sexta-feira, 31 de julho de 2009

capítulo um - Você não é a sua mente

O maior obstáculo para a iluminação

Iluminação – o que é isso?
Por mais de trinta anos um mendigo ficou sentado no mesmo lugar, debaixo de uma marquise. Até que
um dia, uma conversa com um estranho mudou sua vida:
– Tem um trocadinho aí pra mim, moço? – murmurou, estendendo mecanicamente seu velho boné.
– Não, não tenho – disse o estranho. – O que tem nesse baú debaixo de você?
– Nada, isso aqui é só uma caixa velha. Já nem sei há quanto tempo sento em cima dela.
– Nunca olhou o que tem dentro? – perguntou o estranho.
– Não – respondeu. – Para quê? Não tem nada aqui, não!
– Dá uma olhada dentro – insistiu o estranho, antes de ir embora.
– O mendigo resolveu abrir a caixa. Teve que fazer força para levantar a tampa e mal conseguiu acreditar
ao ver que o velho caixote estava cheio de ouro.
Eu sou o estranho sem nada para dar, que está lhe dizendo para olhar para dentro. Não de uma caixa, mas
sim de você mesmo. Imagino que você esteja pensando indignado: “Mas eu não sou, um mendigo!”
Infelizmente, todos que ainda não encontraram a verdadeira riqueza – a radiante alegria do Ser e uma paz:
inabalável – são mendigos, mesmo que possuam bens e riqueza material. Buscam, do lado de fora, migalhas de
prazer, aprovação, segurança ou amor, embora tenham um tesouro guardado dentro de si, que não só contém
tudo isso, como é infinitamente maior do que qualquer coisa oferecida pelo mundo.
A palavra iluminação transmite a idéia de uma conquista sobre-humana – e isso agrada ao ego –, mas é
simplesmente o estado natural de sentir-se em unidade com o Ser. É um estado de conexão com algo
imensurável e indestrutível. Pode parecer um paradoxo, mas esse “algo” é essencialmente você e, ao mesmo
tempo, é muito maior do que você. A iluminação consiste em encontrar a verdadeira natureza por trás do nome e
da forma. A incapacidade de sentir essa conexão dá origem a uma ilusão de separação, tanto de você mesmo
quanto do mundo ao redor. Quando você se percebe, consciente ou inconscientemente, como um fragmento
isolado, o medo e os conflitos internos e externos tomam conta da sua vida.
Adoro a definição simples de Buda para a iluminação: “É o fim do sofrimento”. Não há nada de sobrehumano
nisso, não é mesmo? Claro que não é uma definição completa. Ela apenas nos diz o que a iluminação
não é: não é sofrimento. Mas o que resta quando não há mais sofrimento? Buda silencia a respeito, e esse
silêncio implica que teremos de encontrar a resposta por nós mesmos. Como ele emprega uma definição
negativa, a mente não consegue entendê-la como uma crença, ou como uma conquista sobre-humana, um
objetivo difícil de alcançar. Apesar disso, a maioria dos budistas ainda acredita que a iluminação é algo apenas
para Buda e não para eles próprios, pelo menos, não nesta vida.
Você usou a palavra Ser, Pode explicar o que quer dizer com isso?
Ser é a eterna e sempre presente Vida Única, que existe além das inúmeras formas de vida sujeitas ao
nascimento e à morte. Entretanto, o Ser não está apenas além, mas também dentro de todas as formas, como a
mais profunda, invisível e indestrutível essência interior. Isso significa que ele está ao seu alcance agora, sob a
forma de um eu interior mais profundo, que é a verdadeira natureza dentro de você. Mas não procure apreendê-
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lo com a mente. Não tente entendê-lo. Só é possível conhecê-lo quando a mente está serena. Se estiver alerta,
com toda a sua atenção voltada para o Agora, você até poderá sentir o Ser, mas jamais conseguirá compreendêlo
mentalmente. Recuperar a consciência do Ser e submeter-se a esse estado de “percepção dos sentidos” é o
que se chama iluminação.
Quando você diz Ser, está falando sobre Deus? Se estiver, por que não diz expressamente?
A palavra Deus tornou-se vazia de significado ao longo de milhares de anos de utilização imprópria.
