terça-feira, 25 de agosto de 2009

capitulo 6

O CORPO INTERIOR
O ser é o seu eu interior mais profundo
Você falou sobre a importância de existirem raízes profundas dentro de nós, habitando nossos corpos. O
que quis dizer com isso?
O corpo pode se tornar um ponto de acesso para o domínio do Ser. Vamos nos deter mais profundamente
nisso agora.
Ainda não tenho certeza se entendi o que você quer dizer com Ser.
“Água? O que você quer dizer com isso? Não estou entendendo nada”. É o que um peixe diria, se tivesse
uma mente humana.
Por favor, pare de tentar entender o Ser. Você já teve lampejos significativos do Ser, mas a mente vai
sempre tentar espremê-lo dentro de uma caixa e colocar-lhe um rótulo. Isso não dá certo. O Ser não pode se
tornar um objeto de conhecimento. No Ser, o sujeito e o objeto formam uma coisa só. O Ser pode ser sentido
como o eternamente presente Eu sou, que está além do nome e da forma. Sentir e, em conseqüência, saber que
você é e permanecer nesse estado profundamente enraizado é o que se chama iluminação, é a verdade que Jesus
diz que nos libertará.
Libertará do quê?
Libertará da ilusão de que não somos nada mais do que o nosso corpo e a nossa mente. É nessa “ilusão do
eu interior”, nas palavras de Buda, que está o erro central. Libertará dos inúmeros disfarces do medo, que é uma
conseqüência inevitável dessa ilusão, o medo que não vai parar de nos torturar, enquanto continuarmos
extraindo o sentido do eu interior exclusivamente dessa forma efêmera e vulnerável. E libertará do pecado, esse
sofrimento que inconscientemente infligimos a nós mesmos e aos outros, enquanto a ilusão governar aquilo que
pensamos, dizemos e fazemos.
Olhe além das palavras
Não gosto da palavra pecado. Ela pressupõe um julgamento e uma atribuição de culpa.
Posso entender isso. Durante muitos séculos, foram se acumulando interpretações erradas em torno de
palavras como pecado, devido à ignorância, à incompreensão ou a um desejo de controle, embora todas
contenham um fundo de verdade. Se você não for capaz de olhar para além de tais interpretações e, por isso, não
reconhecer a realidade para a qual a palavra aponta, então não a use. Não se prenda às palavras. Uma palavra
nada mais é do que um meio para atingir um fim. É uma abstração. Tal qual um letreiro em forma de seta em
um poste, uma palavra aponta para além dela mesma. A palavra mel não é mel. Você pode estudar e falar a
respeito de mel pelo tempo que quiser, mas não vai saber o que é enquanto não prová-lo. Depois de provar, a
palavra perde a importância e não ficamos mais presos a ela. De forma semelhante, podemos falar ou pensar
sobre Deus, sem parar, pelo resto da vida, mas será que isso significa que conhecemos ou que tivemos uma
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rápida visão da realidade para a qual a palavra aponta? Ela não passa de um apego obsessivo a um letreiro no
poste, um ídolo mental.
O contrário também acontece. Se, por alguma razão, não gostamos da palavra mel, pode ser que jamais o
experimentemos. Se você tem uma forte aversão à palavra Deus, o que é uma forma negativa de apego, pode
estar negando não só a palavra como também a realidade para a qual ela aponta. Você estará se privando da
possibilidade de vivenciar essa realidade. Tudo isso tem, naturalmente, uma relação direta com o fato de
estarmos identificados com as nossas mentes.
Portanto, se uma palavra não significa mais nada para você, jogue-a fora e use outra que signifique. Se
você não gosta da palavra pecado, chame-a então de inconsciência ou insanidade. Essa atitude talvez lhe
aproxime mais da verdade – a realidade que está além da palavra – do que um longo uso equivocado da palavra
pecado, deixando pouco espaço para a culpa.
Essas palavras também não me agradam. Elas pressupõem que existe alguma coisa errada comigo. É
como se estivessem me julgando.
Claro que existe alguma coisa errada com você e ninguém está julgando nada.
Sem querer ofender, mas você não pertence à raça humana que matou mais de cem milhões de membros
da própria espécie, somente no século vinte?
Você quer dizer que existe culpa por associação?
Não é uma questão de culpa. Mas, enquanto a mente nos governar, fazemos parte da insanidade coletiva.
Talvez você não tenha olhado profundamente para dentro da condição humana sob o domínio da mente. Abra os
olhos e veja o medo, o desespero, a inveja e a violência que penetra em tudo. Atente para a crueldade e o
sofrimento abomináveis, em uma escala jamais imaginada, que os homens infligiram e continuam a infligir a
outros homens, assim como a outras formas de vida. Você não precisa condenar, apenas observe. Isso é pecado.
Isso é insanidade. Isso é inconsciência. Acima de tudo, não esqueça de observar a sua própria mente. Busque
nela a raiz da insanidade.
Encontre a sua realidade invisível e indestrutível
Você disse que a identificação com a forma física faz parte da ilusão. Então como é que o corpo pode
nos levar à realização do Ser?
O corpo que podemos ver e tocar não consegue nos conduzir para dentro do Ser. Mas esse corpo visível e
palpável é só uma casca, ou melhor, uma percepção limitada e distorcida de uma realidade mais profunda. Em
nosso estado natural de conexão com o Ser, essa realidade mais profunda pode ser sentida, a cada momento,
como o corpo interior invisível, que é a presença viva dentro de nós. Portanto “habitar o corpo” é sentir o corpo
bem lá no fundo, de modo a sentir a vida dentro dele e, assim, realizar que somos algo mais além da forma
exterior.
Mas isso é só o começo de uma jornada interior, que nos levará ainda mais fundo para uma região de
grande serenidade e paz, embora também de grande poder e de vida palpitante. No início, talvez você só consiga
ter rápidas visões dessa região, mas, através delas, começará a perceber que você não é apenas um fragmento
sem sentido em um universo estranho, levemente suspenso entre o nascimento e a morte, com poucos momentos
prazerosos de curta duração seguidos de dor e, no final, de devastação. Por baixo da forma exterior, estamos em
conexão com algo tão grande, tão incomensurável, tão sagrado, que não pode ser concebido, nem compreendido
através de palavras, embora eu esteja falando sobre ele agora. Estou falando não para dar a você alguma coisa
em que acreditar, mas para mostrar de que modo você pode conhecê-lo.
