dá à luz a todas as coisas, as sustenta e as alimenta durante a vida como forma. No Tao Te Ching, um dos livros
mais antigos e profundos escrito em todos os tempos, o Tao, que pode ser traduzido como o Ser, é descrito
como “infinito, eternamente presente, a mãe do universo”. Naturalmente, as mulheres estão mais próximas dele
do que os homens porque elas “corporificam” o Não Manifesto. Além disso, todas as criaturas e todas as coisas,
no final, voltam à Fonte. “Todas as coisas se desfazem no Tao. Só ele permanece”. Como a fonte é vista como
feminina, ela é representada na psicologia e na mitologia como os lados claro e escuro do arquétipo feminino. A
Deusa ou Mãe Divina tem dois aspectos: dá e tira a vida.
Quando a mente tomou o poder e os seres humanos perderam contato com a realidade da essência divina,
eles começaram a pensar sobre Deus como uma figura masculina. A sociedade passou a ser dominada pelos
homens, e as mulheres foram subordinadas a eles.
Não estou sugerindo um retorno às primeiras representações femininas da divindade. Muitas pessoas
empregam atualmente a palavra Deusa em vez de Deus. Estão dando uma nova roupagem ao equilíbrio entre
homem e mulher, perdido há muito tempo, e isso é bom. Porém, ainda é uma representação e um conceito,
talvez com alguma utilidade temporária, assim como um mapa ou um sinal é útil por um tempo, embora
funcione mais como um impedimento do que como uma ajuda, quando alguém está pronto para perceber a
realidade existente além de todos os conceitos e imagens. O que permanece mesmo verdade, entretanto, é que a
freqüência de energia da mente parece ser essencialmente masculina. A mente resiste, briga pelo controle, usa,
manipula, agride, tenta se apoderar e possuir, etc. Essa é a razão pela qual o Deus tradicional é uma figura
patriarcal, uma autoridade controladora, um homem sempre furioso, que devemos temer, como sugere o Velho
Testamento. Esse Deus é uma projeção da mente humana.
Para irmos além da mente e nos religarmos à profunda realidade do Ser, são necessárias qualidades muito
diferentes: entrega, não julgamento, uma abertura que permita a vida existir em vez de resistir, a capacidade de
sustentar todas as coisas no amoroso abraço do saber. Todas essas qualidades têm muito mais a ver com o
princípio feminino. Onde a energia da mente é pesada e rígida, a energia do Ser é leve e macia, mas ainda assim
é muito mais poderosa do que a mente. A mente governa a nossa civilização, enquanto o Ser é o encarregado de
todas as formas de vida em nosso planeta e além dele. O Ser é a própria Inteligência cuja manifestação visível é
o universo físico. Embora as mulheres estejam potencialmente mais próximas dele, os homens também
conseguem ter acesso a ele, dentro de si mesmos.
Neste momento, a imensa maioria dos homens e das mulheres ainda está sob o domínio da mente. É ela
que impede a iluminação e o florescimento do amor. Como regra geral, o maior obstáculo para os homens tende
a ser a mente pensante, enquanto o maior obstáculo para as mulheres é o sofrimento, embora em casos isolados
o oposto possa ser verdade, e em outros os dois fatores possam ter o mesmo peso.
Dissolvendo o sofrimento coletivo feminino
Por que o sofrimento é um obstáculo maior para as mulheres?
O sofrimento, em geral, tem um aspecto coletivo e um individual. O aspecto pessoal é o resíduo
acumulado de problemas e sofrimentos emocionais que a própria pessoa vivenciou no passado. O aspecto
coletivo é o sofrimento acumulado na psique da humanidade por milhares de anos, através de doenças, torturas,
guerras, assassinatos, crueldades, loucuras, etc. O sofrimento de cada um de nós também participa desse
sofrimento coletivo. Por exemplo, certas raças ou países, onde ocorrem formas extremas de lutas e de violência,
possuem um sofrimento coletivo mais intenso do que outros. Qualquer pessoa com um forte sofrimento e sem
– 75 –
consciência bastante para se desligar dele não só será forçada, de modo contínuo ou periódico, a reviver o
sofrimento emocional, mas também pode facilmente se tornar autor ou vítima da violência. Por outro lado, essas
pessoas também podem estar potencialmente mais próximas da iluminação. Claro que esse potencial nem
sempre se realiza, mas, se você tiver um pesadelo, provavelmente terá mais motivos para despertar do que
alguém que acabou de ter um sonho comum sobre as dificuldades da vida.
