terça-feira, 1 de setembro de 2009

capítulo oito

RELACIONAMENTOS ILUMINADOS
Entre no agora onde quer que você esteja
Sempre pensei que a verdadeira iluminação fosse algo impossível a não ser através do amor entre um
homem e uma mulher. Não é isso o que nos faz sentir completos? Como alguém pode ter uma vida plena sem
que isso aconteça?
A sua experiência pessoal já lhe mostrou que isso é verdade? Já aconteceu com você?
Ainda não, mas como poderia ser de outro modo? Sei que isso vai acontecer.
Em outras palavras, você está esperando por um acontecimento no tempo que venha lhe salvar. Não é
esse o erro principal que temos comentado? A salvação não está em lugar nenhum do tempo e do espaço. Está
aqui e agora.
O que quer dizer a frase “a salvação está aqui e agora”? Não entendo isso. Nem mesmo sei o que
significa salvação.
Muitas pessoas buscam prazeres físicos, ou formas variadas de gratificação psicológica, porque acreditam
que essas coisas trazem felicidade ou as libertam de uma sensação de medo ou de falta de alguma coisa. A
felicidade é vista como uma sensação intensa de vivacidade obtida através do prazer físico, ou como uma
sensação de um eu interior mais firme ou mais completo, obtida através de alguma forma de gratificação
psicológica. Essa é uma busca de salvação que tem origem num estado de insatisfação ou de insuficiência de
alguma coisa. Invariavelmente, a satisfação conseguida dessa maneira tem curta duração e, assim, a condição de
satisfação ou plenitude é geralmente projetada, mais uma vez, sobre um ponto imaginário, distante do aqui e
agora. “Quando eu conseguir isto ou me livrar daquilo, vou estar bem”. Essa é uma disposição mental
inconsciente, que cria a ilusão de salvação no futuro.
A verdadeira salvação é satisfação, paz, vida em toda a sua plenitude. É ser quem somos, sentir dentro de
nós o bem que não tem opositores, a alegria do Ser que não depende de nada que esteja fora de nós. Não é
sentida como uma experiência passageira, mas como uma presença permanente. Na linguagem dos que crêem
em Deus é “conhecer Deus”, não como algo externo a nós, mas sim como a nossa essência mais profunda. A
verdadeira salvação consiste em conhecermos a nós mesmos como parte inseparável da Vida Única, livre do
tempo e da forma, de onde se origina tudo o que existe.
A verdadeira salvação é um estado de liberdade – do medo, do sofrimento, de uma sensação de
insuficiência e de falta de alguma coisa e, portanto, de todos os desejos, necessidades, cobiça e dependência. É
libertar-se do pensamento compulsivo, da negatividade e, acima de tudo, do passado e do futuro como uma
necessidade psicológica. A nossa mente está dizendo que, do jeito que as coisas estão agora, não vamos
conseguir chegar lá. Tem de acontecer alguma coisa, ou temos de nos tornar isso ou aquilo. Ela está dizendo, na
verdade, que precisamos do tempo, que precisamos encontrar, negociar, fazer, conseguir, adquirir, compreender
ou nos tornar alguém, antes de nos sentirmos livres e satisfeitos. Vemos o tempo como um meio de salvação,
quando, na verdade, ele é o grande obstáculo para a salvação. Imaginamos que não podemos chegar lá a partir
do ponto em que estamos ou de quem somos neste momento, porque não nos sentimos ainda completos ou bons
o bastante. Mas a verdade é que o aqui e agora é o único ponto de partida para poder chegar lá. “Chegamos” lá
ao perceber que já estamos lá. Encontramos Deus no momento em que descobrimos que não precisamos
procurar Deus. Portanto, não existe apenas um caminho para a salvação. Várias circunstâncias podem ser
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usadas, não é necessário uma em particular. Entretanto, só existe um ponto de acesso: o Agora. Não existe
salvação longe deste momento. Você está só, sem uma companhia? Acesse o Agora a partir da sua solidão.
Você tem um relacionamento? Acesse o Agora a partir desse relacionamento.
Não existe nada que possamos fazer, ou obter, que nos aproxime mais da salvação do que o momento
presente. Não podemos fazer isso no futuro. Ou fazemos agora ou simplesmente não fazemos.
Relação de amor e ódio
A menos que você acesse a freqüência consciente da presença, todos os seus relacionamentos,
principalmente os mais íntimos, vão apresentar defeitos profundos. Durante um tempo, eles podem dar a
impressão de serem perfeitos, como quando estamos apaixonados, mas, invariavelmente, essa perfeição aparente
acaba destruída por discussões, conflitos, insatisfações e até mesmo por violência física e emocional, que passa
a acontecer com uma freqüência cada vez maior. Parece que a maioria dos “relacionamentos amorosos” não
leva muito tempo para se tornar uma relação de amor e ódio.
O amor pode se transformar em agressões furiosas, em sentimentos de hostilidade ou, num piscar de
olhos, em um completo recuo da afeição. Isso é visto como normal. Os relacionamentos, então, oscilam por um
tempo, por alguns meses ou anos, entre as polaridades de “amor” e ódio, e nos trazem muito prazer e muita dor.
Não é pouco comum que os casais se tornem viciados nesses ciclos. Esse tipo de drama nos faz sentir vivos.
Quando o equilíbrio entre as polaridades negativa e positiva é desfeito e os ciclos negativos e destrutivos
acontecem com freqüência e intensidade crescentes, não demora muito para o relacionamento acabar.
Pode parecer que tudo se resolveria se conseguíssemos eliminar os ciclos negativos e destrutivos,
permitindo que o relacionamento florescesse sem problemas, mas isso não é possível. As polaridades são
mutuamente interdependentes. Não podemos ter uma sem a outra. A positiva já contém dentro de si a negativa,
ainda não manifestada. Ambas são, na verdade, aspectos diferentes de um mesmo sistema defeituoso. Estou
tratando aqui dos chamados relacionamentos românticos, não do verdadeiro amor, que não possui opositores
porque nasce além da mente. O amor como um estado permanente ainda é raro de encontrar, tão raro quanto a
consciência nos seres humanos. Entretanto, é possível haver lampejos breves e ilusórios de amor, sempre que
existir um espaço no fluxo da mente.
