terça-feira, 1 de setembro de 2009

capítulo dez

O SIGNIFICADO DA ENTREGA
A aceitação do Agora
Você mencionou a palavra “entrega” algumas vezes. Essa idéia não me agrada. Soa um pouco fatalista.
Se aceitarmos sempre as coisas como elas são, não vamos fazer nenhum esforço para melhorá-las. Para mim, o
significado de progresso, tanto em nossa vida pessoal quanto em coletividade, é não aceitarmos as limitações
do presente e nos empenharmos para ir além, para superá-las e criar coisas melhores. Se não tivéssemos agido
assim, ainda estaríamos vivendo em cavernas. Como conciliar essa entrega com a mudança e a realização das
coisas?
Para muitas pessoas, a entrega talvez tenha conotações negativas, como uma derrota, uma desistência,
uma incapacidade de se reerguer das ciladas da vida, certa letargia, etc. A verdadeira entrega, entretanto, é algo
completamente diferente. Não significa suportar passivamente uma situação qualquer que nos aconteça e não
fazer nada a respeito, nem deixar de fazer planos ou de ter confiança para começar algo novo.
A entrega é a sabedoria simples mas profunda de nos submetermos e não de nos opormos ao fluxo da
vida. O único lugar em que podemos sentir o fluxo da vida é no Agora. Isso significa que se entregar é aceitar o
momento presente sem restrições e sem nenhuma reserva. É abandonar a resistência interior àquilo que é. A
resistência interior acontece quando dizemos “não” para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de
uma negatividade emocional. Isso se agrava especialmente quando as coisas “vão mal”, o que significa que há
um espaço entre as exigências ou expectativas rígidas da nossa mente e aquilo que é. Esse é o espaço do
sofrimento. Se você já tiver vivido bastante tempo, certamente saberá que as coisas “vão mal” com muita
freqüência. É precisamente nesses momentos em que a entrega tem de ser praticada, caso queiramos eliminar o
sofrimento e as mágoas da nossa vida. A aceitação daquilo que é nos liberta imediatamente da identificação com
a mente e nos religa com o Ser. A resistência é a mente.
A entrega é um fenômeno puramente interior. Isso não quer dizer que não possamos fazer alguma coisa
no campo exterior para mudar a situação. Na verdade, não é a situação completa que temos de aceitar quando
falo de entrega, mas apenas o segmento minúsculo chamado o Agora.
Por exemplo, se você estiver atolado na lama, não tem de dizer: “Está bem, me conformo de estar atolado
nessa lama”. Resignação não quer dizer entrega. Você não precisa aceitar uma situação indesejável ou
desagradável na sua vida. Nem precisa se iludir e dizer que não tem nada errado em estar atolado na lama. Nada
disso. Você tem completa consciência de que deseja sair dali. Então reduz a sua atenção ao momento presente,
sem atribuir a essa situação nenhum rótulo mental. Isso significa que não existe nenhum julgamento do Agora.
Em conseqüência, não existe nenhuma resistência, nenhuma negatividade emocional. Você aceita a “existência”
do momento. A seguir, toma uma atitude e faz tudo o que puder para sair da lama. Chamo essa atitude de ação
positiva. Funciona muito mais do que uma ação negativa, que decorre da raiva, do desespero ou da frustração.
Até que alcance o resultado desejado, você continua a praticar a entrega ao se abster de rotular o Agora.
Vou fazer uma analogia visual para ilustrar o ponto que estou sustentando. Você está andando por uma
estrada à noite, com uma neblina cerrada, mas possui uma lanterna potente que corta a neblina e cria um espaço
estreito e nítido na sua frente. A neblina é a sua situação de vida, que inclui o passado e o futuro. A lanterna é a
sua presença consciente, e o espaço nítido é o Agora.
Não se entregar endurece a forma psicológica, a casca do ego, e assim cria uma forte sensação de
separação. O mundo e as pessoas à sua volta passam a ser vistos como ameaças. Surge uma compulsão
inconsciente para destruir os outros através do julgamento e uma necessidade de competir e dominar. Até
mesmo a natureza vira sua inimiga e o medo passa a governar a sua percepção e a interpretação das coisas. A
doença mental conhecida como paranóia é apenas uma forma ligeiramente mais aguda desse estado normal,
embora disfuncional, da consciência.
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A resistência faz com que tanto a sua mente quanto o seu corpo fiquem mais “pesados”. A tensão se
manifesta em diferentes partes do corpo, que se contrai para se defender. O fluxo de energia vital, essencial para
o funcionamento saudável do corpo, fica prejudicado. Algumas formas de terapia corporal podem ser úteis para
restaurar esse fluxo, mas a menos que você pratique a entrega na sua vida diária, essas coisas só podem lhe
proporcionar um alívio temporário, porque a causa, o padrão de resistência, não foi ainda dissolvida.
Porém, existe alguma coisa dentro de você que não é afetada pelas circunstâncias transitórias que
constroem a sua situação de vida e a que você só tem acesso através da entrega. Trata-se da sua vida, do seu
próprio Ser, que existe no eterno domínio do presente. Encontrar essa vida é “a única coisa necessária” de que
Jesus falava.
