terça-feira, 1 de setembro de 2009

capítulo sete

PORTAIS PARA O NÃO MANIFESTO
Um mergulho profundo no corpo
Posso sentir a energia dentro do meu corpo, mas não me sinto capaz de ir mais fundo, como você sugeriu
antes.
Faça uma meditação. Não vai levar muito tempo, só dez a quinze minutos. Providencie para que não haja
distrações externas, como telefonemas ou pessoas que possam interromper. Sente-se em uma cadeira, mas não
encoste. Mantenha a coluna ereta. Isso ajuda a ficar alerta. Você também pode escolher uma posição favorita
para meditar.
Certifique-se de que o seu corpo está relaxado. Feche os olhos. Respire profundamente algumas vezes.
Sinta a respiração na parte inferior do abdômen. Observe como ele se expande e se contrai levemente, a cada
entrada e saída do ar. Depois, tome consciência de todo o campo de energia interior do seu corpo. Não pense a
respeito, apenas sinta-o. Ao fazer isso, você retira a consciência do campo da mente. Se ajudar, visua1ize a
“luz” que descrevi anteriormente.
Quando você não encontrar mais obstáculos em sentir o corpo interior como um campo único de energia,
descarte, se possível, qualquer imagem visual e se concentre apenas na sensação. Se possível, descarte também
qualquer imagem mental que você ainda tenha do corpo físico. O que sobrou é uma abrangente sensação de
presença ou “existência” e uma percepção de um corpo interior sem fronteiras. A seguir, concentre sua atenção
mais fundo nessa sensação. Forme uma unidade com ela. Junte-se de tal modo ao campo de energia que você
não mais perceba a dualidade entre o observador e o observado, entre você e seu corpo. A separação entre o
interior e o exterior também se dissolve nesse momento, e, assim, não existe mais um corpo interior. Ao entrar
profundamente no corpo, você transcendeu o corpo.
Permaneça nessa região do puro Ser pelo tempo que você se sentir bem. Depois, retome a consciência do
corpo físico, da sua respiração, dos sentidos, e abra os olhos. Observe o que está à sua volta por alguns minutos,
em um estado meditativo, isto é, sem dar nome a nada, e continue a sentir o corpo interior enquanto faz isso.
Ter acesso a essa região sem forma traz uma liberdade verdadeira. Ela nos liberta da escravidão da forma
e da identificação com a forma. É a vida em seu estado indiferenciado, anterior à sua fragmentação em várias
modalidades. Podemos chamá-la de Não Manifesto, a Fonte invisível de todas as coisas, o Ser que está presente
em todos os seres. É uma região de profunda serenidade e paz, mas também de alegria e vida intensas. Sempre
que estamos presentes, nós nos tornamos, de um certo modo, “transparentes” à luz, passamos a ser a consciência
pura que emana dessa Fonte. Percebemos também que a luz não está separada de quem somos, mas constitui a
nossa verdadeira essência.
A fonte do chi
O Não Manifesto é o que no Oriente se chama chi, um tipo de energia da vida universal?
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Não. O Não Manifesto é a fonte do chi. Chi é o campo de energia interna do nosso corpo. É a ponte entre
o nosso exterior e a Fonte. Situa-se no meio do caminho entre o que está manifesto, que é o mundo da forma, e o
Não Manifesto. O chi pode ser comparado a um rio ou a um fluxo de energia. Se concentramos o foco da
consciência bem fundo no corpo interior, estamos traçando o curso desse rio de volta à sua Fonte. O chi é
movimento, enquanto o Não Manifesto é serenidade. Quando alcançamos um ponto de absoluta serenidade, mas
que, apesar de tudo, vibra com a vida, significa que fomos além do corpo interior e além do chi, em direção à
própria Fonte, que é o Não Manifesto. O chi é a ligação entre o Não Manifesto e o mundo físico.
Portanto, se você concentrar a atenção profundamente no corpo interior, poderá alcançar esse ponto, essa
singularidade, onde o mundo se dissolve no Não Manifesto e em que o Não Manifesto assume a forma do fluxo
de energia do chi, que então se transforma no mundo. Esse é o ponto do nascimento e da morte. Só quando a
nossa consciência se volta para o exterior é que a mente e o mundo passam a existir. Quando se dirige para o
interior, ela percebe a sua própria Fonte e regressa ao Não Manifesto. Assim, quando a nossa consciência
retoma ao mundo manifesto, é que recuperamos a identidade da forma, que tinha sido abandonada
temporariamente. Passamos a ter um nome, um passado, uma situação de vida, um futuro. Mas, em um aspecto
particular, já não somos mais os mesmos de antes, porque vislumbramos uma realidade em nosso interior que
não é “desse mundo”, embora não seja separada dele, do mesmo modo que ela não é separada de você.