O lado negativo de um relacionamento é mais facilmente reconhecido como um defeito ou anormalidade
do que o positivo. E é muito mais fácil reconhecer a fonte da negatividade no parceiro do que vê-la em nós
mesmos. Ela pode se manifestar de várias formas, tais como possessividade, ciúme, controle, ressentimento,
insensibilidade e egocentrismo, cobranças emocionais e manipulação, raiva e violência física, necessidade de ter
sempre razão, de discutir, criticar, julgar, culpar, agredir, irritar, ou se vingar, inconscientemente, de um
sofrimento do passado imposto por um dos pais.
Pelo lado positivo, há uma “paixão” pela outra pessoa. No primeiro momento, esse é um estado altamente
gratificante. Sentimos que estamos intensamente vivos. Nossa existência passa a ter um significado porque, de
repente, alguém precisa de nós, nos deseja, e nos faz sentir especial. Além disso, provocamos as mesmas
sensações no outro, o que faz com que os dois se sintam completos. O sentimento pode se tornar tão intenso que
o resto do mundo perde o significado.
Você deve ter percebido que existe uma certa dependência nessa intensidade. Ficamos viciados na outra
pessoa, que age sobre nós como uma droga. Quando a droga está disponível, nos sentimos muito bem. Mas a
possibilidade, ainda que remota, de que ela não esteja mais ali, disponível para nós, pode levar ao ciúme, à
possessividade, a tentativas de manipulação através de chantagem emocional, culpa ou acusações – o que, no
fundo, é o medo da perda. Se a outra pessoa nos abandonar mesmo, pode fazer nascer a mais intensa hostilidade,
ou um profundo desespero. Em segundos, a ternura amorosa pode dar lugar à agressão selvagem ou a um
desgosto terrível. Onde é que está o amor agora? Será que o amor pode se transformar no seu oposto em
segundos? Será que era amor de verdade ou um vício, uma dependência?
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O vício e a busca da plenitude
Por que nos viciaríamos na outra pessoa?
O desejo de ter um relacionamento amoroso é universal porque as pessoas acreditam que a paixão, o
“amor”, pode libertá-las do medo, da necessidade e do vazio que fazem parte da condição humana em seu
estado de pecado e não iluminação. Existe uma dimensão física e outra psicológica para esse estado.
No nível físico, é obvio que não somos um todo, nem jamais seremos. Cada um de nós é homem ou
mulher, o que vale dizer, uma metade de um todo. Nesse nível, o desejo de ser completo, de retornar à unidade,
se manifesta através da atração entre homem e mulher. É um impulso quase irresistível de união com a
polaridade oposta de energia. A raiz desse impulso físico é espiritual, porque nele está o desejo ardente do fim
de uma dualidade, de um retorno ao estado de completude. A união sexual é o mais perto que podemos chegar
desse estado no nível físico. Essa é a razão pela qual ela é a experiência mais satisfatória que o reino físico pode
nos oferecer. Mas a união sexual não passa de um lampejo breve de plenitude, um instante abençoado. Enquanto
ela for inconscientemente vista como um meio de salvação, você a verá como o fim da dualidade no nível da
forma, um lugar onde ela não pode ser encontrada. Você teve um lampejo do paraíso, mas não pode ficar ali e se
percebe, de novo, em um corpo separado.
No nível psicológico, a sensação de falta, de não estar completo, é até maior do que no nível físico.
Enquanto houver uma identificação com a mente, o sentido do eu interior é dado pelas coisas externas. Isso
significa que você extrai o sentido de quem você é de coisas que não têm nada a ver com quem você realmente
é, como o seu papel na sociedade, suas propriedades, sua aparência externa, seus sucessos e fracassos, seus
sistemas de crenças, etc. Esse eu interior falso, o ego construído pela mente, sente-se vulnerável, inseguro e está
sempre em busca de coisas novas com as quais se identificar, para obter a sensação de que ele existe. Mas nada
é suficiente para lhe dar uma satisfação duradoura. O medo permanece. A sensação de falta e de necessidade
permanecem.
Então acontece aquele relacionamento especial. Parece ser a resposta para todos os problemas do ego,
parece preencher todas as nossas necessidades. Todas aquelas outras coisas das quais você tinha extraído o
sentido do eu interior se tornam relativamente insignificantes. Você agora tem um ponto focal que substitui
todos os outros, que dá sentido à sua vida e até define a sua identidade: a pessoa por quem você se “apaixonou”.
Você não é mais um fragmento isolado em um mundo insensível. Seu mundo agora tem um centro, a pessoa
amada. O fato de que o centro está fora de você – e, portanto, você ainda tem um sentido de eu interior derivado
das coisas externas – parece não importar muito num primeiro momento. O que importa é que aquelas sensações
de medo, falta, vazio e insatisfação não estão mais presentes. Ou será que estão? Será que elas desapareceram
ou continuam a existir por baixo da aparente felicidade?
Se em seus relacionamentos você vivenciou tanto o “amor” quanto o seu oposto, então é provável que
você esteja confundindo o apego do ego e a dependência com amor. Não se pode amar alguém em um momento
e atacar essa pessoa no momento seguinte. O verdadeiro amor não tem oposto. Se o seu “amor” tem oposto,
então não é amor, mas uma grande necessidade do ego de obter um sentido mais profundo e mais completo do
eu interior, uma necessidade que a outra pessoa preenche temporariamente. É uma forma de substituição que o
ego encontrou e, por um curto período, ela parece ser mesmo a salvação.
Chega então um momento em que o outro passa a se comportar de um modo que deixa de preencher as
nossas necessidades, ou melhor, as necessidades do nosso ego. As sensações de medo, sofrimento e falta, que
estavam encobertas pelo “relacionamento amoroso”, voltam a aparecer. Como acontece com qualquer vício,
ficamos muito bem enquanto a droga está disponível, mas chega um momento em que a droga não funciona
mais. Quando essas dolorosas sensações de medo reaparecem, nós as sentimos mais fortes do que antes e
passamos a ver o outro como a causa de todos essas sensações. Isso significa que estamos projetando no outro
essas sensações, por isso nós o agredimos com toda a violência que é parte do nosso sofrimento. Essa agressão
pode despertar o sofrimento do outro, que é induzido a contra-atacar. Nesse ponto, o ego ainda está,
inconscientemente, esperando que a agressão ou a tentativa de manipulação seja suficiente para levar o outro a
mudar o comportamento, de forma que possa usá-lo, de novo, para encobrir seu sofrimento.