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Enquanto sua mente absorver toda a sua atenção, você não conseguirá estar em conexão com o Ser. A
mente absorve toda a sua consciência e a transforma em matéria mental. Você não consegue parar de pensar. O
pensamento compulsivo se tornou uma doença coletiva. Tudo o que você achava que sabia a seu respeito passa
a se originar da atividade mental. Sua identidade, como não tem mais raízes no Ser, se transforma em uma
construção mental vulnerável e indispensável, que cria o medo e este passa a ser a emoção oculta predominante.
Fica faltando, então, a única coisa que realmente importa em sua vida, que é a percepção do seu eu interior mais
profundo, a sua indestrutível e invisível realidade.
Para se tornar consciente do Ser, você precisa ter de volta a consciência aprisionada pela mente. Essa é
uma das tarefas mais essenciais na sua jornada espiritual. Ela vai libertar grandes porções de consciência que
antes estavam presas nos pensamentos inúteis e compulsivos. Uma forma eficaz de realizar essa tarefa é desviar
o foco da atenção do pensamento e dirigi-lo para o interior do seu corpo, onde o Ser pode ser percebido, numa
primeira etapa, como o campo de energia invisível que dá vida àquilo que você entende como seu corpo físico.
Conecte-se com o seu corpo interior
Vamos fazer uma experiência agora. Talvez ajude fechar os olhos para este exercício. Depois, quando o
“estar dentro do corpo” se tornar algo fácil e natural, isso não será mais necessário. Dirija a atenção para dentro
do seu corpo. Sinta-o lá no fundo. Está vivo? Há vida nas suas mãos, braços, pernas e pés, em seu abdômen, no
seu peito? Você consegue sentir o campo de energia sutil impregnando todo o seu corpo e fazendo palpitar cada
órgão e cada célula? Percebe o que está acontecendo em todas as partes do corpo ao mesmo tempo, como se
fosse um só campo de energia? Mantenha o foco, por uns momentos, sobre a sensação que passa pelo seu corpo
interior. Não comece a pensar sobre ela. Sinta-a. Quanto mais atenção você der à sensação, mais clara e forte ela
ficará. É como se cada célula se tornasse mais viva e, se você tiver uma forte percepção visual, talvez obtenha
uma imagem do seu corpo ficando luminoso. Embora uma imagem assim possa lhe ajudar temporariamente,
preste mais atenção ao que você está sentindo do que a qualquer imagem que possa surgir. Uma imagem, não
importa o quanto seja bela ou poderosa, já tem uma forma definida, e, por isso, deixa menos espaço para
penetrar mais fundo.
A sensação dentro do nosso corpo interior não tem forma, não tem limites, não tem um fim. Sempre
podemos penetrar mais fundo. Se você não consegue sentir muito bem esse estágio, preste atenção ao que
consegue sentir. Talvez exista um leve formigamento em suas mãos e em seus pés. Já basta para o momento.
Focalize apenas a sensação. O seu corpo está se tornando vivo. Praticaremos outras vezes, mais adiante. Por
favor, abra os olhos agora, mas mantenha alguma atenção no campo de energia interior do corpo, mesmo que
esteja olhando a esmo. O corpo interior está na fronteira entre a forma e a essência, que é a sua verdadeira
natureza. Nunca perca o contato com ele.
A transformação através do corpo
Por que a maioria das religiões condena ou renega o corpo? Tenho a impressão de que as pessoas
interessadas em uma busca espiritual sempre olharam o corpo como um obstáculo ou mesmo como um pecado.
Por que tão poucas pessoas encontram o que procuram?
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Os seres humanos são bastante semelhantes aos animais no que se refere ao funcionamento do corpo.
Ambos têm as mesmas funções corporais básicas, como respirar, comer, beber, defecar, dormir, sentir prazer e
dor, ter o impulso de buscar um parceiro e procriar e, é claro, nascer e morrer. Muito tempo depois de terem
decaído do estado de graça e unidade para o estado de ilusão, os seres humanos repentinamente despertaram no
que parecia ser um corpo animal e ficaram bastante alarmados. “Não se iluda. Você não passa de um animal”.
Era uma verdade óbvia, mas bastante difícil de suportar. Adão e Eva perceberam que estavam nus e sentiram
medo. A negação inconsciente de sua natureza animal acabava de acontecer. A ameaça de que poderiam ser
dominados por impulsos instintivos poderosos e reverterem ao estágio de total inconsciência estava muito
próxima. A vergonha e alguns tabus em torno de certas partes e funções do corpo, especificamente quanto à
sexualidade, passaram a existir. A luz da consciência dos humanos ainda não era forte o bastante para conviver
com uma natureza animal, para permiti-la ser e até mesmo apreciar esse aspecto, muito menos para penetrar
profundamente dentro dela, para encontrar a divindade oculta em seu interior, a realidade dentro da ilusão. Os
humanos, então, fizeram o que tinham de fazer. Começaram a se dissociar de seus corpos. Viam agora a si
mesmos como possuindo e não simplesmente sendo um corpo.
Essa separação ficou ainda mais acentuada quando as religiões surgiram, graças à crença de que “você
não é o seu corpo”. Inúmeras pessoas do Leste e do Oeste, em todas as eras, tentaram encontrar Deus, a
salvação ou a iluminação, através da negação do corpo. Essa procura passou por uma negação da satisfação dos
sentidos, em especial da sexualidade, e por jejuns e outras práticas ascéticas. Algumas pessoas infligiam até
mesmo sofrimento ao corpo, numa tentativa de enfraquecê-la ou puni-la, porque ele era visto como cheio de
pecado. No cristianismo, isso era chamado de mortificação da carne. Outras pessoas tentaram escapar do corpo
entrando em estados de transe ou buscando experiências extracorpóreas. Muitas ainda adotam essas práticas.
Conta-se que até Buda praticou a negação do corpo através do jejum e de práticas extremadas de ascetismo
durante seis anos, mas ele só atingiu a iluminação depois que abandonou essa idéia.