Emprego-a ocasionalmente, mas com moderação. Considero imprópria a sua utilização por pessoas que jamais
tiveram a menor idéia do reino do sagrado, da infinita imensidão contida nessa palavra, mas que a usam com
grande convicção, como se soubessem do que estão falando. Existem ainda aqueles que questionam o termo,
como se soubessem o que estão discutindo. Esse uso indevido dá origem a crenças, afirmações e delírios
absurdos, tais como “o meu ou o nosso Deus é o único Deus verdadeiro, o seu Deus é falso”, ou a famosa frase
de Nietzsche, “Deus está morto”.
A palavra Deus se tornou um conceito fechado. Quando a pronunciamos, criamos uma imagem mental,
talvez não mais a de um velhinho de barba branca, mas ainda uma representação mental de alguém ou de algo
externo a nós e, quase inevitavelmente, alguém ou alguma coisa do sexo masculino.
Tanto Deus quanto Ser são palavras que não conseguem definir nem explicar a realidade por trás delas.
Ser, entretanto, tem a vantagem de sugerir um conceito aberto. Não reduz o invisível infinito a uma entidade
finita. É impossível formar uma imagem mental a esse respeito. Ninguém pode reivindicar a posse exclusiva do
Ser. É a sua essência, tão acessível como sentir a sua própria presença, a realização do Eu sou que antecede o
“eu sou isso” ou “eu sou aquilo”. Portanto, a distância é muito curta entre a palavra Ser e a vivência do Ser.
Qual o maior obstáculo para vivenciar essa realidade?
Identificar-se com a mente, o que faz com que estejamos sempre pensando em alguma coisa. Ser incapaz
de parar de pensar é uma aflição terrível, mas ninguém percebe porque quase todos nós sofremos disso e, então,
consideramos uma coisa normal. O ruído mental incessante nos impede de encontrar a área de serenidade
interior, que é inseparável do Ser. Isso faz com que a mente crie um falso eu interior que projeta uma sombra de
medo e sofrimento sobre nós. Examinaremos esses pontos detalhadamente, mais adiante.
O filósofo Descartes acreditava ter alcançado a verdade mais fundamental quando proferiu sua conhecida
máxima: “Penso, logo existo”. Cometeu, no entanto, um erro básico ao equiparar o pensar ao Ser e a identidade
ao pensamento. O pensador compulsivo, ou seja, quase todas as pessoas, vive em um estado de aparente
isolamento, em um mundo povoado de conflitos e problemas. Um mundo que reflete a fragmentação da mente
em uma escala cada vez maior. A iluminação é um estado de plenitude, de estar “em unidade” e, portanto, em
paz. Em unidade tanto com o universo quanto com o eu interior mais profundo, ou seja, o Ser. A iluminação é o
fim não só do sofrimento e dos conflitos internos e externos permanentes, mas também da aterrorizante
escravidão do pensamento. Que maravilhosa libertação!
Se nos identificamos com a mente, criamos uma tela opaca de conceitos, rótulos, imagens, palavras,
julgamentos e definições que bloqueia todas as relações verdadeiras. Essa tela se situa entre você e o seu eu
interior, entre você e o próximo, entre você e a natureza, entre você e Deus. E essa tela de pensamentos que cria
uma ilusão de separação, uma ilusão de que existe você e um “outro” totalmente à parte. Esquecemos o fato
essencial de que, debaixo do nível das aparências físicas, formamos uma unidade com tudo aquilo que é. Por
“esquecermos” quero dizer que não sentimos mais essa unidade como uma realidade evidente por si só.
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Podemos até acreditar que isso seja uma verdade, mas não mais a reconhecemos como verdade. Acreditar pode
até trazer conforto. No entanto, a libertação só pode vir através da vivência pessoal.
Pensar se tornou uma doença. A doença acontece quando as coisas se desequilibram. Por exemplo, não há
nada de errado com a divisão e a multiplicação das células no corpo humano. Mas, quando esse processo
acontece sem levar em conta o organismo como um todo, as células se proliferam e temos a doença.
Se for usada corretamente, a mente é um instrumento magnífico. Entretanto, quando a usamos de forma
errada, ela se torna destrutiva. Para ser ainda mais preciso, não é você que usa a sua mente de forma errada. Em
geral, você simplesmente não usa a mente. É ela que usa você. Essa é a doença. Você acredita que é a sua
mente. Eis aí o delírio. O instrumento se apossou de você.
Não concordo muito com isso. É verdade que penso muito sem um objetivo definido, como a maioria das
pessoas, mas ainda posso escolher como usar a minha mente para ter e conseguir coisas, e faço isso o tempo
todo.