Todo vício surge de uma recusa inconsciente de encararmos nossos próprios sofrimentos. Todo vício
começa no sofrimento e termina nele. Qualquer que seja o vício – álcool, comida, drogas legais ou ilegais, ou
mesmo uma pessoa – ele é um meio que usamos para encobrir o sofrimento. Essa é a razão por que, passada a
euforia inicial, existe tanta infelicidade, tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Eles não causam o
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sofrimento e a infelicidade. Eles trazem à superfície o sofrimento e a infelicidade que já estão dentro de nós.
Todo vício faz isso.. Todo vício chega a um ponto em que já não funciona mais para nós e, então, sentimos o
sofrimento mais forte do que nunca.
Essa é uma razão pela qual muitas pessoas estão sempre tentando escapar do momento presente e
buscando algum tipo de salvação no futuro. A primeira coisa que devem encontrar, caso focalizem a atenção no
Agora, é o próprio sofrimento que carregam, e é isso o que mais temem. Se ao menos soubessem como, no
Agora, é fácil acessar o poder da presença que dissolve o passado e o sofrimento. Se ao menos soubessem como
estão perto da própria realidade, como estão perto de Deus.
Evitar se relacionar como uma tentativa de evitar o sofrimento também não é a resposta. O sofrimento
está lá, de qualquer jeito. Três relacionamentos infelizes em alguns anos têm mais probabilidades de forçar você
a acordar do que três anos em uma ilha deserta ou trancafiado em seu quarto. Mas, se você pudesse colocar uma
presença intensa em sua solidão, isso também funcionaria para você.
Transformando as relações viciadas em relações iluminadas
Podemos transformar um relacionamento viciado em um relacionamento verdadeiro?
Sim, se estivermos presentes e aumentarmos a nossa presença, concentrando a atenção cada vez mais
fundo no Agora. A chave do segredo será sempre essa, não importa se você está vivendo só ou com alguém.
Para o amor florescer, a luz da nossa presença tem de ser forte o bastante, de modo a impedir que o pensador ou
o sofrimento do corpo nos domine. Saber que cada um de nós é o Ser por baixo do pensador, a serenidade por
baixo do barulho mental, o amor e a alegria por baixo da dor, significa liberdade, salvação e iluminação. Pôr fim
à identificação com o sofrimento do corpo é trazer a presença para o sofrimento e, assim, transformá-lo. Pôr fim
à identificação com o pensamento é ser o observador silencioso dos próprios pensamentos e atitudes, em
especial dos padrões repetitivos gerados pela mente e dos papéis desempenhados pelo ego.
Se paramos de injetar “auto-suficiência” na mente, ela perde sua qualidade compulsiva, que é o impulso
para julgar e, desse modo, criar uma resistência ao que é, dando origem a conflitos, tragédias e novos
sofrimentos. Na verdade, no momento em que paramos de julgar, no instante em que aceitamos aquilo que é,
ficamos livres da mente e abrimos espaço para o amor, para a alegria e para a paz. Em primeiro lugar, paramos
de nos julgar, depois paramos de julgar o outro. O grande elemento catalisador para mudarmos um
relacionamento é a completa aceitação do outro do jeito que ele é, sem querermos julgar ou modificar nada. Isso
nos leva imediatamente para além do ego. Nesse momento, todos os jogos mentais e toda a dependência viciada
deixam de existir. Não existe mais vítima nem agressor, acusador nem acusado. Esse é também o fim da
dependência, de uma atração pelo padrão inconsciente do outro. Você, então, ou vai se afastar – com amor – ou
penetrar cada vez mais fundo no Agora junto com o outro. É simples assim.
O amor é um estado do Ser. Não está do lado de fora, está bem lá dentro de nós. Não temos como perdêlo
e ele não consegue nos deixar. Não depende de um outro corpo, de nenhuma forma externa. Na serenidade do
estado de presença, podemos sentir a nossa própria realidade sem forma e sem tempo, que é a vida não
manifesta que dá vitalidade à nossa forma física. Conseguimos, então, sentir essa mesma vida lá no fundo de
outro ser humano, de cada criatura. Conseguimos enxergar além do véu opaco da forma e da desunião. Essa é a
realização da unidade. Isso é amor.
O que é Deus? A eterna Vida Única debaixo de todas as formas de vida. a que é o amor? Sentir
profundamente a presença dessa Vida Única em nós e dentro de todas as criaturas. Portanto, todo amor é o amor
de Deus.
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O amor não é seletivo, assim como a luz do sol não é seletiva. Não torna ninguém especial. Não é
exclusivo. A exclusividade não tem a ver com o amor de Deus, mas com o “amor” do ego. Entretanto, a
intensidade do amor pode variar. Pode haver uma pessoa que atue como um espelho do amor que você dirige a
ela e que o devolva de modo mais claro e mais intenso do que outras e, se essa pessoa sente o mesmo em relação
a você, pode-se dizer que as duas têm um relacionamento amoroso. O vínculo que liga as duas pessoas é o
mesmo vínculo que nos liga à pessoa sentada ao nosso lado no ônibus, ou a um pássaro, a uma árvore, a uma
flor. Só o que diferencia é o grau de intensidade com que o sentimos.
Mesmo em um relacionamento tido como viciado, podem existir momentos em que alguma coisa mais
real se destaca, algo além das necessidades doentias do casal. São momentos em que a sua mente e a do outro
cedem por um curto período e o sofrimento do corpo fica, temporariamente, adormecido. Isso pode acontecer
durante uma relação física mais intensa, ou quando o casal está presenciando o milagre do nascimento de uma
criança, ou na presença da morte, ou quando um dos dois está seriamente doente, ou qualquer coisa que faça a
mente perder a força. Nessas ocasiões, o Ser, normalmente escondido debaixo da mente, se revela e torna
possível o verdadeiro entendimento.
O verdadeiro entendimento é uma comunhão, a realização da unidade, que é o amor. Normalmente, esse
entendimento desaparece rapidamente. Tão logo a mente e a identificação da mente reaparecem, deixamos de
ser quem somos e voltamos a brincar e a representar para satisfazer as necessidades do ego. Voltamos, de novo,
a ser uma mente humana, fingindo ser um ser humano, interagindo com outra mente, representando um drama
chamado “amor”.
Embora possa haver curtos lampejos, o amor não consegue florescer, a menos que estejamos
permanentemente livres da identificação com a mente e que a presença seja bastante intensa para dissolver o
sofrimento do corpo. Assim, o sofrimento não consegue nos dominar e destruir o amor.