O fato é que ninguém jamais atingiu a iluminação negando ou combatendo o corpo, ou através de
experiências fora dele. Embora uma experiência desse tipo possa ser fascinante e nos proporcionar um
vislumbre do estado de libertação da forma material, no fim, sempre temos de voltar para o corpo, que é onde
acontece o trabalho essencial de transformação. A transformação acontece através do corpo, e não distanciada
dele. Essa é a razão pela qual nenhum dos verdadeiros mestres jamais defendeu lutar ou abandonar o corpo,
embora seus discípulos, com base na mente, freqüentemente defendam.
Dos antigos ensinamentos relativos ao corpo, somente sobrevivem fragmentos, como as palavras de Jesus
“todo o seu corpo será preenchido pela luz”, ou mitos, tal como a crença de que Jesus jamais abandonou seu
corpo, mantendo-se unido a ele e com ele tendo subido ao “paraíso”. Quase ninguém, até hoje, compreendeu
esses fragmentos ou o sentido oculto de certos mitos. A crença de que “você não é o seu corpo” prevalece em
todas as partes do mundo, levando a uma negação do corpo e a tentativas de escapar dele. Isso tem impedido
que inúmeras pessoas alcancem a realização espiritual e encontrem o que procuram.
É possível recuperar os ensinamentos perdidos sobre a significação do corpo ou reconstruí-los a partir
de fragmentos existentes?
Não há necessidade disso. Todos os ensinamentos espirituais vêm da mesma Fonte. Nesse sentido, existe
e sempre existirá somente um mestre, que se manifesta de vários modos diferentes. Eu sou esse mestre e você
também é, desde que seja capaz de acessar a Fonte interna. E o caminho é através do corpo interior. Embora
todos os ensinamentos espirituais tenham origem na mesma Fonte, no momento em que eles são verbalizados e
escritos não passam de ajuntamentos de palavras, e uma palavra não passa de um letreiro em um poste
apontando o caminho de volta à Fonte.
Já comentei sobre a Verdade escondida dentro do nosso corpo, mas vou resumir, outra vez, os
ensinamentos perdidos dos mestres. Portanto, aqui está um outro letreiro. Por favor, procure sentir o seu corpo
interior enquanto ler ou ouvir.
O sermão sobre o corpo
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Aquilo que percebemos como uma estrutura compacta chamada corpo, que é sujeito às doenças, ao
envelhecimento e à morte, não é real, não é você. É uma percepção errada da nossa realidade essencial, que está
além do nascimento e da morte, cuja causa está nas limitações da nossa mente. A mente, tendo perdido o
contato com o Ser, cria o corpo como uma prova da sua crença ilusória de separação para justificar o seu estado
de medo. Mas não despreze o corpo, porque é no interior desse símbolo de não permanência, limitação e morte
que está contido o esplendor da nossa realidade essencial e imortal. Não desvie a atenção para outro lugar em
sua busca da Verdade, pois ela não pode ser encontrada em nenhum outro lugar que não no interior do seu
corpo.
Não lute contra o seu corpo, porque, ao fazer isso, você está lutando contra a sua própria realidade. Você
é o seu corpo. O corpo que você vê e toca é somente um delicado véu de ilusão. Debaixo dele encontra-se o seu
corpo interior invisível, a porta de entrada para o Ser, para a Vida Não Manifesta. Através do corpo interior,
estamos inseparavelmente conectados a essa Vida Não Manifesta – onde não há nascimentos nem mortes –, que
é eternamente presente. Através do corpo interior, estamos sempre com Deus.
Finque raízes profundas no seu eu interior
A chave é estar em um estado de conexão permanente com o nosso corpo interior, em senti-lo em todos
os momentos. Essa prática vai se intensificar rapidamente e transformar sua vida. Quanto mais consciência
direcionamos para o nosso corpo interior, mais cresce a freqüência vibracional, tal qual a luz que vai ficando
mais forte quando giramos o botão do dimmer, aumentando o fluxo de eletricidade. Nesse nível de energia mais
elevado, a negatividade deixa de nos afetar e tendemos a atrair novas circunstâncias que refletem essa alta
freqüência.
Quanto mais concentramos a atenção no corpo, mais nos fixamos no Agora. Não nos perdemos no mundo
exterior, nem na mente. Pensamentos, emoções, medos e desejos podem até estar presentes, mas não vão mais
nos dominar.
Verifique onde está a sua atenção neste momento. Ou você está me ouvindo ou está lendo minhas
palavras em um livro. Aqui está o foco da sua atenção. Você também está percebendo o que está ao redor, as
outras pessoas, etc. Além disso, pode haver alguma atividade mental em volta do que você está ouvindo ou
lendo, algum comentário mental, embora não haja necessidade de nada disso absorver toda a sua atenção.
Verifique se você consegue estar em contato com o seu corpo interior ao mesmo tempo. Mantenha parte da sua
atenção no interior. Não permita que ela se disperse. Sinta todo o seu corpo, lá do fundo, como um só campo de
energia. É quase como se você estivesse ouvindo ou lendo com todo o seu corpo. Pratique nos próximos dias e
semanas.
Não desvie toda a sua atenção da mente nem do mundo exterior. Procure, por todos os meios, se
concentrar naquilo que você está fazendo, mas sinta o corpo interior ao mesmo tempo, sempre que possível.
Tenha as raízes fincadas dentro de você. Observe, então, como isso altera o seu estado de consciência e a
qualidade do que você está fazendo.
Sempre que você tiver de esperar, esteja onde estiver, use esse tempo para sentir o seu corpo interior.
Assim, os engarrafamentos de trânsito e as filas vão se tornar mais agradáveis. Em vez de se projetar
mentalmente para longe do Agora, aprofunde-se no Agora ao se aprofundar no seu corpo.
A habilidade de perceber o corpo interior vai gerar um modo de vida novo, um estado de conexão
permanente com o Ser, e trazer uma profundidade à sua vida que você jamais imaginou.
É fácil ficar presente como o observador da mente quando as raízes estão firmemente fincadas no corpo
interior. Nada que aconteça do lado de fora pode nos abalar.