Se a sua situação de vida é insatisfatória ou mesmo intolerável, somente através da entrega você vai
conseguir quebrar o padrão inconsciente de resistência, que permite a permanência dessa situação.
A entrega é perfeitamente compatível com tomar uma atitude, iniciar uma mudança ou atingir objetivos.
Mas, no estado de entrega, uma energia totalmente diferente flui naquilo que fazemos. A entrega nos religa com
a fonte de energia do Ser, e, se as nossas ações estiverem impregnadas com o Ser, elas se tornam uma alegre
celebração da energia da vida, que nos aprofunda cada vez mais no Agora. Através da não-resistência, a
qualidade da nossa consciência, e, portanto, a qualidade do que estivermos fazendo ou criando, aumenta sem
medidas. Os resultados vão falar por si mesmos e refletir essa qualidade. Podemos chamar isso de “ação de
entrega”. Não é um trabalho tal como nós conhecemos por milhares de anos. À medida que mais seres humanos
despertarem, a palavra trabalho vai desaparecer do nosso vocabulário e talvez seja criada uma nova palavra para
substituí-la.
A qualidade da sua consciência neste momento é que vai determinar o tipo de futuro que você vai viver.
Portanto, entregar-se é a coisa mais importante que você pode fazer para provocar uma mudança positiva.
Qualquer outra coisa que você fizer será secundária. Nenhuma ação positiva pode surgir de um estado de
consciência onde não existe entrega.
Consigo entender que, se estou em uma situação desagradável ou insatisfatória e aceito o momento como
ele se apresenta, não haverá nenhum sofrimento ou infelicidade. Terei passado por cima deles. Mas ainda não
entendo de onde poderia se originar a energia para provocar uma mudança, sem que existisse uma certa dose
de insatisfação.
No estado de entrega, você vê claramente o que precisa ser feito e parte para a ação, fazendo uma coisa de
cada vez e se concentrando em uma coisa de cada vez. Aprenda com a natureza. Veja como todas as coisas se
realizam e como o milagre da vida se desenrola sem insatisfação ou infelicidade. É por isso que Jesus disse:
“Olhai os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam”.
Se a sua situação geral é insatisfatória ou desagradável, separe esse instante e entregue-se ao que é. Eis
aqui a lanterna cortando através da neblina. O seu estado de consciência deixa então de ser controlado pelas
condições externas. Você não age mais a partir de uma resistência ou de uma reação.
Olhe para uma situação específica e pergunte-se: “Existe alguma coisa que eu possa fazer para mudar
essa situação, melhorá-la ou me retirar dela?” Se houver, você toma a atitude adequada. Não se prenda às mil
coisas que você vai ter que fazer em algum tempo futuro, mas na única coisa que você pode fazer agora. Isso
não significa que você não deva traçar um plano. Planejar talvez seja a única coisa que você possa fazer agora.
Mas certifique-se de que você não vai começar a rodar “filmes mentais”, se projetar no futuro e, assim, perder o
Agora. Talvez a atitude que você tomar não dê frutos imediatamente. Até que ela dê, não resista ao que é. Se
não houver nada que possa fazer e você também não puder escapar da situação, use isso para poder ir mais
fundo na entrega, mais fundo no Agora, mais fundo no Ser. Quando entra nessa eterna dimensão do presente, a
mudança sempre acontece por caminhos estranhos, sem a necessidade de uma grande quantidade de atitudes da
sua parte. A vida se torna proveitosa e cooperativa. Se fatores internos como o medo, a culpa ou a indolência
impedem você de tomar uma atitude, eles vão se dissolver na luz da sua presença consciente.
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Não confunda entrega com uma atitude do tipo “não ligo mais para nada”. Essas atitudes estão cheias de
negatividade na forma de um ressentimento oculto, portanto não se trata de entrega mas de uma resistência
disfarçada. Ao se entregar, dirija a sua atenção para dentro para verificar se existe algum traço de resistência que
tenha ficado no seu interior. Fique bem alerta ao fazer isso, do contrário um resíduo de resistência pode ter
ficado escondido em algum cantinho escuro, na forma de um pensamento ou de uma emoção desconhecida.
Da energia da mente para a energia espiritual
Livrar-se da resistência não é uma tarefa fácil. Continuo sem saber como fazer isso.
Comece por admitir que é resistência. Esteja lá quando a resistência aparecer. Observe de que modo a sua
mente a cria, que nome dá à situação, a você mesmo, ou aos outros. Observe o processo de pensamento
envolvido. Sinta a energia da emoção. Ao testemunhar a resistência, você vai verificar que ela não tem nenhum
propósito. Ao focalizar toda a sua atenção no Agora, a resistência inconsciente passa a ser consciente, e isso é o
fim dela. Você não pode estar infeliz e consciente. Se há infelicidade, negatividade ou qualquer forma de
sofrimento, significa que existe resistência, e a resistência é sempre inconsciente.
Eu tenho certeza de que posso estar consciente da minha infelicidade.
Você escolheria a infelicidade? Se não escolheu, como ela apareceu? Qual é o propósito dela? Quem a
está mantendo viva? Você diz que está consciente da sua infelicidade, mas a verdade é que você está
identificado com ela e mantém vivo esse processo de identificação, através de um pensamento compulsivo.