Adote, daqui para a frente, a seguinte prática espiritual: ao caminhar pela vida, não dê 100 por cento de
atenção ao mundo exterior e à sua mente. Deixe alguma coisa no interior. Já falei sobre isso antes. Sinta o corpo
interior, mesmo quando estiver fazendo alguma atividade de rotina, principalmente nos relacionamentos ou
quando em contato com a natureza. Sinta a serenidade bem lá no fundo. Mantenha a porta aberta. É possí- vel
ficar consciente do Não Manifesto em todas as ocasiões. Você sentirá uma profunda sensação de paz em algum
lugar lá no fundo, uma serenidade que nunca abandonará você, não importa o que aconteça lá fora. Você passa a
ser a ponte entre o Não Manifesto e o manifesto, entre Deus e o mundo. Esse é o estado de conexão com a
Fonte. É o que chamamos iluminação.
Não fique com a impressão de que o Não Manifesto é separado do manifesto. Como poderia? Ele é a vida
no interior de todas as formas, a essência interior de tudo o que existe. Ele impregna o mundo. Vou explicar.
Um sono sem sonhos
Todas as noites, quando entramos na fase sem sonhos do sono profundo, fazemos uma viagem à região do
Não Manifesto. É nesse momento que cada um de nós forma uma só unidade com a Fonte. É da Fonte que
retiramos a energia vital que nos sustenta quando retomamos ao manifesto, o mundo das formas separadas. Essa
energia é muito mais importante do que o alimento: “Nem só de pão vive o homem”. Mas não se chega ao sono
sem sonhos de um modo consciente. Embora o corpo ainda esteja funcionando, “nós” já não existimos mais
nesse estado. Você consegue imaginar o que seria penetrar no sono sem sonhos completamente consciente? É
impossível imaginar, porque nesse estado não há conteúdo.
O Não Manifesto não nos liberta, a menos que sejamos capazes de chegar a ele de modo consciente. Essa
é a razão pela qual Jesus não disse que a verdade nos libertará e sim que “conheceremos a verdade, e a verdade
nos libertará”. Não se trata de um simples conceito de verdade. É a verdade da vida eterna além da forma, que
só se conhece de um modo direto. Mas não tente ficar consciente no sono sem sonhos. É altamente improvável
que você consiga. Na melhor das hipóteses, você pode permanecer consciente durante a fase do sonho, mas não
além dela. É o chamado sonho lúcido, que pode ser interessante e fascinante, mas que não é libertador.
Portanto, use seu corpo interior como um portal de entrada para o Não Manifesto e mantenha-o aberto, de
modo que você esteja em conexão com a Fonte em todas as situações. Não faz diferença, até onde interessa ao
corpo interior, se o seu corpo exterior é velho ou novo, frágil ou rijo. O corpo interior não tem um tempo. Se
você ainda não é capaz de sentir o corpo interior, use um dos outros portais, embora, em última análise, todos
sejam a mesma coisa. Já falei bastante de alguns, mas vou mencioná-los de novo, bem rapidamente.
Outros portais
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O Agora pode ser considerado como o portal principal. É um aspecto essencial de cada um dos outros
portais, inclusive do corpo interior. Não podemos estar em nosso corpo sem que estejamos intensamente
presentes no Agora.
O tempo e o manifesto estão indissoluvelmente ligados, do mesmo modo como o eterno Agora e o Não
Manifesto. Quando dissolvemos o tempo psicológico através de uma percepção intensa do momento presente,
nos tornamos, direta ou indiretamente, conscientes do Não Manifesto. Diretamente, sentimos o Não Manifesto
como o esplendor e o poder da nossa presença consciente, ou seja, sem conteúdo, apenas a presença.
Indiretamente, temos consciência do Não Manifesto dentro e através do campo dos sentidos. Em outras
palavras, sentimos a essência de Deus em cada criatura, cada flor, cada pedra e concluímos que “Tudo o que é, é
sagrado”. Essa é a razão pela qual Jesus, falando sobre a sua essência ou a identidade de Cristo, diz nas palavras
de Tomé: “Rachem um pedaço de madeira; lá estou eu. Levantem uma pedra e me encontrarão ali”.