A menos que você esteja presente – e habitar o corpo é sempre um aspecto fundamental dessa prática –, a
mente vai continuar governando você. O script armazenado na mente, aprendido há tanto tempo, vai ditar o
modo de pensar e agir. Podemos nos livrar dele por períodos curtos, mas dificilmente por um período longo.
Isso se comprova facilmente quando alguma coisa “vai mal” ou quando existe alguma perda ou aborrecimento.
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Nossa reação condicionada vai ser então involuntária, automática e previsível, alimentada por uma emoção
básica que está por baixo do estado identificado com a mente, que é o medo.
Portanto, quando surgirem os desafios, como sempre surgem, adote o hábito de penetrar direto em seu eu
interior e se concentrar o máximo que puder no campo da energia interna do seu corpo. Não leva muito tempo,
só uns segundos. Mas isso tem de ser feito no exato momento em que o desafio acontece. Qualquer demora vai
permitir que a reação condicionada mental e emocional apareça e domine você. Quando dirigimos o foco para o
campo interno e sentimos o corpo interior, imediatamente ficamos serenos e presentes, porque estamos tirando a
consciência do campo da mente. Se precisarmos de uma resposta durante essa situação, ela virá desse campo
interior. Assim como o sol é infinitamente mais brilhante do que a chama de uma vela, há uma inteligência
infinitamente maior no Ser do que em nossa mente.
Enquanto mantivermos um contato consciente com o nosso corpo interior, somos como as árvores que
estão enraizadas bem fundo na terra, ou como um edifício com fundações sólidas e profundas. Essa última
analogia foi utilizada por Jesus na geralmente incompreendida parábola dos dois homens que construíram suas
casas. Um deles construiu a sua na areia, sem fundações, e quando as tempestades e enchentes vieram,
arrastaram a casa com elas. O outro homem cavou fundo até que alcançou a rocha, e só então construiu sua casa,
que não foi arrastada pelas enchentes.
Antes de penetrar no seu corpo, perdoe
Tive dificuldades quando tentei concentrar minha atenção no corpo interior. Senti uma certa agitação e
um pouco de náusea. Não fui capaz de vivenciar o que você está ensinando.
O que você sentiu foi uma emoção retardada, da qual provavelmente não tinha consciência antes de
passar a observar seu corpo. Se não der um pouco de atenção a essa emoção, ela vai impedir que você tenha
acesso ao seu corpo interior, que está em um nível mais profundo. Dar atenção não significa pensar nela.
Significa, apenas, observá-la, senti-la complemente, conhecê-la e aceitá-la do jeito que é. Algumas emoções são
fáceis de identificar, como a raiva, o medo e o desgosto. Outras talvez sejam mais difíceis de rotular. Elas
podem se manifestar como um leve desconforto, uma aflição ou um peso, um meio-termo entre uma emoção e
uma sensação física. Em qualquer dos casos, o que importa não é se você pode dar um rótulo mental a essas
emoções, mas sim se você pode tornar essa sensação consciente. A atenção é a chave para a transformação, e
isso também envolve aceitação. A atenção é como um raio de luz: o poder concentrado da consciência que
transforma tudo nela própria.
Em um organismo que funcione perfeitamente, uma emoção tem vida curta. É como uma onda ocasional
sobre a superfície do Ser. No entanto, se não estamos dentro do nosso corpo, uma emoção pode permanecer
dentro de nós por dias ou semanas, ou se juntar a outras emoções de freqüência similar, ou se tornar um
sofrimento, um parasita que pode viver dentro de nós durante anos, alimentar-se de nossa energia, nos deixar
doentes e tornar nossa vida miserável. (Ver capítulo dois).
Portanto, dirija sua atenção para a emoção e verifique se a sua mente está alimentando um padrão de
mágoa, culpa, autopiedade ou ressentimento, que, por sua vez, está alimentando a emoção. Se esse for o caso,
significa que você não perdoou. Quando se fala em perdoar, pensamos logo em perdoar alguém, mas o perdão
também pode ser em relação a nós mesmos ou a uma situação do passado, presente ou futuro que a nossa mente
se recusa a aceitar. Pois é, pode haver um não-perdoar até em relação ao futuro. É a recusa da mente em aceitar
a incerteza, em aceitar que o futuro está além do nosso controle. Perdoar é abrir mão dos nossos ressentimentos
e deixar que eles se desprendam de nós. Isso acontecerá naturalmente quando você perceber que os seus
ressentimentos não têm outro objetivo, exceto o de fortalecer o falso sentido do eu interior. Perdoar é não
oferecer resistência à vida, é permitir que a vida aconteça através de você. As alternativas são as dores e os
sofrimentos, um fluxo de energia altamente limitado, e, em muitos casos, doenças físicas.
No momento em que você perdoar, terá retomado o poder que estava na mente. O falso eu interior
construído pela mente, o ego, não consegue sobreviver sem discórdias e conflitos. A mente não consegue
perdoar. Só você consegue. Você se torna presente, penetra em seu corpo, sente a paz vibrante e a serenidade
que emanam do Ser. Essa é a razão pela qual Jesus disse: “Antes de entrar no templo, perdoe”.
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A ligação com o não manifesto
Qual é a relação entre a presença e o corpo interior?
A presença é a consciência pura, a consciência que foi recuperada da mente, do mundo da forma. O corpo
interior é a nossa ligação com o Não Manifesto e, em seu aspecto mais profundo, é o Não Manifesto, ou seja, a
Fonte da qual a consciência emana, tal como a luz emana do sol. Perceber o corpo interior significa que a
consciência está lembrando as suas origens e retornando à Fonte.
O Não Manifesto é o mesmo que o Ser?
É. A expressão Não Manifesto tenta, através de uma negativa, expressar Aquilo que não pode ser falado,
pensado ou imaginado. Ela aponta para o que é quando diz o que não é. Por outro lado, Ser é uma palavra
positiva. Mas não se prenda a nenhuma dessas palavras nem comece a acreditar nelas. Não passam de letreiros
indicadores.
Você disse que a presença é a consciência que foi retomada da mente. Quem faz essa retomada?
Você. Mas, como em essência, você é consciência, podemos muito bem dizer que é a consciência
despertando da ilusão da forma. Isso não quer dizer que a sua própria forma vai imediatamente desaparecer
numa explosão de luz. Você mantém a sua forma atual, mas percebe que existe algo sem forma e sem fim lá
dentro de você.