Tudo isso é inconsciência. Se você estivesse consciente, quer dizer, totalmente presente no Agora, toda a
negatividade iria se dissolver quase instantaneamente. Ela não conseguiria sobreviver na sua presença. Só
consegue sobreviver na sua ausência. Nem mesmo o sofrimento consegue sobreviver muito tempo diante da
presença. Você mantém a infelicidade viva quando dá tempo a ela. Esse é o sangue dela. Remova o tempo,
concentrando uma percepção intensa no momento presente, e ela morre. Mas você quer mesmo que ela morra?
Você já teve mesmo o bastante dela? Quem você seria sem ela?
Até que você pratique a entrega, a dimensão espiritual é algo a respeito do que você já leu, ouviu falar,
escreveu, pensou, acreditou ou não. Não faz diferença. Não até que a entrega tenha se tornado uma realidade em
sua vida. No momento da entrega, a energia que você desprende e que passa a governar sua vida é de uma
freqüência vibracional muito maior do que a energia da mente, que ainda governa as estruturas sociais, políticas
e econômicas da nossa civilização e que se perpetua através da propaganda e dos sistemas educacionais. Através
da entrega, a energia espiritual penetra nesse mundo. Ela não gera sofrimento para você, para outros seres
humanos ou para qualquer outra forma de vida no planeta. Ao contrário da energia da mente, ela não polui a
terra e não está sujeita à lei das polaridades, que diz que nada pode existir sem o seu oposto e que não pode
haver o bem sem o mal. Aqueles que continuam dominados pela mente – a grande maioria da população – não
percebem a existência da energia espiritual. Ela pertence a uma outra ordem e vai criar um mundo diferente
quando um número suficiente de seres humanos entrar no estado de entrega e se tornar totalmente livre da
negatividade. Se a Terra sobreviver, essa será a energia daqueles que a habitarem.
Jesus se referiu a essa energia quando proferiu seu famoso e profético Sermão da Montanha: “Bemaventurados
os mansos porque herdarão a Terra”. É uma presença silenciosa mas intensa, que dissolve os
padrões inconscientes da mente. Eles podem até permanecer ativos por um tempo, mas não vão mais governar a
sua vida. As condições externas, que apresentavam uma resistência, também tendem a mudar ou a se dissolver
através da entrega. Essa energia é um poderoso agente transformador de situações e de pessoas. Caso as
condições não mudem imediatamente, a sua aceitação do Agora permite que você se coloque acima delas. De
qualquer forma, você está livre.
A entrega nos relacionamentos pessoais
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E quanto às pessoas que querem me usar, manipular ou controlar? Tenho de me entregar a elas?
Elas estão isoladas do Ser e tentam inconscientemente sugar sua força e energia. Somente alguém
inconsciente vai tentar usar ou manipular os outros, mas também é verdade que apenas as pessoas inconscientes
podem ser usadas e manipuladas. Se você reage ou se opõe ao comportamento inconsciente dos outros, também
fica inconsciente. Porém, a entrega não significa uma permissão para que pessoas inconscientes usem você. De
jeito nenhum. É possível dizer “não” de modo firme e claro para alguém e, ao mesmo tempo, permanecer em
um estado de não resistência interior. Ao dizer “não” a uma pessoa ou situação, você não deve reagir, mas sim
agir de acordo com um insight, uma firme convicção do que é certo ou errado para você naquele momento.
Permita que isso seja um “não” sem reação, um “não” de alta qualidade, um “não” livre de toda a negatividade
e, desse modo, não gere mais sofrimento.
Estou passando por uma situação desagradável no trabalho. Tentei me entregar a ela, mas achei
impossível. Uma grande dose de resistência continua a aparecer.
Se você não consegue se entregar, aja imediatamente. Fale ou faça alguma coisa para provocar uma
mudança na situação, ou se afaste dela. Seja responsável pela sua vida. Não polua o seu lindo e radiante Ser
interior com negatividade. Não transmita infelicidade, nem deixe que ela crie um lugar dentro de você.
A não-resistência também deve regular nossa conduta externa, como por exemplo uma não-resistência à
violência, ou é algo que só interessa à nossa vida interior?
Você só precisa se preocupar com o aspecto interno. Isso é fundamental. É claro que ele vai acabar
modificando suas atitudes externas, seus relacionamentos, etc.
Seus relacionamentos vão mudar profundamente através da entrega. Se você nunca consegue aceitar o
que é, conseqüentemente não é capaz de aceitar qualquer pessoa do jeito que ela é. Você está sempre julgando,
criticando, rotulando, rejeitando ou tentando mudar as pessoas. Além disso, se continuar a transformar o Agora
em um meio para atingir um fim no futuro, também vai considerar as pessoas com quem se relaciona como um
meio para atingir um objetivo. O relacionamento, o ser humano, passa a ter uma importância secundária para
você, ou mesmo nenhuma importância. O que vale é o que você consegue extrair do relacionamento: um ganho
material, uma sensação de poder, um prazer físico, ou alguma forma de gratificação do ego.