Só porque podemos resolver palavras cruzadas ou construir uma bomba atômica não significa que
estejamos usando a mente. Assim como os cães adoram mastigar ossos, a mente adora transformar dificuldades
em problemas. É por isso que ela resolve palavras cruzadas e constrói bombas atômicas. Mas essas coisas não
interessam a você. Pergunto então: você consegue se livrar da sua mente quando quer? Já encontrou o botão que
a “desliga”?
A idéia é parar de pensar completamente? Não, não consigo, a não ser por um ou dois segundos.
Então, é porque a mente está usando você. Estamos tão identificados com ela que nem percebemos que
somos seus escravos. É quase como se algo nos dominasse sem termos consciência disso e passássemos a viver
como se fôssemos a entidade dominadora. A liberdade começa quando percebemos que não somos a entidade
dominadora, o pensador. Saber disso nos permite observar a entidade. No momento em que começamos a
observar o pensador, ativamos um nível mais alto de consciência. Começamos a perceber, então, que existe
uma vasta área de inteligência além do pensamento, e que este é apenas um aspecto diminuto da inteligência.
Percebemos também que todas as coisas realmente importantes como a beleza, o amor, a criatividade, a alegria
e a paz interior surgem de um ponto além da mente. É quando começamos a acordar.
Libertando-se da sua mente
O que você quer dizer exatamente por “observar o pensador”?
Quando alguém vai ao médico e diz: “Ouço uma voz dentro da minha cabeça”, provavelmente será
encaminhado a um psiquiatra. De uma forma ou de outra, praticamente todas as pessoas ouvem uma voz, ou
algumas vozes, o tempo todo dentro da cabeça. São os processos involuntários do pensar – que acreditamos que
não podemos interromper –, manifestando-se como monólogos ou diálogos contínuos.
Você já deve ter cruzado na rua com pessoas “doidas” falando sem parar ou resmungando consigo
mesmas. Isso não tem nada de diferente do que acontece com você e com outras pessoas “normais”, exceto que
vocês não falam alto. A voz comenta, especula, julga, compara, desculpa, gosta, desgosta, etc. A voz não
precisa ser relevante para a situação do momento, pois ela pode estar revivendo o passado recente ou remoto, ou
ensaiando, ou imaginando possíveis situações futuras. Neste último caso, ela imagina sempre as coisas indo mal
e com resultados desfavoráveis. É o que se chama de preocupação. Às vezes, essa trilha sonora e acompanhada
de imagens ou “filmes mentais”.
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Mesmo que tenha alguma relação com o momento, a voz será interpretada em termos do passado. Isso
acontece porque a voz pertence à mente condicionada, que é o resultado de toda a nossa história passada, bem
como dos valores culturais coletivos que herdamos. Assim, vemos e julgamos o presente com os olhos do
passado e construímos uma imagem totalmente distorcida. Não é raro que a voz se torne o pior inimigo de nós
mesmos. Muitas pessoas vivem com um torturador em suas cabeças, que as ataca e pune sem parar, drenando
sua energia vital. Essa é a causa de muita angústia e infelicidade, assim como de doenças.
A boa notícia é que podemos nos libertar de nossas mentes. Essa é a única libertação verdadeira. Dê o
primeiro passo nesse exato momento. Comece a prestar atenção ao que a voz diz, principalmente a padrões
repetitivos de pensamento, aquelas velhas trilhas sonoras que você escuta dentro da sua cabeça há anos. É isso
que quero dizer com “observar o pensador”. É um outro modo de dizer o seguinte: ouça a voz dentro da sua
cabeça, esteja lá presente, como uma testemunha.
Seja imparcial ao ouvir a voz, não julgue nada. Não julgue ou condene o que você ouve, porque fazer isso
significaria que a mesma voz acabou de voltar pela porta dos fundos. Você logo perceberá: lá está a voz e aqui
estou eu, ouvindo-a e observando-a. Sentir a própria presença não é um pensamento, é algo que surge de um
ponto além da mente.
Assim, ouvir um pensamento significa que você está consciente não só do pensamento, mas também de
você mesmo, como uma testemunha daquele pensamento. Isso acontece porque uma nova dimensão da
consciência acabou de surgir. Quando você ouve o pensamento, sente uma presença consciente, que é o seu eu
interior mais profundo, por trás ou por baixo do pensamento. O pensamento, então, perde o poder que exerce
sobre você e se afasta rapidamente, porque a mente não está mais recebendo a energia gerada pela sua
identificação com ela. Esse é o começo do fim do pensamento involuntário e compulsivo.