Um outro portal para o Não Manifesto é a paralisação do pensamento. Isso pode começar de um modo
muito simples, ao prestar atenção à própria respiração ou olhar concentradamente para uma flor, em um estado
de alerta total, de tal modo que não haja espaço para nenhum comentário mental ao mesmo tempo. Existem
muitas maneiras para criar um espaço no fluxo contínuo de pensamentos. É disso que trata a meditação. O
pensamento pertence ao campo do manifesto. A atividade mental contínua nos mantém aprisionados no mundo
da forma e funciona como uma tela opaca que impede de nos tornarmos conscientes do Não Manifesto,
conscientes da inexistência da forma e da eterna essência de Deus, tanto em nós mesmos como em todas as
coisas e criaturas. Quando estamos intensamente presentes, é claro que não precisamos nos preocupar com a
paralisação do pensamento, porque a mente pára automaticamente. Essa é a razão pela qual eu disse que o
Agora é um aspecto essencial de todos os outros portais.
A entrega, ou seja, o abandono de qualquer resistência mental e emocional ao que é, também é um portal
para o Não Manifesto. A razão disso é simples, já que a resistência interior nos isola das outras pessoas, de nós
mesmos e do mundo à nossa volta, fortalecendo a sensação de separação da qual o ego depende para sobreviver.
Quanto maior a sensação de separação, maior a nossa dependência ao manifesto, ao mundo das formas
separadas. E, quanto maior a ligação com o mundo das formas, mais dura e impenetrável será a nossa identidade
com a forma. O portal é fechado e somos afastados da dimensão interior, a dimensão do profundo. No estado de
entrega, a nossa identificação com a forma se dissolve e se reveste de uma espécie de “transparência” e, assim, o
Não Manifesto consegue brilhar através de nós.
Depende de nós abrirmos um portal em nossas vidas que nos conduza a um acesso consciente ao Não
Manifesto. Entre em contato com o campo de energia do seu corpo interior, esteja intensamente presente, deixe
de se identificar com a sua mente, entregue-se àquilo que é. Podemos usar todos esses portais, mas só
precisamos de um deles.
O amor, com certeza, também é um desses portais?
Não. Assim que um desses portais é aberto, o amor se apresenta para nós como uma “realização da
sensação” de unidade. O Amor não é um portal. Ele é o que vem através do portal até este mundo. Enquanto
estivermos completamente envolvidos pela nossa identidade com a forma, o amor não pode existir. Nossa tarefa
não é buscar o amor, mas sim encontrar um portal através do qual ele possa entrar.
O silêncio
Existem outros portais além dos que você indicou?
Existem. O Não Manifesto não é separado do manifesto. Ele está presente em todo o nosso mundo, mas
se disfarça tão bem que quase ninguém o percebe. Se você souber onde procurar, vai encontrá-lo em todos os
lugares. A cada momento um portal se abre.
Você está escutando um cachorro latindo lá longe? Ou um carro passando? Escute atentamente. Consegue
sentir a presença do Não Manifesto nessas ocasiões? Não consegue? Procure no silêncio, no lugar onde os sons
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nascem e para onde retomam. Preste mais atenção ao silêncio do que aos sons. Prestar atenção ao silêncio
exterior cria um silêncio interior, e a mente fica serena. Um portal está se abrindo.
Cada som nasce no silêncio e morre no silêncio. Sua curta duração é cercada pelo silêncio. O silêncio
torna possível que o som aconteça. É uma parte intrínseca, mas não manifesta de cada som, cada nota musical,
cada melodia, cada palavra. O Não Manifesto está presente neste mundo como silêncio. Essa é a razão pela qual
dizem que nada neste mundo é tão parecido com Deus quanto o silêncio. Só o que temos de fazer é prestar
atenção a ele. Mesmo durante uma conversa, fique consciente dos espaços entre as palavras, dos curtos espaços
de silêncio entre as frases. Ao fazer isso, uma dimensão de serenidade cresce dentro de você. Não conseguimos
prestar atenção ao silêncio sem que, ao mesmo tempo, estejamos serenos em nosso interior. O silêncio está do
lado de fora e a serenidade dentro de nós. Você penetrou no Não Manifesto.