Deixe-me ilustrar como a entrega pode agir nos relacionamentos. Quando se envolver em uma discussão
ou um conflito com um sócio ou um amigo, observe como você se coloca na defensiva quando a sua própria
posição é atacada, sinta a potência da sua própria agressão ao atacar a posição da outra pessoa. Observe o apego
aos seus pontos de vista e opiniões. Sinta a energia mental e emocional por trás da sua necessidade de ter razão e
de mostrar à outra pessoa que ela está errada. Essa é a energia da mente. Você a torna consciente ao reconhecêla,
ao senti-la o mais completamente possível. De repente, no meio de uma discussão, você descobre que pode
fazer uma escolha e resolve abdicar da sua própria reação, só para ver o que acontece. Você se entrega. Não
quero dizer abrir mão da sua reação verbalmente dizendo “está bem, você tem razão”, com um ar no rosto que
diz “estou acima de toda essa inconsciência infantil”. Isso é apenas deslocar a resistência para um outro nível,
com a mente ainda no comando, considerando-se superior. Estou falando de abandonar todo o campo de energia
mental e emocional que estava disputando o poder dentro de você.
O ego é esperto, portanto, você tem de estar alerta, presente e ser 100 por cento honesto consigo mesmo
para verificar se abandonou realmente sua identificação com uma posição mental e se libertou, assim, da sua
mente. Se você se sentir leve, livre e profundamente em paz, é sinal de que você se entregou completamente.
Observe então o que acontece à posição mental da outra pessoa, já que você não mais a energiza ao oferecer
resistência. Quando abrimos mão da identificação com as nossas posições mentais, começa a verdadeira
comunicação.
E quanto à não-resistência diante da violência?
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Não-resistência não significa necessariamente não fazer nada. Significa que qualquer “fazer” se toma
não-reação. Lembre-se da profunda sabedoria implícita na prática das artes marciais orientais: não ofereça
resistência à força opositora. Submeta-se para superá-la.
Tendo estabelecido isso, “não fazer nada” quando estamos em um estado de intensa presença é um
poderoso transformador e curador de situações e de pessoas. No taoísmo, existe a expressão wu wei, que é
comumente traduzida por “atividade sem ação” ou “sentar-se silenciosamente sem fazer nada”. Na antiga China,
isso era considerado como uma das mais elevadas conquistas ou virtudes. É radicalmente diferente da
inatividade, no estado comum da consciência, ou melhor, da inconsciência, que tem raízes no medo, na
indolência ou na indecisão. O verdadeiro “fazer nada” implica uma não-resistência interior e um intenso estado
de alerta.
Por outro lado, caso haja necessidade de ação, você não vai mais reagir a partir da sua mente
condicionada, mas vai responder a uma situação com a sua presença consciente. Nesse estado, a mente é livre de
conceitos, incluindo o conceito da não-violência. Então, quem pode prever o que você vai fazer?
O ego acredita que a nossa força reside em nossa resistência, quando, na verdade, a resistência nos separa
do Ser, o único lugar de força verdadeira. A resistência é a fraqueza e o medo disfarçados de força. O que o ego
vê como fraqueza é o Ser em sua pureza, inocência e poder. O que ele vê como força é fraqueza. Assim, o ego
existe num modo contínuo de resistência e desempenha papéis falsos para encobrir a “fraqueza”, que, na
verdade, é o nosso poder.
Até que haja a entrega, a representação inconsciente de determinados papéis se constitui em grande parte
da interação humana. Na entrega, não mais precisamos das defesas do ego e das falsas máscaras. Passamos a ser
muito simples, muito reais. “Isso é perigoso”, diz o ego. “Você vai se machucar. Vai ficar vulnerável”. O ego
não sabe, é claro, que somente quando deixamos de resistir, quando nos tornamos vulneráveis, é que podemos
descobrir a nossa verdadeira e fundamental invulnerabilidade.
Transformando a doença em iluminação
Se alguém está seriamente doente e aceita a doença, será que não estaria abrindo mão de sua vontade de
recuperar a saúde? Ainda teria determinação para combater a doença?
A entrega é a aceitação interior daquilo que é, sem nenhuma condição. Estamos falando sobre a sua vida,
este momento, e não sobre as condições ou circunstâncias da sua vida, não daquilo que eu chamo situação de
vida. Já tratamos desse assunto.
As doenças fazem parte da nossa situação de vida. Assim, possuem um passado e um futuro. O passado e
o futuro formam um contínuo sem interrupção, a menos que o poder redentor do Agora seja ativado através da
nossa presença consciente. Como você sabe, por baixo das várias condições que constituem a nossa situação de
vida, que existe no tempo, há uma coisa mais profunda, mais essencial: a sua Vida, o seu próprio Ser dentro do
eterno Agora.
Como não existem problemas no Agora, as doenças também não existem. Acreditar em um rótulo que
alguém confere às nossas condições fortalece-as e constrói uma realidade aparentemente sólida em torno de um
desequilíbrio temporário. Isso não só confere realidade e solidez, mas também uma continuidade no tempo que
não havia antes. Ao se concentrar neste instante e evitar rotular a doença mentalmente, ela se reduz a um dos
seguintes fatores: sofrimento físico, fraqueza, desconforto ou invalidez. É a isso que você se entrega, agora.