Quando um pensamento se afasta, percebemos uma interrupção no fluxo mental, um espaço de “mente
vazia”. No início, esses espaços são curtos, talvez apenas alguns segundos, mas, aos poucos, se tornam mais
longos. Quando esses espaços acontecem, sentimos uma certa serenidade e paz interior. Esse e o começo do
estado natural de nos sentirmos em unidade com o Ser, que normalmente é encoberto pela mente. Com a prática,
a sensação de paz e serenidade vai se intensificar. Na verdade, essa intensidade não tem fim. Você também vai
sentir brotar lá de dentro uma sutil emanação de alegria, que é a alegria do Ser.
Não se trata de um estado de transe. Nada disso. Se o preço da paz fosse a perda da consciência e o preço
da serenidade, uma falta de vitalidade e de vivacidade, então não valeria a pena. É exatamente o oposto. Nesse
estado de conexão interior, ficamos muito mais alertas. Estamos presentes por inteiro.
Ao penetrarmos mais profundamente nessa área de “mente vazia”, como ela às vezes é chamada no
Oriente, começamos a perceber o estado de pura consciência. Nesse estado, sentimos a nossa própria presença
com tal intensidade e alegria que os pensamentos, as emoções, nosso corpo, o mundo exterior – tudo se torna
insignificante comparado a ele. No entanto, não é um estado egoísta, e sim generoso. Ele nos transporta para um
ponto além do que antes julgávamos ser o nosso “eu interior”. Essa presença é essencialmente você e, ao mesmo
tempo, muito maior do que você.
Em vez de “observar o pensador”, podemos também criar um espaço no fluxo da mente, direcionando o
foco da nossa atenção para o Agora. Torne-se consciente do momento. Isso é profundamente gratificante de se
fazer. Agindo assim, desviamos a consciência para longe da atividade da mente e criamos um espaço de mente
vazia, em que ficamos extremamente alertas e conscientes, mas sem pensar. Essa é a essência da meditação.
Na vida diária é possível pôr isso em prática dando total atenção a qualquer atividade rotineira,
normalmente considerada como apenas um meio para atingir um objetivo, de modo a transformá-la em um fim
em si mesma. Por exemplo, todas as vezes que você subir ou descer as escadas em casa ou no trabalho, preste
muita atenção a cada passo, a cada movimento, até mesmo à sua respiração. Esteja totalmente presente. Ou,
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quando lavar as mãos, preste atenção a todas as sensações provocadas por essa atividade, como o som e o
contato da água, o movimento das suas mãos, o cheiro do sabonete, e assim por diante. Ou então, quando entrar
em seu carro, pare por alguns segundos depois que fechar a porta e observe o fluxo da sua respiração. Tome
consciência de um silencioso, mas poderoso, sentido de presença. Para medir, sem errar, o seu sucesso nessa
prática, verifique o grau de paz dentro de você.
Portanto, o passo mais importante na caminhada em direção à iluminação é aprendermos a nos dissociar
de nossas mentes.
Todas as vezes que criamos um espaço no fluxo do pensamento, a luz da nossa consciência fica mais
forte.
Um dia você pode se surpreender sorrindo para a voz dentro da cabeça, como sorriria para as travessuras
de uma criança. Isso significa que você não está mais levando tão a sério o que vai pela mente, Pois o seu eu
interior não depende dela.

Iluminação: elevando-se acima do pensamento
O pensamento não é indispensável para sobrevivermos neste mundo?
Nossa mente é um instrumento, uma ferramenta. Está ali para ser usada em uma tarefa específica e depois
ser deixada de lado. Sendo assim, eu poderia afirmar que 80% a 90% dos pensamentos não só são repetitivos e
inúteis, mas, por conta de uma natureza freqüentemente negativa, são também nocivos. Observe sua mente e
verificará como isso é verdade. Essa atitude causa uma perda significativa de energia vital.
Esse tipo de pensamento compulsivo é, na verdade, um vício. O que caracteriza um vício? Simplesmente
não termos mais a opção de parar. O vício parece mais forte do que nós. Proporciona ainda uma falsa sensação
de prazer, um prazer que, quase sempre, se transforma em sofrimento.
Por que temos de ser viciados em pensar?