Tenho de admitir que isso está além da minha compreensão, mas, mesmo assim, em um nível mais
profundo, parece que entendo o que você está falando. É mais como uma sensação do que qualquer outra
coisa. Será que estou me enganando?
Não é um engano. Sentir vai aproximar você da verdade muito mais do que pensar. Não sou capaz de
contar nada que, no fundo, você já não saiba. Quando atingimos um determinado estágio de conexão interior,
reconhecemos a verdade assim que a ouvimos. Caso você não tenha ainda atingido esse estágio, a prática de
perceber o corpo vai fazer surgir o aprofundamento necessário.
Retardando o processo de envelhecimento
Nesse meio tempo, a percepção do corpo interior traz outros benefícios no campo físico. Um deles é uma
significativa redução do processo de envelhecimento do corpo físico.
Enquanto o corpo exterior, em geral, aparenta estar envelhecendo e murchando bem rapidamente, o corpo
interior não muda com o tempo, exceto que podemos senti-lo mais profundamente e torná-lo mais completo. Se
você tem vinte anos agora, o campo de energia do seu corpo interior vai se sentir igual ao de quando você tiver
oitenta. Estará vibrantemente vivo. Assim que o nosso estado habitual passa do estar fora do corpo e preso pela
mente para estar no corpo e presente no Agora, o nosso corpo físico fica mais leve, mais claro, mais vivo. Como
existe mais consciência no corpo, a ilusão da materialidade diminui.
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Quando nos identificamos mais com o corpo interior do que com o corpo exterior, quando o estado de
presença se torna o nosso modo normal de consciência, deixamos de acumular tempo na nossa psique e nas
células do corpo. O acúmulo do tempo, tal como um fardo psicológico do passado e do futuro, prejudica a
capacidade de auto-renovação das células. Portanto, se você ocupa o seu corpo interior, o exterior vai
envelhecer em um ritmo mais lento. E, mesmo quando envelhecer, a sua essência eterna vai brilhar através da
sua forma exterior, e você não dará a impressão de ser uma pessoa idosa.
Existe alguma prova científica disso?
Experimente e você vai ser a prova.
Fortalecendo o sistema imunológico
Um outro benefício dessa prática, no campo físico, é um grande fortalecimento do sistema imunológico.
Quanto mais consciência tivermos do corpo, mais forte se torna o sistema imunológico. É como se cada célula
despertasse e festejasse. O corpo adora a atenção que lhe damos. É também uma poderosa forma de se autoajudar.
A maioria das doenças acontece quando não estamos presentes em nossos corpos. Se o dono não está em
casa, todos os tipos suspeitos vão aparecer por lá. Quando você está presente, fica mais difícil que entrem tipos
indesejáveis.
Não é só o nosso sistema imunológico físico que se fortalece. O sistema imunológico psíquico também se
eleva bastante. Esse último nos protege dos campos de forças mentais e emocionais negativas emanadas de
outras pessoas, que são largamente contagiosas. Ocupar o corpo nos protege não porque nos coloca um escudo,
mas sim porque eleva a freqüência vibracional do nosso campo total de energia, de forma que qualquer coisa
que vibre em baixa freqüência, como o medo, a raiva, a depressão, passa a existir naquilo que é, virtualmente,
uma ordem diferente de realidade. Já não penetra no nosso campo de consciência, ou, caso penetre, já não
precisamos mais oferecer resistência, porque ele passa através de nós. Por favor, não aceite ou rejeite simplesmente
o que estou explicando. Faça um teste.
Existe uma técnica de meditação simples e poderosa que pode ser usada sempre que você sentir
necessidade de reforçar seu sistema imunológico. Funciona, em especial, quando usada assim que você sente os
primeiros sintomas de uma doença, mas também pode surtir efeito com doenças que já se instalaram, se você
usá-la a intervalos freqüentes e com uma concentração intensa. Ela também vai neutralizar qualquer ruptura do
seu campo de energia causada por alguma forma de negatividade. Entretanto, não se trata de um substituto da
prática de estar no corpo, do contrário seu efeito será apenas passageiro.
Quando você não tiver o que fazer por alguns minutos, “inunde” o seu corpo com a consciência. É um
excelente exercício para fazer à noite antes de dormir e assim que acordar de manhã, antes mesmo de se
levantar. Feche os olhos. Deite-se de costas. Escolha partes diferentes do corpo para dirigir a sua atenção por
alguns momentos, como mãos, pés, braços, pernas, abdômen, peito, cabeça, etc. Sinta o campo de energia
dessas partes tão intensamente quanto puder. Detenha-se mais ou menos por quinze segundos em cada lugar.
Deixe sua atenção percorrer o corpo, como, uma onda, dos pés à cabeça e da cabeça aos pés. Leva apenas cerca
de um minuto. Depois disso, sinta seu corpo em sua totalidade, como um campo de energia único. Mantenha
esse sentimento por alguns segundos. Esteja intensamente presente em cada célula do seu corpo durante esse
tempo. Não se preocupe se a mente, ocasionalmente, conseguir desviar a sua atenção para fora do corpo e se
você se perder em algum pensamento. Assim que você perceber que isso aconteceu, retome a sua atenção para o
seu corpo interior.
Deixe que a respiração conduza você para dentro do corpo
Às vezes, quando minha mente está muito ativa, chega a ser impossível desviar a atenção dela e sentir o
corpo interior. Isso acontece, especialmente, em momentos de muita ansiedade ou preocupação. O que fazer
sobre isso?
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Se você encontrar dificuldades de entrar em contato com o seu corpo interior, é mais fácil, em primeiro
lugar, concentrar a atenção no movimento da respiração. Tomar consciência da respiração, que já é uma
meditação poderosa, irá, aos poucos, colocar você em contato com o corpo. Observe atentamente a respiração,
como ela entra e sai do nosso corpo. Respire e sinta o abdômen inflar e contrair-se levemente, a cada inspiração
e expiração. Se você tiver facilidade para visualizar, feche os olhos e veja-se no meio da luz, dentro de um mar
de consciência. Então, respire dentro dessa luz. Sinta essa substância luminosa preenchendo todo o seu corpo e
tornando-o luminoso. Então, aos poucos, concentre-se nessa sensação. Você agora está dentro do seu corpo.