Você não se entrega à idéia da “doença”. Deixe o sofrimento trazer você para o momento presente, para um
estado de presença intensa consciente. Use-o para a iluminação.
A entrega não transforma aquilo que é, ao menos não diretamente. A entrega transforma você. Quando
você estiver transformado, todo o seu mundo fica transformado, porque o mundo é somente um reflexo. Se você
se olha no espelho e não gosta do que vê, tem que ter enlouquecido para agredir a imagem no espelho. É
exatamente assim que você age quando está em um estado de não-aceitação. E, naturalmente, se você agride a
imagem, ela ataca você de volta. Se você aceita a imagem, não importa qual ela seja, se tem uma postura
amigável em relação a ela, a imagem não consegue não se tornar amigável em relação a você. É dessa forma
que você consegue mudar o mundo.
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A doença não é o problema. Você é o problema, enquanto a mente estiver no controle. Quando você
estiver doente ou incapacitado, não sinta que fracassou de alguma forma, não sinta culpa de nada. Não culpe a
vida por tratar você tão mal, mas também não se culpe de nada. Tudo isso é resistência. Se você tem uma
doença grave, use-a para alcançar a iluminação. Use qualquer coisa ruim que acontecer na sua vida para
alcançar a iluminação. Retire o tempo da doença. Não dê a ela nenhum passado ou futuro. Deixe-a forçar você
para a percepção intensa do momento presente. E veja o que acontece.
Torne-se um alquimista. Transforme o metal em ouro, o sofrimento em consciência, a infelicidade em
iluminação.
Você está gravemente doente e sentindo raiva do que acabei de dizer? Então esse é um sinal claro de que
a doença se tornou parte do seu sentido de eu interior e que, neste momento, você está protegendo a sua
identidade e também protegendo a doença. A circunstância que foi rotulada de “doença” não tem nada a ver
com quem você realmente é.
Quando a infelicidade ataca
No que diz respeito à maioria da população ainda inconsciente, somente uma situação crítica tem o
potencial de quebrar a dura casca do ego e forçar as pessoas a uma entrega e, desse modo, a um estado
iluminado. Uma situação-limite surge quando uma infelicidade, uma mudança drástica, uma perda ou
sofrimento profundo despedaça todo o mundo da pessoa, tornando-o sem sentido. É um encontro com a morte,
seja ela física ou psicológica. A mente, a criadora desse mundo, entra em colapso. Das cinzas desse velho
mundo, um novo mundo pode, então, passar a existir.
Não existe nenhuma garantia de que uma situação-limite vai fazer isso acontecer, mas o potencial está
sempre ali. A resistência de algumas pessoas àquilo que é pode até aumentar em uma situação como essa,
tornando a vida um inferno. Outras pessoas podem se entregar parcialmente, mas mesmo isso vai lhes dar uma
profundidade e uma serenidade que elas não tinham antes. A casca do ego se quebra em alguns pontos e isso
permite que pequenas porções de esplendor e de paz brilhem.
As situações-limite têm produzido muitos milagres. Muitos assassinos que estavam no corredor da morte
à espera da execução experimentaram, em suas últimas horas de vida, uma existência dissociada do ego e a
profunda paz e alegria que a acompanham. A resistência interior à situação em que se encontravam se tornou tão
intensa que produziu um sofrimento insuportável, e não havia nenhum lugar para onde correr e nada a fazer para
escapar dela, nem mesmo um projeto da mente para o futuro. Assim, eles foram forçados a uma completa
aceitação do inaceitável. Foram forçados à entrega. Nesse sentido, foram capazes de penetrar no estado de graça
que traz a redenção: uma libertação completa do passado. Não é a situação-limite que dá espaço ao milagre da
graça e da redenção, mas sim o ato de entrega.
Portanto, sempre que acontecer uma desgraça ou alguma coisa de ruim em sua vida – uma doença, a
perda da casa, do patrimônio ou de uma posição social, o rompimento de um relacionamento amoroso, a morte
ou o sofrimento por alguém, ou a proximidade da sua própria morte –, saiba que existe um outro lado e que você
está a apenas um passo de distância de algo inacreditável: uma completa transformação alquímica da base de
metal da dor e do sofrimento em ouro. Esse passo simples é chamado de entrega.
Não estou querendo dizer que você vai ficar feliz em uma situação dessas. Não vai. Mas o medo e o
sofrimento vão se transformar em uma paz interior e uma serenidade que vêm de um lugar muito profundo, do
próprio Não Manifesto. Essa é a “paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento”. Comparada a isso, a
felicidade é quase uma coisa superficial. Com essa paz radiante, vem a percepção – não no nível da mente, mas
dentro das profundezas do seu Ser – de que você é indestrutível, imortal. Isso não é uma crença. É uma certeza
absoluta, que não precisa de uma manifestação exterior nem de qualquer prova.
Transformando o sofrimento em paz
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Li a respeito de um filósofo estóico na Grécia antiga que, ao saber da morte do filho em um acidente,
respondeu: “Eu sabia que ele não era imortal”. Isso é entrega? Se for, não a desejo para mim. Existem
algumas situações em que a entrega parece uma coisa forçada e desumana.