O espaço
Do mesmo modo que o som não pode existir sem o silêncio, nenhuma coisa pode existir sem o nada, sem
o espaço vazio. Cada objeto material ou cada corpo veio do nada, é cercado pelo nada e vai voltar para o nada.
Até mesmo no interior de cada corpo físico existe muito mais “nada” do que “algo”. Os físicos nos dizem que a
solidez da matéria é uma ilusão. Até matéria aparentemente sólida, como o nosso corpo, é quase 100 por cento
espaço vazio, tão grandes são as distâncias entre os átomos em comparação com o tamanho deles. Além disso,
mesmo no interior de cada átomo, a maior parte é de espaço vazio. O que resta é mais como uma freqüência
vibracional do que partículas de matéria sólida, mais como uma nota musical. Os budistas sabem disso há mais
de 2.500 anos. “Forma é o vazio, o vazio é forma”, afirma o Sutra do Coração, também conhecido como o
Sutra da Sabedoria, um dos mais antigos e conhecidos textos budistas. A essência de todas as coisas é o vazio.
O Não Manifesto não se apresenta nesse mundo só como silêncio.. Ele também é o espaço que perpassa
todo o universo físico, por dentro e por fora. É tão fácil de não percebermos quanto o silêncio.. Todos nós
prestamos atenção às coisas no espaço, mas quem presta atenção ao próprio espaço?
Você está sugerindo que o “vazio” ou “nada” não é apenas nada e que existe alguma qualidade
misteriosa neles? O que é o nada?
Você não pode fazer uma pergunta como essa. A sua mente está tentando transformar nada em algo. No
momento em que você faz isso, já o perdeu. O nada – o espaço – é a aparência do Não Manifesto como um
fenômeno externalizado, em um mundo percebido pelos sentidos. É o máximo que alguém pode dizer a esse
respeito, e até mesmo isso é uma espécie de paradoxo. O nada não pode se tornar um objeto de conhecimento.
Não se pode fazer um doutorado sobre o “nada”. Quando os cientistas estudam o espaço, geralmente o
transformam em alguma coisa e assim deixam de captar a verdadeira essência dele. Por isso, não me surpreende
que a última teoria sobre o espaço seja de que ele não é completamente vazio, que é preenchido por alguma
substância. Quando existe uma teoria, não é difícil encontrar uma tese para comprová-la, ao menos até que outra
teoria apareça.
O “nada” só pode vir a ser um portal para o Não Manifesto se você não tentar se apoderar dele ou
compreendê-lo.
Não é isso o que estamos fazendo aqui?
Não necessariamente. Estou aqui lhe dando umas pistas para mostrar como trazer a dimensão do Não
Manifesto para a sua vida. Ninguém está tentando compreendê-lo. Não há nada para compreender.
O espaço não tem “existência”. A palavra “existir” significa “destacar-se”. Não conseguimos
compreender o espaço porque ele não se destaca. Embora não tenha uma existência em si mesmo, ele possibilita
que todas as outras coisas existam. O silêncio também não tem uma existência, nem tampouco o Não Manifesto.
O que acontece então quando desviamos a nossa atenção dos objetos no espaço e passamos a perceber o
espaço em si? Qual é a essência desta sala? Os móveis, os quadros, etc. estão dentro da sala, mas eles não são a
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sala. O chão, as paredes, o teto definem os limites da sala, mas também não são a sala. Qual é, então, a essência
da sala? O espaço, é claro, o espaço vazio. Não haveria nenhuma “sala” sem ele. Como o espaço é “nada”,
podemos dizer que aquilo que não está lá é mais importante do que aquilo que está. Portanto, tome consciência
do espaço à sua volta. Não pense a respeito. Sinta-o do jeito que é. Preste atenção ao “nada”.
Ao agir assim, acontece uma mudança de consciência dentro de você. E o motivo é que o equivalente
interno dos objetos situados no espaço, tais como móveis, paredes, etc., são os objetos da nossa mente:
pensamentos, emoções e os objetos dos sentidos. E o equivalente interno do espaço é a consciência, que torna
possível a existência dos objetos da nossa mente, assim como o espaço torna possível que todas as coisas
existam. Portanto, se desviar a atenção das coisas – os objetos no espaço –, você automaticamente desvia a
atenção dos objetos da sua mente também. Em outras palavras, você não pode pensar e estar consciente do
espaço, ou do silêncio. Ao tomar consciência do espaço vazio à sua volta, você se torna consciente do espaço de
mente vazia, da consciência pura, que é o Não Manifesto. É assim que a contemplação do espaço pode se tornar
um portal para você.