Relacionamentos como prática espiritual
Quando a mente e todas as estruturas sociais, políticas e econômicas que ela criou entram no estágio final
de colapso, os relacionamentos entre homens e mulheres refletem o profundo estado de crise no qual a
humanidade se encontra atualmente. Como os seres humanos têm se identificado cada vez mais com a mente, a
maioria dos relacionamentos não tem as raízes fincadas no Ser. Por isso, se transformam em fonte de sofrimento
e passam a ser dominados por problemas e conflitos.
Nos dias de hoje, milhões de pessoas vivem sós ou criam os filhos sozinhas, por se sentirem incapazes de
estabelecer um relacionamento íntimo ou por não desejarem repetir os dramas doentios de relações anteriores.
Outras passam de um relacionamento para outro, de um ciclo de prazer-e-dor para outro, em busca de uma
satisfação ilusória, através da união com a polaridade de energia oposta. Outras continuam a viver juntas em um
relacionamento em que prevalece a negatividade, em nome dos filhos ou da segurança, pela força do hábito, por
medo de ficarem sós, por algum outro acordo “vantajoso” para o casal, ou até mesmo pelo vício inconsciente da
excitação provocada pelo sofrimento ou drama emocional.
Porém, toda crise representa não só perigo, mas também oportunidade. Se os relacionamentos energizam
e elevam os padrões da mente egóica e ativam o sofrimento do corpo, como está acontecendo agora, por que não
aceitar esse fato em vez de tentar escapar dele? Por que não cooperar com ele em vez de evitar relacionamentos
ou continuar a perseguir a ilusão de uma companhia ideal, como uma resposta para os problemas ou um meio de
encontrar satisfação? A oportunidade escondida dentro de cada crise não se manifesta, até que sejam conhecidos
e aceitos todos os fatos, de qualquer tipo, relacionados a uma situação. Enquanto você negá-los, tentar fugir
deles ou desejar que as coisas sejam diferentes, a janela da oportunidade não se abre, e você permanece preso
àquela situação, que vai continuar a mesma ou vai se deteriorar mais adiante.
O conhecimento e a aceitação dos fatos trazem também um certo grau de distanciamento deles. Por
exemplo, quando você sabe que existe desarmonia e retém esse “saber”, significa que surgiu um novo fator
através do seu saber e que a desarmonia não poderá se manter inalterada. Quando você sabe que não está em
paz, o seu saber cria um espaço de serenidade que envolve a falta de paz em um abraço terno e amoroso, e então
transforma a falta de paz em paz. No que se refere à transformação interior, não há nada que você possa fazer a
respeito. Você não pode transformar a si mesmo, e é claro que não pode transformar seu companheiro ou
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qualquer pessoa. Tudo que você pode fazer é criar um espaço para a transformação acontecer, para a graça e o
amor penetrarem.
Portanto, sempre que o seu relacionamento não estiver bom, sempre que fizer aflorar a “loucura” em você
e em seu parceiro, fique feliz. O que estava inconsciente está vindo à luz. É uma chance de salvação. Sustente, a
cada instante, o saber de cada momento, em especial o do seu estado interior. Se houver raiva, saiba que é raiva.
Se houver ciúme, defesa, um impulso para discutir, uma necessidade de ter sempre razão, uma criança interior
reclamando amor e atenção, ou um sofrimento emocional de qualquer tipo, seja o que for, saiba a realidade do
momento e sustente esse conhecimento. O relacionamento passa a ser o seu sadhana, a sua prática espiritual. Se
você notar um comportamento inconsciente no parceiro, prenda-o no abraço amoroso do seu saber, de modo que
você não tenha uma reação. A inconsciência e o conhecimento não conseguem conviver por muito tempo,
mesmo que o conhecimento esteja só com uma pessoa e a outra não tenha consciência do que está fazendo. A
forma de energia que existe por trás da agressão e da hostilidade acha a presença do amor absolutamente
insuportável. Se você reage à inconsciência do seu parceiro, você também fica inconsciente. Mas se você ficar
alerta à sua reação, nada está perdido.
A humanidade está sob uma grande pressão para se desenvolver, porque é a sua única chance de
sobreviver como raça. Isso vai afetar cada aspecto da nossa vida e de nossos relacionamentos. Nunca antes os
relacionamentos foram tão problemáticos e oprimidos por conflitos como hoje em dia. Você deve ter notado que
eles não aparecem para nos fazer felizes ou satisfeitos. Se você continuar buscando um relacionamento como
forma de salvação, vai se desiludir cada vez mais. Mas, se você aceitar que o relacionamento está aqui para
tornar você consciente em lugar de feliz, então o relacionamento vai lhe oferecer a salvação e você estará se
alinhando com a mais alta consciência que quer nascer neste mundo. Para os que se mantiverem apegados aos
padrões antigos, haverá cada vez mais sofrimento, violência, confusão e loucura.
Suponho que sejam necessárias duas pessoas para transformar um relacionamento em uma prática
espiritual, conforme você sugeriu. O meu parceiro, por exemplo, continua com suas antigas atitudes de ciúme e
controle. Já chamei a atenção para isso inúmeras vezes, mas ele é incapaz de perceber.
Quantas pessoas são necessárias para transformar a sua vida em uma prática espiritual? Não se incomode
caso o parceiro não queira cooperar. É através de você que a sanidade, ou seja, a consciência, consegue chegar a
este mundo. Você não tem de esperar o mundo se curar, ou alguém se tornar consciente, antes de poder alcançar
a iluminação. Pode ter de esperar para sempre. Não acuse o outro de não ter consciência. No momento em que a
discussão começar, é sinal de que você passou a se identificar com uma posição mental e a defender não só
aquela posição, mas também o seu sentido do eu interior. O ego está no comando. Você acabou de ficar
inconsciente. Às vezes, isso pode servir para apontar certos aspectos do comportamento do parceiro. Se você
estiver muito alerta, muito presente, pode agir sem o envolvimento do ego: sem culpar, acusar, ou fazer o outro
se sentir errado.
Se o outro se comportar de modo inconsciente, abandone qualquer julgamento. O julgamento tanto serve
para as pessoas confundirem o comportamento inconsciente com quem elas são de verdade quanto para projetar
a própria inconsciência sobre a outra pessoa e se enganar por causa disso sobre quem elas são. Abandonar
qualquer julgamento não significa não reconhecer a disfunção e a inconsciência quando se deparar com ela.