Suprimir nossos sentimentos não é entrega. Mas também não sabemos qual era o estado interior do
filósofo, quando disse essas palavras. Em situações extremas, pode ser impossível aceitar o Agora, mas sempre
temos uma segunda chance na entrega.
Nossa primeira chance é nos entregarmos, a cada instante, à realidade do momento. Sabendo que aquilo
que é não pode ser desfeito – porque já é –, dizemos sim àquilo que é ou aceitamos o que não é. Então fazemos
o que tem de ser feito, o que quer que a situação exija. Se nos submetemos a esse estado de aceitação, deixamos
de criar negatividade, sofrimento ou infelicidade. Passamos a viver em um estado de não-resistência, um estado
de graça e de luz, livre das disputas.
Sempre que você for incapaz de realizar isso, sempre que perder essa oportunidade, seja porque não está
gerando uma presença consciente o bastante para evitar o surgimento do padrão de resistência habitual, seja
porque as circunstâncias são tão extremas que são completamente inaceitáveis, você está criando alguma forma
de dor, alguma forma de sofrimento. Pode parecer que é a situação que está causando o sofrimento, mas não é
bem assim: a responsável é a sua resistência.
Aqui está a sua segunda chance de entrega. Se você não consegue aceitar o que está lá fora, aceite então o
que está dentro. Isso quer dizer, não resista ao sofrimento. Permita que ele esteja ali. Entregue-se ao pesar, ao
desespero, ao medo, à solidão, ou a qualquer forma que o sofrimento assuma. Abrace o sofrimento. Veja, então,
como o milagre da entrega transforma o sofrimento profundo em uma paz profunda. Essa é a sua crucificação.
Permita que ela seja a sua ressurreição e ascensão ao céu.
Não consigo entender como alguém pode se entregar ao sofrimento. Como você já mencionou, o
sofrimento é a não-entrega. Como poderia me entregar à não-entrega?
Esqueça a entrega por um instante. Quando a sua dor é profunda, tudo o que se disser a respeito de
entrega vai, provavelmente, lhe parecer superficial e sem sentido. Quando o seu sofrimento é profundo, você
provavelmente tem um grande anseio de escapar e de não se entregar a ele. Você não quer sentir o que está
sentindo. O que pode ser mais normal? Mas não tem escapatória, nenhuma saída. Existem algumas pseudosaídas
como o trabalho, a bebida, as drogas, a raiva, as projeções, as abstenções, etc., mas elas não libertam você
do sofrimento. O sofrimento não diminui de intensidade quando você o torna inconsciente. Quando você nega o
sofrimento emocional, tudo o que você faz ou pensa fica contaminado por ele. Você o irradia, por assim dizer,
como a energia que se desprende de você, e outros vão captá-lo subliminarmente. Se essas pessoas estiverem
inconscientes, podem até se ver compelidas a agredir ou machucar você de alguma forma, ou você pode
machucá-las em uma projeção inconsciente do seu sofrimento. Você atrai e transmite aquilo que corresponde ao
seu estado interior.
Quando não existe caminho para fora, existe sempre um caminho através. Portanto, não fuja do
sofrimento. Enfrente-o. Sinta-o plenamente. Sinta-o, mas não pense a respeito dele! Fale dele, se necessário,
mas não crie uma história na sua mente a respeito dele. Dê toda a sua atenção ao sofrimento, não à pessoa ou ao
acontecimento que pode tê-lo provocado. Não permita que a mente use o sofrimento para criar uma identidade
de vítima para você em função dele. Sentir pena de si mesmo e contar a sua história aos outros vai fazer com
que você fique paralisado no sofrimento. Se for impossível se afastar desse sentimento, a única possibilidade de
mudança é se mover em direção a ele, do contrário, nada vai mudar. Portanto, dê a sua completa atenção ao que
você sente e evite dar um nome a isso mentalmente. Ao se dirigir para o sentimento, fique intensamente alerta.
No princípio, pode parecer um lugar escuro e aterrador, e quando vier o impulso para se afastar, observe-o, mas
não se deixe guiar por ele. Permaneça colocando a sua atenção no sofrimento, permaneça sentindo o pesar, o
medo, o pavor, a solidão, o que for. Fique alerta, fique presente, com todo o seu Ser, com cada célula do seu
corpo. Ao fazer isso, você está trazendo uma luz para a escuridão. É a chama da sua consciência.
Nesse ponto, você não precisa mais se preocupar com a entrega. Ela já aconteceu. Como? A atenção
completa é a aceitação completa, é entrega. Ao dar atenção completa, você está usando o poder do Agora, que é
o poder da sua presença. Nenhum indício de resistência consegue sobreviver nele. A presença remove o tempo.
Sem o tempo, nenhum sofrimento e nenhuma negatividade conseguem sobreviver.
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A aceitação do sofrimento é uma viagem em direção à morte. Encarar o sofrimento profundo, permitindo
que ele exista, colocando a sua atenção sobre ele, é entrar na morte conscientemente. Quando tiver morrido essa
morte, você perceberá que não existe morte e que não há nada a temer. Só quem morre é o ego. Imagine um raio
de sol que se esqueceu que é uma parte inseparável do sol, acredita que precisa lutar pela sobrevivência e, assim,
cria e se apega a uma outra identidade diferente do sol. Será que a morte dessa ilusão não seria incrivelmente
libertadora?