O espaço e o silêncio são dois aspectos de uma mesma coisa, do mesmo nada. São formas exteriorizadas
do espaço e do silêncio interior, que significam a serenidade, o útero infinitamente criativo de toda a existência.
Muitos seres humanos não têm a menor consciência dessa dimensão. Não existe espaço interior, não existe
serenidade, não existe equilíbrio. Em outras palavras, eles conhecem o mundo, ou pensam que conhecem, mas
não conhecem Deus. Identificam-se exclusivamente com as formas físicas e psicológicas que construíram, mas
não têm consciência da essência. E, como cada forma é altamente instável, vivem com medo. O medo causa
uma profunda e distorcida percepção de nós mesmos e de outros seres humanos, uma distorção na nossa visão
do mundo.
Se uma revolução cósmica provocasse o fim do universo, o Não Manifesto não seria afetado. O livro A
Course in Miracles (Um curso em milagres) expressa essa verdade de modo comovente: “Nada real pode ser
ameaçado. Nada irreal existe. Aqui reside a paz de Deus”.
Se você mantém uma conexão consciente com o Não Manifesto, você valoriza, ama e respeita
profundamente o manifesto e cada forma de vida contida nele, como uma expressão da Vida Única além da
forma. Você também sabe que cada forma vai se dissolver e que, no fim, nada lá fora tem tanta importância.
Você “conquistou o mundo”, nas palavras de Jesus, ou, como Buda colocou, “você passou para a outra
margem”.
A verdadeira natureza do espaço e do tempo
Pense agora no seguinte: se não existisse nada, só o silêncio, ele não teria nenhum significado, porque
você nem ia saber o que era aquilo. Só quando o som apareceu é que o silêncio passou a ter um sentido. Da
mesma forma, se só existisse o espaço, sem nenhum objeto, ele também nada significaria para você. Imagine-se
como um ponto de consciência flutuando na imensidão do espaço, sem nenhuma estrela, nenhuma galáxia,
somente o vazio. O espaço não teria imensidão, ele nem estaria ali. Não haveria velocidade, nem movimento de
um ponto para outro. São necessários ao menos dois pontos de referência para que a distância e a velocidade
possam ter um significado. O espaço só passa a ter um significado no momento em que a Unidade se transforma
em dois, e em que, como “dois”, se transforma em “dez mil coisas”, que é como Lao-Tsé chama o mundo
manifesto. É assim que o espaço se amplia cada vez mais. Portanto, o mundo e o espaço surgem no mesmo
momento.
Nada poderia ser sem que houvesse o espaço, ainda que o espaço não seja nada. Mesmo antes que o
mundo existisse, antes do “Big Bang” se você preferir, não existia nenhum espaço vazio esperando para ser
preenchido. Não existia nenhum espaço, assim como não existia coisa alguma. Só existia o Não Manifesto, a
Unidade. Quando a Unidade se transformou em “dez mil coisas”, o espaço, de repente, mostrou que estava ali,
permitindo que as mil coisas existissem. De onde ele terá surgido? Será que Deus o criou para acomodar o
mundo? Claro que não. O espaço é coisa nenhuma. Portanto, ele nunca foi criado.
Saia de casa em uma noite clara e olhe para o céu. Os milhares de estrelas que podemos ver a olho nu não
passam de uma fração infinitesimal do que existe lá por cima. Os telescópios mais potentes já conseguem
identificar um bilhão de galáxias, cada uma formando um “mundo isolado”, contendo, cada um, bilhões e
bilhões de estrelas. Ainda assim, o que inspira mais respeito é o próprio espaço sem fim, a profundidade e a
quietude que possibilitam que toda essa grandeza exista. Nada poderia inspirar mais respeito e grandiosidade do
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que a inconcebível imensidão e quietude do espaço, e, ainda assim, o que ele é? Um vazio, um imenso vazio.
Aquilo que se apresenta para nós como espaço, no nosso mundo percebido através da mente e dos sentidos, é a
forma exteriorizada do próprio Não Manifesto. É o “corpo” de Deus. E o grande milagre é que essa quietude e
imensidão, que permitem o universo ser, não estão apenas lá no espaço, estão também dentro de nós. Quando
estamos inteira e totalmente presentes, nós o encontramos como o espaço interior e sereno da mente vazia.