Significa “ser o saber”, e não “ser a reação” e o juiz. Você não vai nem querer reagir ou poderá reagir e ainda
assim ser o saber, o espaço no qual a reação é observada e onde ela se permite existir. Em vez de brigar com o
escuro, você traz a luz. Em vez de reagir a uma desilusão, você vê a desilusão, mas, ao mesmo tempo, enxerga
através dela. Ser o saber cria um espaço nítido de presença amorosa que permite a todas as coisas e pessoas
serem como são. Não existe maior catalisador para que a transformação aconteça. Se você adotar essa prática, o
outro não conseguirá ficar com você e permanecer inconsciente.
Se os dois concordarem em fazer do relacionamento uma prática espiritual do casal, tanto melhor. Podem
contar ao outro os pensamentos e sentimentos tão logo apareçam, ou assim que uma reação desponte, de forma
que não haja tempo para surgir um espaço em que uma emoção não dita, ou desconhecida, ou uma queixa,
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possam se agravar e se desenvolver. Aprenda a expressar os seus sentimentos sem culpar ninguém. Aprenda a
ouvir o parceiro de um modo aberto, sem reservas. Dê ao parceiro espaço para se expressar. Esteja presente.
Acusar, defender, atacar – todos esses padrões destinados a fortalecer ou proteger o ego ou a atender às
necessidades dele irão se tornar supérfluos. Dar espaço aos outros – e a si mesmo – é fundamental. O amor não
consegue florescer sem isso. Quando você tiver removido os dois fatores que destroem os relacionamentos e o
seu parceiro tiver feito o mesmo, vocês vão sentir a alegria do desabrochar do relacionamento. Em vez de
refletir o sofrimento e a inconsciência, em vez de satisfazer as necessidades mútuas viciadas do ego, vocês vão
refletir para o outro o amor que sentem lá no fundo, que surge com a realização da unidade de cada ser com tudo
o que existe. Esse é o amor que não tem opositores.
Se o seu parceiro continua identificado com a mente e com o sofrimento, mas você já se libertou deles,
vai ser um grande desafio. Não para você, mas sim para ele. Não é fácil conviver com uma pessoa iluminada, ou
melhor, é tão fácil que o ego acha extremamente ameaçador. Lembre-se de que o ego precisa de problemas,
disputas e “inimigos” para fortalecer o sentido de separação de onde tira a sua identidade. A mente do parceiro
não iluminado ficará profundamente frustrada porque não encontrará resistência às suas posições rígidas, o que
significa que ela vai se tornar insegura e enfraquecida, além do “perigo” de essas posições desabarem todas
juntas, resultando na perda do eu interior. O sofrimento do corpo pedirá uma resposta, mas não irá obtê-la. Sua
necessidade de discussões, dramas e disputas não será atendida. Mas atenção: algumas pessoas que são
fechadas, retraídas, insensíveis, ou distanciadas dos sentimentos podem imaginar que são iluminadas e tentar
convencer os outros disso. Elas podem sustentar que não existe “nada errado” com elas e que o erro está no
parceiro. Os homens têm mais tendência a agir assim do que as mulheres. Talvez vejam suas mulheres como
irracionais ou emocionais. Mas, se você consegue sentir suas emoções, não está muito distante do radiante eu
interior que está logo ali sob elas. Se você age mais com a cabeça, a distância é muito maior e você vai precisar
colocar emoção no corpo antes de poder alcançar o corpo interior.
Se não houver uma emanação de amor e de alegria, uma presença completa e uma abertura na direção de
todos os seres, então não é iluminação. Outro fator indicativo é o modo da pessoa se comportar em situações
difíceis ou desafiadoras, ou quando as “coisas vão mal”. Se a sua “iluminação” é uma ilusão egóica do eu
interior, a vida logo vai lhe aprontar um desafio, que fará aflorar a inconsciência sob qualquer forma – medo,
raiva, defesa, julgamento, depressão, etc. Se você estiver em um relacionamento, muitos desses desafios vão se
manifestar através do seu parceiro. Por exemplo, uma mulher pode ser desafiada por um homem indiferente, que
vive quase exclusivamente em seu próprio mundo. O desafio está na inabilidade dele em ouvi-Ia, em não dar a
ela atenção e espaço para ser alguém, decorrente da falta de presença dele. A ausência de amor no
relacionamento, que normalmente é mais percebida pela mulher do que pelo homem, vai desencadear o
sofrimento na mulher. Através dele, ela vai atacar o parceiro: culpando-o, criticando-o, atribuindo-lhe o erro,
etc. Agora, o desafio passou a ser dele. Para se defender contra a agressão desencadeada pelo sofrimento dela,
que considera totalmente sem razão, ele vai se aferrar, cada vez mais, às suas posições mentais, enquanto se
justifica, se defende ou contra-ataca. Isso, no fim, pode até mesmo vir a ativar o sofrimento dele. Quando as
duas partes foram dominadas, é sinal que atingiram um nível de profunda inconsciência. Isso não vai ceder até
que as duas partes tenham se abastecido de muito sofrimento e entrado então no estágio de calmaria. Até que
tudo volte a acontecer.
Cada desafio como o que descrevi acima contém uma oportunidade disfarçada para atingirmos a salvação.
Por exemplo, a hostilidade da mulher pode se tornar um sinal para o homem sair do seu estado identificado com
a mente, despertar no Agora, estar presente – em vez de ficar cada vez mais inconsciente. Em vez de “ser” o
sofrimento, a mulher poderia ser o saber que observa o sofrimento emocional em si mesma, acessar o poder do
Agora e iniciar a transformação do sofrimento. Isso iria evitar a projeção compulsiva e automática do
sofrimento para o mundo exterior. Poderia expressar seus sentimentos para o seu parceiro. Naturalmente, não há
uma garantia de que ele vá escutar, mas é uma boa oportunidade para ele se tornar presente e quebrar o ciclo
doentio de uma representação involuntária de seus velhos padrões mentais. Se a mulher perder essa
oportunidade, o homem poderá observar a sua própria reação emocional e mental ao sofrimento dela, a maneira
como ele se coloca na defensiva, em vez de ser a reação. Poderá então identificar o momento em que começa o
seu próprio sofrimento e trazer consciência às suas emoções. Assim, um espaço de consciência pura, claro e
sereno, passaria existir – o saber, a testemunha silenciosa, o observador. Essa consciência não nega o sofrimento
e, mais que isso, está além dele. Permite que o sofrimento aconteça, ao mesmo tempo que o transforma. Ela tudo
aceita e tudo transforma. A mulher poderia facilmente se juntar a ele nesse espaço, através da porta que acabou
de ser aberta.