Você quer ter uma morte fácil? Você prefere morrer sem sofrimento, sem agonia? Então, morra para o
passado a cada instante e permita que a luz da sua presença apague o pesado e limitado “eu” que você pensou
que era “você”.
O caminho da cruz
Existem muitos relatos de pessoas que dizem ter encontrado Deus através de um sofrimento profundo, e
há também a expressão cristã “o caminho da cruz”, que acredito apontar para a mesma coisa.
Esse é o nosso principal interesse aqui. Na verdade, essas pessoas não encontraram Deus através do
sofrimento, porque sofrimento supõe resistência. Elas encontraram Deus através da entrega, da completa
aceitação daquilo que é, aonde chegaram por força do sofrimento intenso por que passaram. Elas devem ter
percebido, em algum momento, que eram elas que geravam o sofrimento.
Como você compara a entrega com o encontro com Deus?
Como a resistência é inseparável da mente, o abandono da resistência – a entrega – é o fim da atuação
dominadora da mente, do impostor fingindo ser “você”, o falso deus. Todo o julgamento e toda a negatividade
se dissolvem. A região do Ser, que tinha sido encoberta pela mente, se abre. De repente, surge uma grande
serenidade dentro de você, uma imensa sensação de paz. E dentro dessa paz existe uma grande alegria. E dentro
dessa alegria existe amor. E lá no fundo está o sagrado, o incomensurável, o que não pode ser nomeado.
Não chamo isso de encontrar Deus, porque como se pode encontrar o que nunca foi perdido, a própria
vida que é você? A palavra Deus é limitadora, não somente por causa de milhares de anos de má interpretação e
uso equivocado, mas também porque pressupõe uma outra identidade que não é você. Deus é o próprio Ser, não
um ser. Não pode haver nenhuma relação aqui de sujeito-objeto, nenhuma dualidade, nenhum você e Deus. A
percepção de Deus é a coisa mais natural que existe. O fato estranho e incompreensível não é que possamos nos
tornar conscientes de Deus, mas sim que não somos conscientes de Deus.
O caminho da cruz a que você se referiu é o velho caminho para a iluminação, e até recentemente era o
único caminho. Mas não o rejeite nem subestime sua eficácia. Ele ainda funciona.
O caminho da cruz é uma inversão completa. Significa que a pior coisa na sua vida, a sua cruz, se
transforma na melhor coisa que já aconteceu, ao forçar você para a entrega, para a “morte”, ao forçar você a se
tornar nada, a se tornar como Deus, porque Deus também é coisa nenhuma.
Nesse momento, para a maioria inconsciente dos seres humanos, o caminho da cruz ainda é o único
caminho. Eles só vão acordar através de mais sofrimento e a iluminação, como um fenômeno coletivo, será
precedida por grandes revoluções. Esse processo reflete o funcionamento de certas leis universais que governam
o crescimento da consciência e já previsto por alguns videntes. Ele é descrito, dentre outros lugares, no Livro
das Revelações ou Apocalipse, embora disfarçado em uma simbologia obscura e algumas vezes
incompreensível. Esse sofrimento não é imposto por Deus, mas pelos próprios humanos, assim como por certas
medidas defensivas que a Terra, que é um organismo vivo e inteligente, vai adotar para se proteger do ataque
furioso da loucura humana.
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Entretanto, existe um número crescente de seres humanos cuja conscientização está suficientemente
desenvolvida para não precisar de nenhum sofrimento adicional antes de alcançar a iluminação. Talvez você
seja um deles.
A iluminação através do sofrimento, o caminho da cruz, significa ser levado para o reino dos céus,
esperneando e gritando. Você finalmente se entrega porque já não suporta mais sofrer. A iluminação escolhida
conscientemente significa abandonar nossos apegos ao passado e ao futuro e fazer do Agora o ponto principal
da nossa vida. Significa escolher permanecer no estado de presença e não no tempo. Significa dizer sim àquilo
que é. Você já não precisa mais sofrer. De quanto tempo você precisa para ser capaz de dizer “Não vou mais
criar dores, nem sofrimentos”? Quanto você ainda tem que sofrer antes de fazer essa escolha?
Se você pensa que precisa de mais tempo, você terá mais tempo – e mais sofrimento. O tempo e o
sofrimento são inseparáveis.
O poder de escolher
Por que tantas pessoas escolhem o sofrimento? Tenho uma amiga cujo companheiro abusa fisicamente
dela e que já viveu o mesmo problema em uma relação anterior. Por que ela escolhe esse tipo de homem e por
que se recusa a sair dessa situação?
Sei que a palavra escolher é um termo muito usado na Nova Era, mas não é apropriado ao presente
contexto. É uma ilusão dizer que alguém “escolhe” um relacionamento problemático ou alguma outra situação
negativa na vida. Uma escolha sugere uma consciência, um alto grau de consciência. Sem ela, não há escolha. A
escolha começa no instante em que nos desidentificamos da mente e de seus padrões condicionados, o instante
em que nos tornamos presentes. Até alcançar esse ponto, você está inconsciente, espiritualmente falando.