Dentro de nós, ele é imenso em profundidade, não em extensão. A extensão espacial é, em última análise, uma
percepção distorcida da profundidade infinita, uma característica da realidade transcendental única.
De acordo com Einstein, o espaço e o tempo não são coisas separadas. Não entendo muito bem, mas
acho que ele está dizendo que o tempo é a quarta dimensão do espaço. Ele chama isso de “o continuum do
tempo e espaço”.
Sim. O espaço e o tempo que percebemos são, em essência, uma ilusão, mas contêm um cerne de
verdade. Correspondem às duas características essenciais de Deus, que são a infinitude e a eternidade, vistas
como se tivessem uma existência externa, fora de nós. Dentro de nós, o espaço e o tempo possuem um
equivalente que nos revela não só a verdadeira natureza de cada um deles, como também a de cada um de nós.
Enquanto o espaço corresponde à quietude, a infinitamente profunda região da mente vazia, o tempo tem o seu
equivalente interno na presença, na percepção do eterno Agora. Lembre-se de que não há diferença entre os
dois. Quando o espaço e o tempo são percebidos, em nosso interior, como o Não Manifesto – mente vazia e
presença –, o espaço exterior e o tempo continuam a existir para nós, mas perdem a importância. O mundo
também continua a existir para nós, mas não nos impõe mais restrições.
Portanto, o objetivo final do mundo não está dentro do mundo, mas na transcendência do mundo. Assim
como nós não teríamos consciência do espaço se não houvesse objetos no espaço, o mundo é necessário para
que o Não Manifesto seja percebido. Talvez você tenha ouvido o ensinamento budista “se não houvesse ilusão,
não haveria a iluminação”. É através do mundo e, em última instância, através de você que o Não Manifesto é
reconhecido. Estamos aqui para tornar possível que o propósito divino do universo se revele. Veja só como você
é importante!
A morte consciente
Além do sono sem sonhos, de que já tratei, existe mais um portal involuntário. Ele se abre, por breves
momentos, na hora da nossa morte física. Mesmo que tenhamos perdido todas as outras oportunidades de
alcançar a realização espiritual durante a vida, um último portal vai se abrir para nós, imediatamente após o
nosso corpo ter morrido.
Existem inúmeros relatos de pessoas que descreveram esse portal como uma luz radiante, depois de
regressarem do que é comumente conhecido como experiência de quase-morte. Muitas pessoas falam também
de uma sensação de serenidade abençoada e de uma paz profunda. Em O Livro Tibetano dos Mortos1, ela é
descrita como “o esplendor luminoso da luz branca do Vazio”, que seria o “nosso verdadeiro eu”. Esse portal
abre-se apenas por breves segundos, e, a menos que você tenha encontrado a dimensão do Não Manifesto
durante a vida, provavelmente o deixará escapar. Muitas pessoas carregam uma grande resistência residual,
muito medo, um forte apego à experiência sensorial, uma enorme identificação com o mundo manifesto. Então,
quando vêem o portal, afastam-se com medo e depois perdem a consciência. Muito do que acontece depois
disso é involuntário e automático. Posteriormente, poderá haver um outro ciclo de nascimento e morte. A
presença delas não foi ainda forte o bastante para uma imortalidade consciente.
Então atravessar esse portal não significa destruição?
Como em todos os outros portais, a nossa natureza radiante e verdadeira permanece, mas não a
personalidade. Em qualquer caso, aquilo que for verdadeiro ou de real valor em nossa personalidade é que vai se
1 W. Y. Evans-Wentz. O Livro Tibetano dos Mortos. Pensamento, 2000.
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revelar através dela, como a nossa verdadeira natureza. Isso nunca se perde. Nada que seja de valor, nada que
seja real, jamais será perdido.
A aproximação da morte e a morte em si, a dissolução da forma física, é sempre uma grande oportunidade
para uma realização espiritual. Essa oportunidade é tragicamente perdida na maioria das vezes, visto que
vivemos em uma cultura que é quase totalmente ignorante com relação à morte, assim como ignora, quase
totalmente, qualquer coisa que realmente importe.
Todo portal é um portal da morte, da morte do falso eu. Quando o atravessamos, deixamos de extrair a
nossa identidade da nossa forma psicológica, construída pela mente. Percebemos então que a morte é uma
ilusão, do mesmo modo que a nossa identificação com a forma era uma ilusão. O fim da ilusão – é isso o que a
morte significa. Ela só é dolorosa enquanto permanecemos presos à ilusão.

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