Além do sofrimento pessoal, cada mulher tem participação naquilo que pode ser descrito como o
sofrimento feminino coletivo, a menos que ela esteja plenamente consciente. Consiste no sofrimento acumulado
vivido por cada mulher, em parte pela dominação dos homens sobre as mulheres, pela escravidão, exploração,
estupro, partos, perda dos filhos, etc., durante milhares de anos. O sofrimento físico e emocional, que para
muitas mulheres precede e coincide com o fluxo menstrual, é o sofrimento em seu aspecto coletivo despertando
da sua dormência naquele momento, embora possa ser detonado também em outras ocasiões. Ele restringe o
livre fluxo de energia vital através do corpo, da qual a menstruação é uma manifestação física. Vamos nos deter
um pouco nesse assunto e ver como pode se tornar uma oportunidade para a iluminação.
Com freqüência, a mulher é “dominada” pelo sofrimento físico e emocional nesse período. Ele tem uma
carga energética poderosa, que pode facilmente empurrá-la para uma identificação inconsciente com ele. Você
é, então, possuída por um campo de energia que ocupa o seu espaço interior e finge ser você – mas não é você
de jeito nenhum. Ele fala através de você, age através de você, pensa através de você. Vai criar situações
negativas em sua vida de tal modo que ele possa se alimentar da energia. Já descrevi esse processo. Ele pode ser
vicioso e destrutivo. É o sofrimento puro, o sofrimento do passado, e não é você.
O número de mulheres que estão se aproximando do estado de consciência plena já ultrapassa o dos
homens e vai crescer ainda mais rápido nos próximos anos. Os homens poderão alcançá-las no final, mas por
um tempo considerável haverá uma distância entre a consciência masculina e a feminina. As mulheres estão
recuperando a função que é um direito natural delas: ser uma ponte entre o mundo manifesto e o Não Manifesto,
entre a materialidade e o espírito. A sua tarefa principal agora, como mulher, é transformar o sofrimento de
forma que ele não mais se interponha entre você e o seu verdadeiro eu interior. Naturalmente, você também tem
de lidar com o outro obstáculo à iluminação, que é a mente pensante, mas a presença intensa que você produz
quando lida com o sofrimento também vai libertá-la da identificação com a mente.
A primeira coisa para lembrar é que, enquanto você construir a sua identidade em função do sofrimento,
não conseguirá se livrar dele. Enquanto investir uma parte do seu sentido de eu interior no seu sofrimento
emocional, você vai resistir ou sabotar, inconscientemente, cada tentativa para curar o sofrimento. Por quê?
Porque você quer se manter inteiro e o sofrimento se tornou uma parte essencial de você. Esse é um processo
inconsciente e o único caminho para superá-lo é torná-lo consciente.
Perceber, de repente, que você está ou tem estado presa ao sofrimento pode lhe causar um choque. No
momento em que percebe isso, você acabou de romper com a ligação. O sofrimento é um campo de energia,
quase como uma entidade que se alojou temporariamente no seu espaço interior. É a energia da vida que foi
aprisionada, uma energia que não está mais fluindo. Claro que o sofrimento está ali por causa de certas coisas
que aconteceram no passado. Ele é o passado vivo em você. E, se você se identifica com ele, se identifica com o
passado. Uma identidade-vítima acredita que o passado é mais poderoso do que o presente, o que não é verdade.
É a crença de que outras pessoas e o que fizeram a você são responsáveis pelo que você é hoje, pelo seu
sofrimento emocional, ou por sua incapacidade de ser o verdadeiro eu interior. A verdade é que o único poder
está bem aqui neste momento: o poder da sua presença. Uma vez que saiba disso, perceberá também que só você
é responsável pelo seu espaço interior neste momento e que o passado não consegue prevalecer contra o poder
do Agora.
Portanto, a identificação impede você de lidar com o sofrimento. Algumas mulheres, conscientes o
bastante para abandonar a identidade de vítima no nível pessoal, ainda estão presas a uma identidade coletiva de
vítima, que atribuem ao que “os homens fizeram às mulheres”. Elas estão certas, mas também estão erradas.
Estão certas porque o sofrimento coletivo feminino é, em grande parte, decorrente da violência masculina
infligida às mulheres, bem como da repressão dos princípios femininos por todo o planeta, durante milênios.
Estão erradas se extraírem o sentido do eu interior desse fato e, assim, se mantiverem aprisionadas em uma
identidade coletiva de vítima. Se uma mulher continua agarrada à raiva, a ressentimentos ou condenações, ela
– 76 –
continua agarrada ao seu sofrimento. Isso pode dar a ela um reconfortante sentido de identidade, de
solidariedade com outras mulheres, mas a mantém escravizada ao passado e bloqueia um acesso integral à sua
essência e ao poder verdadeiro. Se as mulheres se afastam dos homens, favorecem um sentido de separação e,
portanto, um fortalecimento do ego. E quanto mais forte o ego, mais distante você está da sua verdadeira
natureza.