Significa que você foi obrigado a pensar, sentir e agir de determinadas maneiras, de acordo com o
condicionamento da sua mente. É por isso que Jesus disse: “Perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem”.
Isso não está relacionado à inteligência no sentido convencional da palavra. Já encontrei inúmeras pessoas
altamente inteligentes e educadas que eram também completamente inconscientes, o que significa dizer,
completamente identificadas com suas mentes. Na verdade, se o desenvolvimento mental e o aumento do
conhecimento não são contrabalançados por um crescimento correspondente na consciência, o potencial para a
infelicidade e o desastre é muito grande.
Sua amiga está paralisada em um relacionamento com um parceiro abusivo e não é a primeira vez. Por
quê? Porque não escolheu. A mente, condicionada como é pelo passado, sempre busca recriar o que conhece e
com o que está familiarizada. Mesmo que seja doloroso, ao menos é familiar. A mente sempre se apega ao que
lhe é familiar. O desconhecido é perigoso porque ela não tem controle sobre ele. É por isso que a mente não
gosta do momento presente e prefere ignorá-lo. A percepção do momento presente cria um espaço, não somente
no fluxo da mente, mas também no contínuo do passado e futuro. Nada realmente novo e criativo pode
acontecer nesse mundo a não ser através desse espaço, um espaço nítido com infinitas possibilidades.
Portanto, sua amiga pode estar recriando um padrão aprendido no passado no qual a intimidade e o abuso
eram inseparavelmente relacionados. Por outro lado, ela pode estar representando um padrão mental aprendido
na infância, segundo o qual ela é alguém desprezível e merece ser punida. É também possível que ela viva
grande parte da vida através do sofrimento, que está sempre em busca de mais sofrimento para se alimentar. O
parceiro também tem seus próprios padrões inconscientes, que completam os dela. Quem criou essa situação? A
sua própria amiga, ou melhor, o falso eu interior dela, um padrão mental e emocional do passado, nada mais do
que isso. Se você lhe disser que ela escolheu essa situação, estará reforçando o estado de identificação dela com
a mente. Mas o padrão mental é ela? Sua verdadeira identidade é derivada do passado? Mostre à sua amiga
como ser a presença observadora por trás dos pensamentos e das emoções. Conte-lhe sobre o sofrimento e como
se libertar dele. Ensine-a a arte da percepção do corpo interior. Demonstre o sentido da presença. Assim que ela
for capaz de acessar o poder do Agora e, em conseqüência, romper com o passado condicionado, ela vai ter uma
escolha.
Ninguém escolhe o problema, a briga, o sofrimento. Ninguém escolhe a doença. Elas acontecem porque
não existe presença suficiente para dissolver o passado, ou luz suficiente para dispersar a escuridão. Você não
está aqui por inteiro. Você ainda não acordou. Nesse meio tempo, a mente condicionada está governando a sua
vida.
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Do mesmo modo, se você é uma das inúmeras pessoas que têm assuntos mal resolvidos com os pais, se
ainda guarda ressentimentos por alguma coisa que eles fizeram ou deixaram de fazer, então você ainda acredita
que eles tiveram uma escolha e que poderiam ter agido diferente. Sempre parece que as pessoas fizeram uma
escolha, mas isso é ilusão. Enquanto a sua mente, com os seus padrões de condicionamento, dirigir a sua vida,
enquanto você for a sua mente, que escolhas você tem? Nenhuma. Você não está nem ligando. O estado
identificado com a mente é altamente defeituoso. É uma forma de insanidade. Quase todas as pessoas estão
sofrendo dessa doença em vários graus. No momento em que você perceber isso, não haverá mais
ressentimento. Como você pode se ressentir com a doença de alguém? A única resposta adequada é compaixão.
Quer dizer que ninguém é responsável pelos atos que pratica? Não gosto dessa idéia.
Se você é governado pela mente, embora não tenha escolha, vai sofrer as conseqüências da sua
inconsciência e criar mais sofrimento. Você vai carregar o fardo do medo, das disputas, dos problemas e do
sofrimento. Até que o sofrimento force você, no final, a sair do seu estado de inconsciência.
O que você diz a respeito da escolha também se aplica ao perdão, suponho. Precisamos estar
inteiramente conscientes e entregues antes de poder perdoar.
“Perdão” é uma palavra que vem sendo usada há mais de dois mil anos, mas a maioria das pessoas tem
uma visão muito limitada do que ela significa. Não podemos perdoar a nós mesmos ou aos outros enquanto
extrairmos do passado o nosso sentido do eu interior. Somente acessando o poder do Agora, que é o seu próprio
poder, pode haver um verdadeiro perdão. Isso tira a força do passado e você percebe, profundamente, que nada
que você fez ou que os outros lhe fizeram poderia atingir, nem de leve, a radiante essência de quem você é.
Todo o conceito de perdão se torna então desnecessário.
E como chego a esse ponto de consciência?
Quando nos rendemos àquilo que é e assim ficamos inteiramente presentes, o passado deixa de ter
qualquer força. Não precisamos mais dele. A presença é a chave. O Agora é a chave.
Quando vou saber que me entreguei?
Quando você não precisar mais fazer essa pergunta.

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