Não se fixe em nenhuma imagem visual.
O uso criativo da mente
Caso você precise usar a mente para um propósito específico, use-a em parceria com o seu corpo interior.
Só se conseguirmos estar conscientes sem que haja pensamentos é que seremos capazes de usar a mente de
forma criativa, e o caminho mais fácil para entrar nesse estado é através do corpo. Sempre que for necessária
uma resposta, uma solução ou uma idéia criativa, pare de pensar por um momento e focalize a atenção em seu
campo de energia interior. Tome consciência da serenidade. Quando você voltar ao pensamento, ele será novo e
criativo. Em qualquer atividade mental, habitue-se a ir e vir, de tantos em tantos minutos, entre o pensamento e
uma espécie de escuta interior, uma serenidade interior. Poderíamos dizer: não pense apenas com a cabeça,
pense com todo o seu corpo.
A arte de escutar
Quando você parar para ouvir uma outra pessoa, não escute só com a mente, escute com todo o seu corpo.
Sinta o campo de energia do seu corpo interior enquanto escuta. Isso desvia a atenção do pensamento e cria um
espaço de serenidade que possibilita você ouvir realmente. sem que a mente interfira. Você está dando à outra
pessoa um espaço para ela ser. É o presente mais precioso que você pode dar a alguém. A maioria das pessoas
não sabe como ouvir, porque uma grande parte da atenção delas está dominada pelo pensamento. Prestam muito
mais atenção a isso do que às palavras da outra pessoa e nenhuma atenção ao que realmente importa, ou seja, o
Ser da outra pessoa que está debaixo das palavras e da mente. É claro que você não consegue sentir o Ser de
uma outra pessoa, exceto através de você mesmo. Esse é o início da realização de uma união, que é o amor. No
nível mais profundo do Ser, você está em unidade com tudo o que existe.
A maioria das relações humanas consiste principalmente na interação das mentes umas com as outras, e
não de seres humanos se comunicando, ficando em comunhão. Nenhuma relação pode florescer por esse
caminho, e essa é a razão de tantos conflitos nas relações. Quando a mente dirige a nossa vida, o conflito, as
lutas e os problemas são inevitáveis. Estar em contato com o seu corpo interior cria um espaço de mente vazia,
dentro do qual a relação pode florescer.

capitulo 5

O ESTADO DE PRESENÇA
Não é o que você pensa que é
Você continua falando que o estado de presença é a chave. Acho que compreendo a idéia mentalmente,
mas não sei se alguma vez vivenciei esse estado. Imagino o que seja. É do jeito que eu penso ou é algo
completamente diferente?
Não é o que você pensa que é! Não podemos pensar sobre a presença nem a mente pode entendê-la.
Compreender a presença é estar presente.
Faça uma experiência rápida. Feche os olhos e diga: “Imagino qual será o meu próximo pensamento”.
Depois fique bem alerta e espere pelo próximo pensamento. Aja como um gato espreitando o buraco do rato.
Que pensamento será que vai sair do buraco do rato? Experimente já.
E aí?
Tive de esperar bastante tempo até que surgisse um pensamento.
Exatamente. Enquanto estamos num estado de presença tensa, estamos livres do pensamento. Estamos
quietos, embora bem alerta. No instante em que a consciência desce abaixo de um certo nível, os pensamentos
surgem aos borbotões. O ruído mental volta a aparecer e perdemos a serenidade. Estamos de volta ao tempo.
Para testar o grau de presença, alguns mestres zen tornaram-se conhecidos por se aproximarem dos alunos
por trás e, de súbito, atingi-los com um bastão. Que susto! Se o aluno estivesse totalmente presente e em estado
de alerta, se tivesse “mantido seu lombo cingido e sua lamparina acesa”, que é uma das analogias de que Jesus
se utiliza para falar da presença, o aluno teria percebido o mestre se aproximar e o teria imobilizado ou se
desviado para o lado. Mas, se o aluno fosse atingido, significaria que estava mergulhado em seus pensamentos,
o que quer dizer, ausente, inconsciente.
Para ficarmos presentes no dia-a-dia, ajuda muito estarmos profundamente enraizados dentro de nós. Do
contrário, a mente, que tem um impulso inacreditável, nos arrastará com ela, como um rio caudaloso.
O que você quer dizer com “enraizado em seu interior”?
Significa ocupar o corpo completamente. Ter sempre a atenção concentrada no campo energético interior
do corpo. Sentir o corpo bem lá no fundo, como se diz. A consciência do corpo nos mantém presentes. Ela nos
dá uma base firme no Agora. (Ver capítulo seis.)
O sentido esotérico de “espera”
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Num certo sentido, o estado de presença poderia ser comparado à espera. Jesus empregou a analogia da
espera em muitas de suas parábolas. Não se trata do costumeiro tipo de espera, tediosa ou agitada, que é uma
negação do presente e sobre a qual já comentei. Não é uma espera na qual a atenção fica focalizada em algum
ponto do futuro e o presente é percebido como um obstáculo indesejável, que nos impede de alcançar o que
desejamos. Existe um tipo de espera que requer uma prontidão total. Alguma coisa pode acontecer a qualquer
momento e, se não estivermos absolutamente acordados e calmos, vamos perdê-la. Esse é o tipo de espera da
qual Jesus falou. Nesse estado, toda a nossa atenção está no Agora. Não há nenhum espaço para fantasias,
pensamentos, lembranças, antecipações. Não há tensão, nem medo, apenas uma presença alerta. Estamos
presentes com todo o nosso Ser, com cada célula do corpo. Nesse estado, o “você” que tem um passado e um
futuro, em outras palavras a personalidade, dificilmente está ali. E, mesmo assim, não se perdeu nada de valor.
Você ainda é essencialmente você. Na verdade, você é muito mais inteiramente você do que jamais terá sido, ou
melhor, somente agora você é verdadeiramente você.