Porque estamos identificados com esse processo, já que a percepção do eu interior tem origem no
conteúdo e na atividade de nossas mentes. Acreditamos que deixaríamos de existir se parássemos de pensar. No
processo de crescimento, construímos uma imagem mental de nós mesmos, baseada em nosso condicionamento
pessoal e cultural. Podemos chamar isso “o fantasma pessoal do ego”. Consiste em uma atividade mental e só
pode ser mantido através do pensar constante. A palavra ego tem sentidos diferentes para pessoas diferentes,
mas aqui significa um falso eu interior, criado por uma identificação inconsciente com a mente.
Para o ego, o momento presente dificilmente existe. Só o passado e o futuro são considerados
importantes. Essa total inversão da verdade explica por que, para o ego, a mente não tem função. O ego está
sempre preocupado em manter vivo o passado, porque pensa que sem ele não seríamos ninguém. E se projeta no
futuro para assegurar a continuação de sua sobrevivência e buscar algum tipo de escape ou satisfação lá adiante.
Ele diz assim: “Um dia, quando isso ou aquilo acontecer, vou ficar bem, feliz, em paz”. Mesmo quando o ego
parece estar preocupado com o presente, não é o presente que ele vê, porque constrói uma imagem
completamente distorcida, a partir do passado. Ou então reduz o presente a um meio para obter o fim desejado,
um fim que sempre consiste em um futuro projetado pela mente. Observe sua mente e verá que é assim que ela
funciona.
O momento presente tem a chave para a libertação. Mas você não conseguirá percebê-lo enquanto você
for a sua mente.
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Não quero perder a minha capacidade de analisar e criticar. Não me importo em aprender a pensar de
forma mais clara, com um sentido mais direcionado, mas não quero perder esse dom, que considero o bem
mais precioso que temos. Sem ele, seríamos apenas mais uma espécie animal.
O predomínio da mente é apenas um estágio na evolução da consciência. Precisamos, urgentemente,
passar ao próximo estágio, senão seremos destruídos pela mente, que se transformou em um monstro. Falarei
sobre isso em detalhes, mais adiante. Pensamento e consciência não são sinônimos. O pensamento é um
pequeno aspecto da consciência. O pensamento não consegue existir sem a consciência, mas a consciência não
necessita do pensamento.
A iluminação significa chegar a um nível acima do pensamento, e não em ficar abaixo dele, ao nível de
um animal ou de uma planta. No estado iluminado, continuamos a usar nossas mentes quando necessário, mas
de um modo mais focalizado e eficiente. Assim, utilizando nossas mentes com objetivos práticos, não ouvimos
mais o diálogo interno involuntário e sentimos uma enorme serenidade interior. Quando usamos de fato nossas
mentes e, em especial, quando necessitamos de uma solução criativa, há uma oscilação, de segundos, entre o
pensamento e a serenidade, entre a mente e a mente vazia. O estado de mente vazia é a consciência sem o
pensamento. Só assim é possível pensar criativamente, porque somente desse modo o pensamento tem alguma
força real. O pensamento sozinho, quando não mais conectado com a área da consciência, que é muito mais
ampla, rapidamente se torna árido, doentio e destrutivo.
A mente é, em essência, uma máquina de sobrevivência. Ela executa muitas coisas boas quando, por
exemplo, ataca e se defende de outras mentes, coleta, armazena e analisa uma informação, mas não é nada
criativa. Todo artista verdadeiro, quer tenha ou não consciência disso, cria a partir de um lugar de mente vazia,
que se origina de uma serenidade interior. A mente então dá forma ao impulso criativo, ou insight. Até mesmo
os grandes cientistas têm relatado que as suas descobertas mais originais aconteceram em um momento de
serenidade mental. Uma pesquisa nacional realizada com alguns dos matemáticos mais preeminentes que já
atuaram nos Estados Unidos, incluindo Einstein, para estudar seus métodos de trabalho, mostrou que o
pensamento “é apenas uma parte secundária da fase breve e decisiva do ato criativo em si”. Logo, eu poderia
dizer que a maioria dos cientistas não é criativa, não porque não sabe pensar, mas sim porque não sabe como
parar de pensar!
Não foi a mente, nem o pensamento, que criou o milagre da vida ou nossos corpos. É claro que existe
uma inteligência, de uma dimensão muito maior do que a da mente, trabalhando para manter tudo isso
funcionando. Como uma simples célula humana, que mede 1/1.000 de 25,4 mm, pode conter instruções dentro
do DNA que encheriam 1.000 livros de 600 páginas cada um? Quanto mais aprendemos sobre o funcionamento
do corpo, mais percebemos como é vasta a inteligência que age dentro dele e como sabemos pouco a esse
respeito. Quando a mente se relaciona como corpo, transforma-se na mais maravilhosa das ferramentas. Serve,
então, a alguma é coisa maior do que ela mesma.