Assim, não use o sofrimento para criar uma identidade. Use-o, em vez disso, para a iluminação.
Transforme-o em consciência. Uma das melhores épocas para fazer isso é durante a menstruação. Acredito que,
nos próximos anos, muitas mulheres irão atingir o estado de consciência plena durante esse período.
Normalmente, esse é um tempo de inconsciência para muitas mulheres, porque são dominadas pelo sofrimento
coletivo feminino. Entretanto, você pode reverter isso uma vez que tenha alcançado um determinado nível de
consciência, e assim, em vez de se tornar inconsciente, você fica mais consciente. Já descrevi antes esse
processo básico, mas vou apresentá-lo de novo, desta vez com uma referência especial ao sofrimento coletivo
feminino.
Quando você percebe que o período menstrual está se aproximando, antes mesmo de sentir os primeiros
sinais do que é comumente chamada tensão pré-menstrual, o despertar do sofrimento coletivo feminino,
mantenha-se muito alerta e ocupe o seu corpo o mais que puder. Quando o primeiro sinal aparecer, você vai
precisar estar bastante alerta para agarrá-lo, antes que ele domine você. Por exemplo, o primeiro sinal pode ser
uma grande e súbita irritação ou um lampejo de raiva, ou simplesmente um sintoma físico. Seja lá o que for,
agarre-o antes que ele domine o seu pensamento ou comportamento. Isso significa simplesmente colocar o foco
da sua atenção sobre ele. Saber que se trata do sofrimento e, ao mesmo tempo, ser o conhecedor, o que significa
perceber a sua presença consciente e sentir o seu poder. Qualquer emoção cede e se transforma quando
colocamos a presença sobre ela. Se for um simples sintoma físico, a atenção que você der a ela vai evitar que se
transforme em uma emoção ou em um pensamento. Continue então alerta e espere pelo próximo sinal de
sofrimento. Quando ele aparecer, agarre-o de novo, do mesmo jeito que antes.
Mais tarde, quando o sofrimento tiver despertado totalmente do seu estado de dormência, você poderá
vivenciar uma considerável turbulência em seu espaço interior por uns momentos, talvez até por alguns dias.
Qualquer que seja a forma que ele tome, esteja presente. Dê a ele sua atenção completa. Observe a turbulência
dentro de você. Perceba que ela está lá. Sustente o conhecimento e seja o conhecedor. Lembre-se: não permita
que o sofrimento use a sua mente e domine o seu pensamento. Observe-o. Sinta a energia de modo direto, dentro
do seu corpo. Como você já sabe, a atenção completa significa aceitação completa.
Através de uma atenção continuada e, portanto, da aceitação, vem a transformação. O sofrimento se
transforma em uma consciência radiante, assim como um pedaço de lenha colocado dentro do fogo se
transforma em fogo. A menstruação irá então se tornar, não só uma expressão de alegria e realização da sua
feminilidade, mas também um tempo sagrado de transformação, quando você faz nascer uma nova consciência.
A sua verdadeira natureza então reluz lá fora, tanto em seu aspecto feminino como a Deusa quanto em seu
aspecto transcendental do Ser que ultrapassa a dualidade masculino/feminino.
Se o seu parceiro for consciente, pode ajudar você a praticar o que acabei de descrever, sustentando a
freqüência da intensa presença, nessa hora em especial. Se ele permanecer presente, sempre que você voltar a se
identificar inconscientemente com o sofrimento, o que pode e vai acontecer a princípio, você será capaz de se
juntar rapidamente a ele no estado de presença. Isso significa que sempre que o sofrimento dominar você, seja
durante a menstruação ou em outras ocasiões, o seu parceiro não vai confundi-lo com quem você é. Mesmo que
o sofrimento o ataque, como provavelmente acontecerá, ele não vai reagir como se fosse você, ou se retirar ou
apresentar algum tipo de defesa. Ele vai sustentar o espaço da presença intensa. Nada mais é necessário para a
transformação. Em outras vezes, você será capaz de fazer o mesmo por ele ou de ajudá-lo a recuperar a
consciência, retirando-a da mente ao desviar a atenção para o aqui e agora, quando ele ficar identificado com o
pensamento.
Assim, um campo permanente de energia de alta freqüência vai aparecer entre vocês. Nenhuma ilusão,
sofrimento, disputa, nada que não seja vocês, nada que não seja amor pode sobreviver dentro dele. Isso significa
a realização do divino, o propósito transpessoal do seu relacionamento.