“Seja como um servo esperando pelo retorno do seu senhor”, diz Jesus. O servo desconhece a que horas o
senhor vai chegar. Então fica acordado, vigilante, aprumado e sereno, para não perder a chegada do patrão. Em
outra parábola, Jesus fala das cinco mulheres descuidadas (inconscientes) que não tinham levado azeite
suficiente (consciência) para manter as lâmpadas acesas (ficar presente) e, assim, perderam a chegada do esposo
(o Agora) e não participaram das bodas (iluminação). Essas cinco fazem um contraste com as cinco mulheres
prudentes que tinham azeite (fique consciente).
Nem mesmo os homens que escreveram esses Evangelhos compreenderam o sentido dessas parábolas e,
assim, os primeiros mal-entendidos e distorções surgiram enquanto eles estavam escrevendo. Com as
interpretações equivocadas, perdeu-se completamente o sentido real. Essas parábolas não são sobre o fim do
mundo, mas sobre o fim do tempo psicológico. Elas apontam para a transcendência da mente e para a
possibilidade de se viver num estado inteiramente novo de consciência.
A beleza nasce da serenidade da sua presença
O que você acabou de descrever é algo que acontece comigo ocasionalmente por breves momentos
quando estou só e em meio à natureza.
Sim. Os mestres zen usam a palavra satori para descrever um momento de insight, um momento de mente
vazia e presença total. Embora satori não seja uma transformação duradoura, agradeça quando ele surgir porque
terá uma amostra da iluminação. Isso já pode ter acontecido muitas vezes, sem que você soubesse o que
significava e como era importante. A presença é necessária para tomarmos consciência da beleza, da majestade,
do aspecto sagrado da natureza. Você alguma vez contemplou o espaço infinito em uma noite clara, estarrecido
por sua calma absoluta e incrível vastidão? Já escutou, de verdade, o som de um riacho numa montanha na
floresta? Ou o som de um melro ao cair da tarde em uma tranqüila tarde de verão? Para perceber tudo isso a
mente tem que estar serena. Você tem de se despojar por um momento da sua bagagem pessoal de problemas,
do passado e do futuro, e também do seu conhecimento. Do contrário, você olhará mas não verá, ouvirá mas não
escutará. Estar totalmente presente é fundamental.
Existe algo mais sob a beleza das formas externas. Algo que não pode ser nomeado, que é inefável, uma
essência profunda, interna e sagrada. Onde quer que exista a beleza, essa essência interior brilhará de alguma
forma. Ela só se revela quando estamos presentes. Será possível que essa essência sem nome e a sua presença
sejam coisas idênticas e uma coisa só? Será que a essência estaria lá sem a sua presença? Vá fundo nisso.
Descubra por si mesmo.
Quando você vivenciou esses momentos de presença, provavelmente não percebeu que, por breves
instantes, esteve em um estado de mente vazia. Isso aconteceu porque o espaço entre esse estado e o fluxo de
pensamentos era muito estreito. O seu satori pode ter demorado só uns segundos antes que a mente surgisse,
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mas ele esteve lá, do contrário você não teria vivenciado a beleza. A mente não pode reconhecer, nem criar a
beleza. Por alguns segundos, enquanto você esteve completamente presente, aquela beleza ou algo sagrado
esteve lá. O pequeno espaço, sua falta de vigilância e a falha no estado de alerta impediram que você visse a
diferença fundamental entre a percepção, a consciência da beleza sem pensamento, e a nomeação e interpretação
disso como um pensamento. O espaço de tempo foi tão pequeno que pareceu ser um simples processo. No
entanto, a verdade é que, no momento em que o pensamento surgiu, tudo o que lhe restou foi uma lembrança
dele.
Quanto maior for o espaço entre a percepção e o pensamento, mais profundos seremos como seres
humanos, ou seja, ficaremos mais conscientes.
Muitas pessoas estão tão aprisionadas em suas mentes que a beleza da natureza não existe para elas.
Podem dizer “que flor linda”, mas é apenas um rótulo mental mecânico. Como elas não estão serenas, não estão
presentes, não vêem a flor de verdade, não sentem a sua essência, do mesmo modo como não conhecem a si
mesmas, não sentem a sua própria essência interior, sagrada.
Como vivemos em uma cultura dominada pela mente, a maior parte da arte moderna, da arquitetura, da
música e da literatura é desprovida de beleza, de essência interior, com raras exceções. A razão é que as pessoas
que criam essas obras não conseguem livrar-se das suas mentes, nem mesmo por um momento. Portanto, nunca
estão em contato com aquele lugar interior, onde se originam a verdadeira criatividade e a beleza. A mente pode
criar monstruosidades e não só nas galerias de arte. Olhe para as nossas paisagens urbanas e terrenos baldios em
zonas industriais. Nenhuma civilização jamais produziu tanta feiúra.
Vivenciando a consciência pura
Presença é o mesmo que Ser?
Quando tomamos consciência do Ser, o que de fato acontece é que o Ser se torna consciente de si mesmo.
Quando o Ser toma consciência de si mesmo, isso é presença. Como o Ser, a consciência e a vida são
sinônimos, podemos dizer que a presença significa a consciência se tornando consciente de si mesma, ou a vida
tomando consciência de si mesma. Mas não se apegue às palavras e não se esforce para entendê-las. Não há
nada que você precise entender antes de conseguir se tornar presente.
Compreendo o que você acabou de dizer, mas isso parece implicar que o Ser, a realidade transcendental
definitiva, ainda não está completo e que está passando por um processo de desenvolvimento. Será que Deus
precisa de tempo para um crescimento pessoal?
Sim, mas somente se visto da perspectiva limitada do universo manifesto. Na Bíblia, Deus declara: “Eu
sou o Alfa e o Omega, eu sou Aquele que está vivo”. No reino eterno em que Deus habita, que também é a
nossa casa, o começo e o fim, o Alfa e o Omega, são uma unidade, e a essência de todas as coisas que existem e
existirão está eternamente presente na forma de um estado não manifesto de unidade e perfeição, totalmente
além de qualquer coisa que a mente humana possa vir a imaginar ou compreender. Entretanto, em nosso mundo
de formas aparentemente separadas, a perfeição eterna é um conceito muito difícil de imaginarmos. Aqui, até
mesmo a consciência, que é a luz emanando da Fonte eterna, parece estar sujeita a um processo de
desenvolvimento, mas isso se deve à nossa percepção limitada. Não é isso o que acontece em termos absolutos.