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Por que as mulheres estão mais próximas da iluminação
Os obstáculos para a iluminação são os mesmos para homens e mulheres?
São, mas com uma ênfase diferente. De uma maneira geral, é mais fácil para uma mulher sentir e estar em
seu corpo, e, portanto, ela é naturalmente mais próxima do Ser e potencialmente mais próxima da iluminação do
que o homem. Essa é a razão pela qual muitas culturas antigas instintivamente escolhiam figuras ou analogias
femininas para representar ou descrever a realidade transcendental e sem forma. Eram vistas como o ventre que
dá à luz a todas as coisas, as sustenta e as alimenta durante a vida como forma. No Tao Te Ching, um dos livros
mais antigos e profundos escrito em todos os tempos, o Tao, que pode ser traduzido como o Ser, é descrito
como “infinito, eternamente presente, a mãe do universo”. Naturalmente, as mulheres estão mais próximas dele
do que os homens porque elas “corporificam” o Não Manifesto. Além disso, todas as criaturas e todas as coisas,
no final, voltam à Fonte. “Todas as coisas se desfazem no Tao. Só ele permanece”. Como a fonte é vista como
feminina, ela é representada na psicologia e na mitologia como os lados claro e escuro do arquétipo feminino. A
Deusa ou Mãe Divina tem dois aspectos: dá e tira a vida.
Quando a mente tomou o poder e os seres humanos perderam contato com a realidade da essência divina,
eles começaram a pensar sobre Deus como uma figura masculina. A sociedade passou a ser dominada pelos
homens, e as mulheres foram subordinadas a eles.
Não estou sugerindo um retorno às primeiras representações femininas da divindade. Muitas pessoas
empregam atualmente a palavra Deusa em vez de Deus. Estão dando uma nova roupagem ao equilíbrio entre
homem e mulher, perdido há muito tempo, e isso é bom. Porém, ainda é uma representação e um conceito,
talvez com alguma utilidade temporária, assim como um mapa ou um sinal é útil por um tempo, embora
funcione mais como um impedimento do que como uma ajuda, quando alguém está pronto para perceber a
realidade existente além de todos os conceitos e imagens. O que permanece mesmo verdade, entretanto, é que a
freqüência de energia da mente parece ser essencialmente masculina. A mente resiste, briga pelo controle, usa,
manipula, agride, tenta se apoderar e possuir, etc. Essa é a razão pela qual o Deus tradicional é uma figura
patriarcal, uma autoridade controladora, um homem sempre furioso, que devemos temer, como sugere o Velho
Testamento. Esse Deus é uma projeção da mente humana.
Para irmos além da mente e nos religarmos à profunda realidade do Ser, são necessárias qualidades muito
diferentes: entrega, não julgamento, uma abertura que permita a vida existir em vez de resistir, a capacidade de
sustentar todas as coisas no amoroso abraço do saber. Todas essas qualidades têm muito mais a ver com o
princípio feminino. Onde a energia da mente é pesada e rígida, a energia do Ser é leve e macia, mas ainda assim
é muito mais poderosa do que a mente. A mente governa a nossa civilização, enquanto o Ser é o encarregado de
todas as formas de vida em nosso planeta e além dele. O Ser é a própria Inteligência cuja manifestação visível é
o universo físico. Embora as mulheres estejam potencialmente mais próximas dele, os homens também
conseguem ter acesso a ele, dentro de si mesmos.
Neste momento, a imensa maioria dos homens e das mulheres ainda está sob o domínio da mente. É ela
que impede a iluminação e o florescimento do amor. Como regra geral, o maior obstáculo para os homens tende
a ser a mente pensante, enquanto o maior obstáculo para as mulheres é o sofrimento, embora em casos isolados
o oposto possa ser verdade, e em outros os dois fatores possam ter o mesmo peso.
Dissolvendo o sofrimento coletivo feminino
Por que o sofrimento é um obstáculo maior para as mulheres?
O sofrimento, em geral, tem um aspecto coletivo e um individual. O aspecto pessoal é o resíduo
acumulado de problemas e sofrimentos emocionais que a própria pessoa vivenciou no passado. O aspecto
coletivo é o sofrimento acumulado na psique da humanidade por milhares de anos, através de doenças, torturas,
guerras, assassinatos, crueldades, loucuras, etc. O sofrimento de cada um de nós também participa desse
sofrimento coletivo. Por exemplo, certas raças ou países, onde ocorrem formas extremas de lutas e de violência,
possuem um sofrimento coletivo mais intenso do que outros. Qualquer pessoa com um forte sofrimento e sem
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consciência bastante para se desligar dele não só será forçada, de modo contínuo ou periódico, a reviver o
sofrimento emocional, mas também pode facilmente se tornar autor ou vítima da violência. Por outro lado, essas
pessoas também podem estar potencialmente mais próximas da iluminação. Claro que esse potencial nem
sempre se realiza, mas, se você tiver um pesadelo, provavelmente terá mais motivos para despertar do que
alguém que acabou de ter um sonho comum sobre as dificuldades da vida.
Além do sofrimento pessoal, cada mulher tem participação naquilo que pode ser descrito como o
sofrimento feminino coletivo, a menos que ela esteja plenamente consciente. Consiste no sofrimento acumulado
vivido por cada mulher, em parte pela dominação dos homens sobre as mulheres, pela escravidão, exploração,
estupro, partos, perda dos filhos, etc., durante milhares de anos. O sofrimento físico e emocional, que para
muitas mulheres precede e coincide com o fluxo menstrual, é o sofrimento em seu aspecto coletivo despertando
da sua dormência naquele momento, embora possa ser detonado também em outras ocasiões. Ele restringe o
livre fluxo de energia vital através do corpo, da qual a menstruação é uma manifestação física. Vamos nos deter
um pouco nesse assunto e ver como pode se tornar uma oportunidade para a iluminação.