Emoção: a reação do corpo à mente
E quanto às emoções? Elas me dominam muito mais do que a minha mente.
A mente, no sentido em que emprego o termo, não é apenas pensamento. Ela inclui nossas emoções,
assim como todos os padrões de reações mentais e emocionais inconscientes. A emoção nasce no lugar onde a
mente e o corpo se encontram. É a reação do corpo à nossa mente ou, podemos dizer, um reflexo da mente no
corpo. Por exemplo, um pensamento agressivo ou hostil vai acumulando, aos poucos, uma energia no corpo – a
raiva. O corpo está se preparando para lutar. Já a idéia de que nos encontramos sob uma ameaça física ou
psicológica faz com que o corpo se contraia,'o que é a manifestação física daquilo que chamamos medo. As
pesquisas têm demonstrado que as emoções fortes causam até mesmo mudanças na bioquímica do corpo. Essas
mudanças bioquímicas representam o aspecto físico ou material da emoção. Em geral, não temos consciência de
todos os nossos padrões de pensamento. Só é possível trazê-los à consciência quando observamos nossas
emoções.
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Quanto mais identificados estivermos com nosso pensamento, com as coisas que nos agradam ou não,
com nossos julgamentos e interpretações, ou seja, quanto menos presentes estivermos como consciência
observadora, mais forte será a carga de energia emocional, tenhamos ou não consciência disso. Se você não
consegue sentir as suas emoções, se as mantém à distância; terminará por senti-Ias em um nível puramente
físico, como um sintoma ou um problema físico. Muito se tem escrito a respeito disso nos últimos anos, portanto
não precisamos nos aprofundar no assunto.
É possível que um forte padrão emocional inconsciente venha a se manifestar como um acontecimento
externo, algo que parece acontecer só com você. Por exemplo, tenho observado que as pessoas que guardam
muita raiva dentro de si mesma – mesmo sem ter consciência e sem falar sobre o assunto – são mais propensas a
ser atacadas verbalmente, ou até mesmo fisicamente, por outras pessoas cheias de raiva. Com freqüência, sem
qualquer motivo aparente. A razão é que elas desprendem uma raiva tão forte que acaba sendo captada de forma
subconsciente por outras pessoas, e isso aciona a raiva latente que essas trazem dentro de si.
Se você tem dificuldade de sentir suas emoções, comece concentrando a atenção na área de energia
interior do seu corpo. Sinta o seu corpo lá no fundo. Essa prática colocará você em contato com as suas
emoções. Aprofundarei o assunto mais adiante.
Você diz que a emoção é o reflexo da mente no corpo. Mas, às vezes, ocorre um conflito entre os dois
quando a mente diz “não” e a emoção diz “sim”, ou vice-versa.
Se quisermos conhecer mesmo a nossa mente, o corpo sempre nos dará um reflexo confiável. Portanto,
observe a sua emoção, ou melhor, sinta-a em seu corpo.Se houver um aparente conflito entre os dois, a verdade
estará na emoção e não no pensamento. Não a verdade definitiva sobre quem você é, mas a verdade relativa ao
estado da sua mente naquele momento.
É bastante comum ocorrerem conflitos entre os pensamentos superficiais e os processos mentais
inconscientes. Mesmo que você ainda não seja capaz de trazer a sua atividade mental inconsciente para um
estado de consciência sob a forma de pensamento, ela estará sempre refletida no seu corpo como uma emoção, e
isso você pode passar a perceber. Observar uma emoção por esse ângulo é basicamente o mesmo que ouvir ou
observar um pensamento, como descrevi anteriormente. A única diferença é que o pensamento está na sua
cabeça, enquanto a emoção, por conter um forte componente físico, se manifesta em primeiro 1ugar no corpo.
Você pode permitir que a emoção esteja ali, sem deixar que ela assuma o controle. Você não é mais a emoção.
Você é o observador, a presença que observa. Ao praticar isso, tudo o que está inconsciente será trazido à luz da
sua consciência.
Então, observar nossas emoções é tão importante quanto observar nossos pensamentos?