Desistindo do relacionamento consigo mesmo
– 77 –
Quando alguém está plenamente consciente, será que tem necessidade de um relacionamento? Um
homem ainda se sentirá atraído por uma mulher? Uma mulher se sentirá incompleta sem um homem?
Iluminado ou não, no nível da sua identidade com a forma, você não está completo. Você é a metade do
todo. E isso é percebido como a atração homem-mulher, o movimento em direção à polaridade oposta de
energia, não importa qual seja o seu nível de consciência. Mas, nesse estado de conexão interior, você percebe
essa atração em algum lugar sobre a superfície ou na periferia da sua vida. O universo inteiro parece as ondas e
marolas sobre a superfície de um oceano imenso e profundo. Você é esse oceano e, naturalmente, também é a
marola, mas uma marola que percebeu a sua verdadeira identidade como oceano e sabe que, em comparação a
essa vastidão e profundidade, o mundo das ondas e marolas não é assim tão importante.
Isso não significa que você não se relaciona profundamente com outras pessoas ou com o seu parceiro.
Na verdade, você só consegue se relacionar se tiver consciência do Ser. Partindo do Ser, você é capaz de
enxergar além do véu da forma. No Ser, homem e mulher são uma unidade. A sua forma pode continuar a ter
algumas necessidades, mas o Ser não tem nenhuma. Já está completo e inteiro. Se essas necessidades forem
preenchidas, será ótimo, mas não faz diferença para o seu estado interior mais profundo. Portanto, caso a
necessidade de uma polaridade masculina ou feminina não seja preenchida, é perfeitamente possível para uma
pessoa iluminada perceber que falta alguma coisa no nível externo e, ao mesmo tempo, sentir-se totalmente
completa e satisfeita no nível interno.
Na busca da iluminação, ser homossexual serve de vantagem, de obstáculo, ou não faz qualquer
diferença?
Ao se aproximar da idade adulta, a incerteza da sexualidade seguida da percepção de que você é
“diferente” dos outros pode forçar uma desidentificação dos padrões socialmente condicionados de pensamento
e comportamento. Isso vai elevar, automaticamente, o seu nível de consciência sobre a inconsciência
predominante, onde as pessoas inquestionavelmente carregam todos os padrões herdados. Nesse sentido, ser
homossexual pode ser uma vantagem. Até certo ponto, ser um estranho, alguém que não se “enquadra” com os
outros, ou é rejeitado por eles por qualquer razão, torna a vida difícil, mas também traz uma vantagem com
relação à iluminação. Ela tira você da inconsciência quase que à força.
Por outro lado, se você desenvolve um sentido de identidade baseado na sua homossexualidade, escapa de
uma armadilha para cair em outra. Você vai desempenhar papéis e jogos ditados pela imagem mental que você
tem de si mesmo como homossexual. Vai se tornar inconsciente. Vai virar uma falsidade. Debaixo da sua
máscara do ego, vai estar muito infeliz. Se isso acontece com você, ser homossexual virou um obstáculo. Mas
sempre existe uma nova oportunidade. Uma infelicidade aguda pode ser um grande elemento despertador.
É verdade que cada um de nós precisa ter um bom relacionamento consigo mesmo antes de se relacionar
com outra pessoa?
Se você não consegue ficar à vontade consigo mesmo, vai procurar um relacionamento para encobrir o
seu desconforto. Só que esse desconforto vai reaparecer de alguma outra forma no relacionamento, e você,
provavelmente, atribuirá a responsabilidade ao seu parceiro. Tudo o que você precisa fazer é aceitar este
momento plenamente. Você estará então à vontade no aqui e agora e à vontade consigo mesmo.
Mas será que você precisa ter um relacionamento com você mesmo? Por que não ser apenas você?
Quando se relaciona com você mesmo, já se dividiu em dois: “eu” e “eu mesmo”, sujeito e objeto. Essa
dualidade criada pela mente é a raiz de toda complexidade desnecessária, de todos os problemas e conflitos em
sua vida. No estado de iluminação, você é você mesmo – “você” e “você mesmo” se fundem em um só. Você
não se julga, não sente pena de si, não se orgulha de si, não se ama, não se odeia, etc. A divisão provocada pela
consciência está curada, sua maldição removida. Não existe um “você mesmo” que seja preciso proteger,
defender ou alimentar. Quando você está iluminado, não tem mais um relacionamento consigo mesmo. Uma vez
que tenha aberto mão disso, todos os seus outros relacionamentos serão de amor.