Com freqüência, a mulher é “dominada” pelo sofrimento físico e emocional nesse período. Ele tem uma
carga energética poderosa, que pode facilmente empurrá-la para uma identificação inconsciente com ele. Você
é, então, possuída por um campo de energia que ocupa o seu espaço interior e finge ser você – mas não é você
de jeito nenhum. Ele fala através de você, age através de você, pensa através de você. Vai criar situações
negativas em sua vida de tal modo que ele possa se alimentar da energia. Já descrevi esse processo. Ele pode ser
vicioso e destrutivo. É o sofrimento puro, o sofrimento do passado, e não é você.
O número de mulheres que estão se aproximando do estado de consciência plena já ultrapassa o dos
homens e vai crescer ainda mais rápido nos próximos anos. Os homens poderão alcançá-las no final, mas por
um tempo considerável haverá uma distância entre a consciência masculina e a feminina. As mulheres estão
recuperando a função que é um direito natural delas: ser uma ponte entre o mundo manifesto e o Não Manifesto,
entre a materialidade e o espírito. A sua tarefa principal agora, como mulher, é transformar o sofrimento de
forma que ele não mais se interponha entre você e o seu verdadeiro eu interior. Naturalmente, você também tem
de lidar com o outro obstáculo à iluminação, que é a mente pensante, mas a presença intensa que você produz
quando lida com o sofrimento também vai libertá-la da identificação com a mente.
A primeira coisa para lembrar é que, enquanto você construir a sua identidade em função do sofrimento,
não conseguirá se livrar dele. Enquanto investir uma parte do seu sentido de eu interior no seu sofrimento
emocional, você vai resistir ou sabotar, inconscientemente, cada tentativa para curar o sofrimento. Por quê?
Porque você quer se manter inteiro e o sofrimento se tornou uma parte essencial de você. Esse é um processo
inconsciente e o único caminho para superá-lo é torná-lo consciente.
Perceber, de repente, que você está ou tem estado presa ao sofrimento pode lhe causar um choque. No
momento em que percebe isso, você acabou de romper com a ligação. O sofrimento é um campo de energia,
quase como uma entidade que se alojou temporariamente no seu espaço interior. É a energia da vida que foi
aprisionada, uma energia que não está mais fluindo. Claro que o sofrimento está ali por causa de certas coisas
que aconteceram no passado. Ele é o passado vivo em você. E, se você se identifica com ele, se identifica com o
passado. Uma identidade-vítima acredita que o passado é mais poderoso do que o presente, o que não é verdade.
É a crença de que outras pessoas e o que fizeram a você são responsáveis pelo que você é hoje, pelo seu
sofrimento emocional, ou por sua incapacidade de ser o verdadeiro eu interior. A verdade é que o único poder
está bem aqui neste momento: o poder da sua presença. Uma vez que saiba disso, perceberá também que só você
é responsável pelo seu espaço interior neste momento e que o passado não consegue prevalecer contra o poder
do Agora.
Portanto, a identificação impede você de lidar com o sofrimento. Algumas mulheres, conscientes o
bastante para abandonar a identidade de vítima no nível pessoal, ainda estão presas a uma identidade coletiva de
vítima, que atribuem ao que “os homens fizeram às mulheres”. Elas estão certas, mas também estão erradas.
Estão certas porque o sofrimento coletivo feminino é, em grande parte, decorrente da violência masculina
infligida às mulheres, bem como da repressão dos princípios femininos por todo o planeta, durante milênios.
Estão erradas se extraírem o sentido do eu interior desse fato e, assim, se mantiverem aprisionadas em uma
identidade coletiva de vítima. Se uma mulher continua agarrada à raiva, a ressentimentos ou condenações, ela
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continua agarrada ao seu sofrimento. Isso pode dar a ela um reconfortante sentido de identidade, de
solidariedade com outras mulheres, mas a mantém escravizada ao passado e bloqueia um acesso integral à sua
essência e ao poder verdadeiro. Se as mulheres se afastam dos homens, favorecem um sentido de separação e,
portanto, um fortalecimento do ego. E quanto mais forte o ego, mais distante você está da sua verdadeira
natureza.
Assim, não use o sofrimento para criar uma identidade. Use-o, em vez disso, para a iluminação.
Transforme-o em consciência. Uma das melhores épocas para fazer isso é durante a menstruação. Acredito que,
nos próximos anos, muitas mulheres irão atingir o estado de consciência plena durante esse período.
Normalmente, esse é um tempo de inconsciência para muitas mulheres, porque são dominadas pelo sofrimento
coletivo feminino. Entretanto, você pode reverter isso uma vez que tenha alcançado um determinado nível de
consciência, e assim, em vez de se tornar inconsciente, você fica mais consciente. Já descrevi antes esse
processo básico, mas vou apresentá-lo de novo, desta vez com uma referência especial ao sofrimento coletivo
feminino.
Quando você percebe que o período menstrual está se aproximando, antes mesmo de sentir os primeiros
sinais do que é comumente chamada tensão pré-menstrual, o despertar do sofrimento coletivo feminino,
mantenha-se muito alerta e ocupe o seu corpo o mais que puder. Quando o primeiro sinal aparecer, você vai
precisar estar bastante alerta para agarrá-lo, antes que ele domine você. Por exemplo, o primeiro sinal pode ser
uma grande e súbita irritação ou um lampejo de raiva, ou simplesmente um sintoma físico. Seja lá o que for,
agarre-o antes que ele domine o seu pensamento ou comportamento. Isso significa simplesmente colocar o foco
da sua atenção sobre ele. Saber que se trata do sofrimento e, ao mesmo tempo, ser o conhecedor, o que significa
perceber a sua presença consciente e sentir o seu poder. Qualquer emoção cede e se transforma quando
colocamos a presença sobre ela. Se for um simples sintoma físico, a atenção que você der a ela vai evitar que se
transforme em uma emoção ou em um pensamento. Continue então alerta e espere pelo próximo sinal de
sofrimento. Quando ele aparecer, agarre-o de novo, do mesmo jeito que antes.
Mais tarde, quando o sofrimento tiver despertado totalmente do seu estado de dormência, você poderá
vivenciar uma considerável turbulência em seu espaço interior por uns momentos, talvez até por alguns dias.
Qualquer que seja a forma que ele tome, esteja presente. Dê a ele sua atenção completa. Observe a turbulência
dentro de você. Perceba que ela está lá. Sustente o conhecimento e seja o conhecedor. Lembre-se: não permita
que o sofrimento use a sua mente e domine o seu pensamento. Observe-o. Sinta a energia de modo direto, dentro
do seu corpo. Como você já sabe, a atenção completa significa aceitação completa.