Sim. Habitue-se a perguntar o que está acontecendo com você nesse exato momento. Essa questão lhe
indicará a direção certa. Mas não analise, apenas observe. Concentre sua atenção dentro de você. Sinta a energia
da emoção. Se não há emoção presente, concentre sua atenção mais fundo no campo da energia interna do seu
corpo. Essa é a porta de entrada para o Ser.
Uma emoção, em geral, representa um padrão de pensamento amplificado e energizado. Por conta da
carga energética quase sempre excessiva que ela contém, não é fácil, a princípio, termos condições para
observá-la. A emoção quer assumir o controle, e quase sempre consegue, a menos que você esteja presente e
alerta. Se você for empurrado para uma identificação inconsciente com a emoção, ela se tornará,
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temporariamente, “você”. É comum se estabelecer um círculo vicioso entre o pensamento e a emoção porque
um alimenta o outro. O padrão do pensamento cria um reflexo amplificado de si mesmo na forma de uma
emoção, fazendo com que a freqüência vibratória desta permaneça alimentando o padrão de pensamento
original. Ao lidar mentalmente com a situação, acontecimento ou pessoa que é identificada como causadora da
emoção, o pensamento fornece energia para a emoção, a qual, por sua vez, energiza o padrão de pensamento, e
assim por diante.
Basicamente, todas as emoções são modificações de uma emoção primitiva não diferenciada, cuja origem
é a perda da percepção de quem somos por trás do nome e da forma. É difícil encontrar um nome que descreva
essa emoção primitiva. A palavra “medo” é muito próxima, mas, além do sentido de ameaça permanente, ela
pode ser entendida como um profundo sentimento de abandono e incompletude. Por isso, talvez seja melhor
usar uma palavra que não se confunda tanto com aquela emoção básica e chamar isso simplesmente e
“sofrimento”. Uma das principais tarefas da mente, uma das razões da sua atividade incessante, é a de combater
ou eliminar o sofrimento emocional, embora ela invariavelmente só consiga encobri-lo por um tempo. De fato,
quanto mais a mente tenta se livrar do sofrimento, mais ele aumenta. A mente nunca pode achar a solução, nem
pode permitir que encontremos a solução, porque é, ela mesma, uma parte intrínseca do “problema”. Imagine
um chefe de polícia tentando achar um incendiário, quando o incendiário é o próprio chefe de polícia. Não nos
livraremos desse sofrimento enquanto não extrairmos o sentido de eu interior da identificação com a mente, ou
seja, do ego. A mente é, então, derrubada da sua posição de poder, e o Ser se revela em si mesmo, como a
verdadeira natureza da pessoa.
Já sei o que você vai perguntar agora.
Eu ia perguntar: O que acontece com as emoções positivas, como o amor e a alegria?
Elas são inseparáveis do estado natural de conexão interior com o Ser. Sempre que houver um espaço no
fluxo dos pensamentos, podem ocorrer lampejos de amor e alegria, ou breves instantes de uma paz profunda.
Para a maioria das pessoas, tais espaços raramente acontecem, e mesmo assim por acaso, nas ocasiões em que a
mente fica “sem palavras”, instigada por uma beleza estonteante, uma exaustão física extrema, ou mesmo um
grande perigo. De repente se instala uma serenidade interior. E dentro dessa serenidade existe uma alegria sutil,
mas intensa, existe amor, existe paz.
Normalmente, tais momentos têm vida curta, pois a mente logo reassume essa atividade barulhenta a que
chamamos pensar. O amor, a alegria e a paz não conseguem florescer, a menos que tenhamos nos livrado do
domínio da mente. Mas eu não os chamaria de emoções. Eles estão por baixo das emoções, em um nível mais
profundo. Portanto, precisamos nos tornar plenamente conscientes de nossas emoções e sermos capazes de
senti-las, antes de sermos capazes de sentir aquilo que está além delas. A palavra emoção significa, literalmente,
“desordem”. A palavra vem do latim emovere,que significa “movimentar”.
Amor, alegria e paz são estados profundos do Ser, ou melhor, três aspectos do estado de ligação com o
Ser. Assim, não possuem opositores pela simples razão de que surgem por trás da mente. As emoções, por outro
lado, sendo uma parte da mente dualística, estão sujeitas à lei dos opostos. Isso quer dizer, simplesmente, que
não se pode ter o bom sem que haja o mau. Portanto, numa condição não iluminada de identificação com a
mente, aquilo que algumas vezes é erroneamente chamado de alegria é o lado geralmente breve do prazer,
dentro da alternância contínua do ciclo sofrimento/prazer. O prazer sempre se origina de alguma coisa externa a
nós, ao passo que a alegria nasce do nosso interior. A mesma coisa que proporciona prazer hoje provocará
sofrimento amanhã, ou nos abandonará, e essa ausência causará sofrimento. Do mesmo modo, o que se costuma
chamar de amor pode ser prazeroso e excitante por um tempo, mas é um apego adicional, uma condição de
necessidade extrema, que pode vir a se transformar no oposto, em um piscar de olhos. Muitas relações
“amorosas”, passada a euforia inicial, oscilam entre o “amor” e o ódio, a atração e a agressão.
O amor verdadeiro não permite que você sofra. Como poderia? Não se transforma em ódio de repente,
assim como a verdadeira alegria não se transforma em sofrimento. Antes de atingirmos a iluminação, antes
mesmo de nos libertarmos de nossas mentes, podemos ter lampejos de alegria autêntica, de um amor verdadeiro
ou de uma profunda paz interior, tranqüila, mas intensamente viva. Esses são aspectos da nossa verdadeira
natureza, em geral obscurecida pela mente. Mesmo dentro de uma relação “normal” de dependência, é possível
haver momentos onde podemos sentir a presença de algo genuíno, incorruptível. Mas serão somente lampejos, a
serem logo encobertos pela interferência da mente. Você poderá ficar com a impressão de que teve alguma coisa
muita valiosa, mas a perdeu, ou a sua mente pode lhe convencer de que tudo não passou de uma ilusão. A
verdade é que não foi uma ilusão e você também não perdeu nada. Esse algo valioso é parte de seu estado
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natural – pode estar encoberto, mas nunca ser destruído pela mente. Mesmo quando o céu está totalmente
coberto, o sol não desapareceu. Ainda está lá, por trás das nuvens.
Buda diz que a dor ou o sofrimento surge através de desejos ou anseios, e que para se libertar da dor
necessitamos romper as amarras do desejo.
Todos os anseios nascem da busca da mente por salvação ou satisfação nas coisas externas e no futuro,
como substitutos da alegria do Ser. Se somos nossas mentes, somos aqueles anseios, aquelas necessidades,
desejos, apegos e aversões. Fora deles não existe o eu, exceto como uma mera possibilidade, um potencial não
preenchido, uma semente que ainda não germinou. Nessa condição, até mesmo o desejo de nos tornarmos livres
ou iluminados não passa de mais um desejo a ser realizado ou concluído no futuro. Portanto, não busque se
libertar do desejo ou “adquirir” a iluminação. Torne-se presente. Esteja lá, como um observador da mente. Em
lugar de citar Buda, seja Buda, seja “O Iluminado”, que é o que a palavra buda significa.
Os seres humanos têm vivido enredados pelo sofrimento por séculos, desde que decaíram do estado de
graça, penetraram no domínio de tempo e da mente, e perderam a percepção do Ser. Nesse momento,
começaram a se perceber como fragmentos sem sentido em um universo estranho, sem conexão com a Fonte e
com o seu semelhante.
Enquanto estivermos identificados com as nossas mentes, o que significa dizer, enquanto estivermos
inconscientes espiritualmente, o sofrimento, será inevitável. Refiro-me aqui, ao sofrimento emocional, que é
também a causa principal do sofrimento físico e da doença. O ressentimento, o ódio, a autopiedade, a culpa, a
raiva, a depressão, o ciúme e até mesmo uma leve irritação são formas de sofrimento. E qualquer prazer ou forte
emoção contém em si a semente do sofrimento. É o inseparável oposto, que se manifestará com o tempo.
Quem já tomou bebidas alcoólicas ou drogas para ficar “alto” sabe que o alto se transforma em baixo, que
o prazer se transforma em alguma forma de sofrimento. A maioria das pessoas também sabe, por experiência
própria, como uma relação íntima pode se transformar, de modo fácil e rápido, de fonte de prazer em fonte de
sofrimento. Vistas de uma perspectiva mais ampla, tanto a polaridade negativa quanto a positiva são lados de
uma mesma moeda, são partes de um sofrimento que está oculto, inseparável do estado de consciência
identificado com a mente.
Existem dois níveis de sofrimento: o que você cria agora e o que tem origem no passado que ainda vive
em sua mente e no seu corpo. Deixar de criar sofrimento no presente e dissolver o sofrimento do passado – é
sobre isso que desejo falar com você agora.

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