Através de uma atenção continuada e, portanto, da aceitação, vem a transformação. O sofrimento se
transforma em uma consciência radiante, assim como um pedaço de lenha colocado dentro do fogo se
transforma em fogo. A menstruação irá então se tornar, não só uma expressão de alegria e realização da sua
feminilidade, mas também um tempo sagrado de transformação, quando você faz nascer uma nova consciência.
A sua verdadeira natureza então reluz lá fora, tanto em seu aspecto feminino como a Deusa quanto em seu
aspecto transcendental do Ser que ultrapassa a dualidade masculino/feminino.
Se o seu parceiro for consciente, pode ajudar você a praticar o que acabei de descrever, sustentando a
freqüência da intensa presença, nessa hora em especial. Se ele permanecer presente, sempre que você voltar a se
identificar inconscientemente com o sofrimento, o que pode e vai acontecer a princípio, você será capaz de se
juntar rapidamente a ele no estado de presença. Isso significa que sempre que o sofrimento dominar você, seja
durante a menstruação ou em outras ocasiões, o seu parceiro não vai confundi-lo com quem você é. Mesmo que
o sofrimento o ataque, como provavelmente acontecerá, ele não vai reagir como se fosse você, ou se retirar ou
apresentar algum tipo de defesa. Ele vai sustentar o espaço da presença intensa. Nada mais é necessário para a
transformação. Em outras vezes, você será capaz de fazer o mesmo por ele ou de ajudá-lo a recuperar a
consciência, retirando-a da mente ao desviar a atenção para o aqui e agora, quando ele ficar identificado com o
pensamento.
Assim, um campo permanente de energia de alta freqüência vai aparecer entre vocês. Nenhuma ilusão,
sofrimento, disputa, nada que não seja vocês, nada que não seja amor pode sobreviver dentro dele. Isso significa
a realização do divino, o propósito transpessoal do seu relacionamento.
Desistindo do relacionamento consigo mesmo
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Quando alguém está plenamente consciente, será que tem necessidade de um relacionamento? Um
homem ainda se sentirá atraído por uma mulher? Uma mulher se sentirá incompleta sem um homem?
Iluminado ou não, no nível da sua identidade com a forma, você não está completo. Você é a metade do
todo. E isso é percebido como a atração homem-mulher, o movimento em direção à polaridade oposta de
energia, não importa qual seja o seu nível de consciência. Mas, nesse estado de conexão interior, você percebe
essa atração em algum lugar sobre a superfície ou na periferia da sua vida. O universo inteiro parece as ondas e
marolas sobre a superfície de um oceano imenso e profundo. Você é esse oceano e, naturalmente, também é a
marola, mas uma marola que percebeu a sua verdadeira identidade como oceano e sabe que, em comparação a
essa vastidão e profundidade, o mundo das ondas e marolas não é assim tão importante.
Isso não significa que você não se relaciona profundamente com outras pessoas ou com o seu parceiro.
Na verdade, você só consegue se relacionar se tiver consciência do Ser. Partindo do Ser, você é capaz de
enxergar além do véu da forma. No Ser, homem e mulher são uma unidade. A sua forma pode continuar a ter
algumas necessidades, mas o Ser não tem nenhuma. Já está completo e inteiro. Se essas necessidades forem
preenchidas, será ótimo, mas não faz diferença para o seu estado interior mais profundo. Portanto, caso a
necessidade de uma polaridade masculina ou feminina não seja preenchida, é perfeitamente possível para uma
pessoa iluminada perceber que falta alguma coisa no nível externo e, ao mesmo tempo, sentir-se totalmente
completa e satisfeita no nível interno.
Na busca da iluminação, ser homossexual serve de vantagem, de obstáculo, ou não faz qualquer
diferença?
Ao se aproximar da idade adulta, a incerteza da sexualidade seguida da percepção de que você é
“diferente” dos outros pode forçar uma desidentificação dos padrões socialmente condicionados de pensamento
e comportamento. Isso vai elevar, automaticamente, o seu nível de consciência sobre a inconsciência
predominante, onde as pessoas inquestionavelmente carregam todos os padrões herdados. Nesse sentido, ser
homossexual pode ser uma vantagem. Até certo ponto, ser um estranho, alguém que não se “enquadra” com os
outros, ou é rejeitado por eles por qualquer razão, torna a vida difícil, mas também traz uma vantagem com
relação à iluminação. Ela tira você da inconsciência quase que à força.
Por outro lado, se você desenvolve um sentido de identidade baseado na sua homossexualidade, escapa de
uma armadilha para cair em outra. Você vai desempenhar papéis e jogos ditados pela imagem mental que você
tem de si mesmo como homossexual. Vai se tornar inconsciente. Vai virar uma falsidade. Debaixo da sua
máscara do ego, vai estar muito infeliz. Se isso acontece com você, ser homossexual virou um obstáculo. Mas
sempre existe uma nova oportunidade. Uma infelicidade aguda pode ser um grande elemento despertador.
É verdade que cada um de nós precisa ter um bom relacionamento consigo mesmo antes de se relacionar
com outra pessoa?
Se você não consegue ficar à vontade consigo mesmo, vai procurar um relacionamento para encobrir o
seu desconforto. Só que esse desconforto vai reaparecer de alguma outra forma no relacionamento, e você,
provavelmente, atribuirá a responsabilidade ao seu parceiro. Tudo o que você precisa fazer é aceitar este
momento plenamente. Você estará então à vontade no aqui e agora e à vontade consigo mesmo.
Mas será que você precisa ter um relacionamento com você mesmo? Por que não ser apenas você?
Quando se relaciona com você mesmo, já se dividiu em dois: “eu” e “eu mesmo”, sujeito e objeto. Essa
dualidade criada pela mente é a raiz de toda complexidade desnecessária, de todos os problemas e conflitos em
sua vida. No estado de iluminação, você é você mesmo – “você” e “você mesmo” se fundem em um só. Você
não se julga, não sente pena de si, não se orgulha de si, não se ama, não se odeia, etc. A divisão provocada pela
consciência está curada, sua maldição removida. Não existe um “você mesmo” que seja preciso proteger,
defender ou alimentar. Quando você está iluminado, não tem mais um relacionamento consigo mesmo. Uma vez
que tenha aberto mão disso, todos os seus outros relacionamentos serão de amor.

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