Ainda assim, vou continuar a falar por um momento a respeito da evolução da consciência em nosso mundo.
Todas as coisas que existem têm um Ser, têm uma essência divina, têm algum grau de consciência. Até
mesmo uma pedra tem uma consciência rudimentar, do contrário não existiria e seus átomos e moléculas se
dispersariam. Tudo está vivo. O sol, a terra, as plantas, os animais, as pessoas, todos são expressões da
consciência em níveis variáveis, a consciência se manifestando como forma.
O universo desponta quando a consciência toma um corpo e uma forma, formas abstratas e formas
materiais. Olhe para os milhões de formas de vida só neste planeta. No mar, na terra, no ar e, em seguida, como
cada forma de vida se reproduz milhões de vezes. Com que propósito? Será que alguma coisa, ou alguém, está
jogando um jogo com a forma? É isso o que os antigos profetas da Índia se perguntavam. Viam o mundo como
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lila, uma espécie de jogo divino jogado por Deus. As formas de vida individuais não são obviamente muito
importantes nesse jogo. No mar, a maioria das formas de vida não sobrevive por mais de alguns minutos depois
de ter nascido. A forma humana também vira pó bem rapidamente e, quando ela se vai, é como se nunca tivesse
acontecido. Isso é trágico ou cruel? Só se criarmos uma identidade separada para cada forma e esquecermos que
a consciência de cada uma é a expressão da essência divina através forma. Mas você não sabe de verdade essas
coisas até que vivencia a sua própria essência divina como pura consciência.
Se um peixe nasce no seu aquário e você lhe dá o nome de John, escreve uma certidão de nascimento,
conta-lhe a história da família dele e, dois minutos depois, o vê sendo engolido por um outro peixe, isso é
trágico. Mas só é trágico porque você projetou um eu interior separado onde não havia nenhum. Você se
apoderou de uma fração de um processo dinâmico, uma dança molecular, e fez dela uma entidade separada.
A consciência assume formas tão complexas para se disfarçar que acaba se perdendo completamente
nelas. Nos dias atuais, a consciência está totalmente identificada com seu disfarce. Só se conhece como forma e
assim vive com medo da destruição da sua forma física ou psicológica. Essa é a mente egóica, e é aqui que
surge uma grave disfunção. Agora parece que alguma coisa deu errado em algum ponto ao longo da linha da
evolução. Mas mesmo isso é parte da lila, o jogo divino. Por fim, a pressão do sofrimento criada por essa
aparente disfunção obriga a consciência a se desidentificar da forma e a faz despertar do sonho da forma. Ela
recobra sua autopercepção, mas num nível muito mais profundo do que quando a perdeu.
Esse processo é explicado por Jesus na parábola do filho pródigo, que deixa a casa paterna, esbanja a sua
fortuna, vira um mendigo e então é forçado por suas provações a voltar para casa. Ao chegar, seu pai o ama
mais do que antes. O estado do filho é o mesmo que anteriormente, ainda que não o mesmo. Tem agora uma
dimensão adicional de profundidade. A parábola descreve uma trajetória a partir de uma perfeição inconsciente,
passa por uma aparente imperfeição e “demonismo”, até chegar a uma perfeição consciente.
Você consegue perceber agora a profundidade e a grandeza de se tornar presente como o observador da
sua mente? Sempre que observamos a mente, livramos a consciência das formas da mente, criando aquilo que
chamamos o observador ou a testemunha. Conseqüentemente, o observador – que é a pura consciência além da
forma – se torna mais forte, e as formações mentais se tornam mais fracas. Quando falamos sobre observar a
mente, estamos personalizando um fato de verdadeiro significado cósmico porque, através de você, a
consciência está despertando do seu sonho de identificação com a forma e se retirando da forma. Isso é o
prenúncio – e também parte – de um acontecimento que provavelmente ainda está num futuro distante, no que
diz respeito ao tempo cronológico. Esse acontecimento é conhecido como o fim do mundo.
Quando a consciência se liberta da sua identificação com as formas física e mental, torna-se o que
podemos chamar de consciência pura ou iluminada, ou presença. Isso já aconteceu com alguns indivíduos e
parece que está destinado a acontecer em breve em uma escala muito maior, embora não haja garantia absoluta
que vá acontecer. Muitos seres humanos ainda estão identificados com a mente e são governados por ela. Se não
se libertarem a tempo, serão destruídos por ela. Vão se ver envolvidos em confusões cada vez maiores,
conflitos, violência, doenças, desespero, loucura. A mente se transformou em um navio que naufraga. Se você
não pular, vai naufragar com ele. A mente egóica coletiva é a entidade mais perigosamente insana e destruidora
que jamais habitou nosso planeta. O que você acha que acontecerá ao planeta se a consciência humana não se
modificar?
Para a maioria dos seres humanos, a única maneira de descansar a mente é ocasionalmente reverter a um
nível de consciência abaixo do pensamento. As pessoas fazem isso todas as noites, durante o sono. Mas, até
certo ponto, isso também acontece através do sexo, da bebida e de outras drogas que suprimem a atividade
excessiva da mente. Se não fosse pela bebida, por tranqüilizantes e antidepressivos, bem como pelas drogas
ilegais, todas consumidas em grandes quantidades, a insanidade das mentes humanas seria até mais óbvia do
que já é. Acredito que, impedida de usar drogas, uma grande parte da população se transformaria num perigo
para ela mesma e para os outros. Essas drogas mantêm as pessoas paralisadas dentro da disfunção. Sua ampla
utilização apenas retarda a ruptura das velhas estruturas mentais e o aparecimento de uma consciência superior.
Enquanto os usuários individuais puderem obter algum alívio da tortura diária a eles infligi da por suas próprias
mentes, estarão sendo impedidos de gerar uma presença consciente o bastante para se elevarem sobre o
pensamento e assim encontrarem a verdadeira libertação.
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Retomar a um nível de consciência abaixo da mente, que é o nível pré-pensamento dos nossos ancestrais
distantes e também dos animais e das plantas, não é uma opção válida para nós. Não há como retomar. Se a raça
humana tiver de sobreviver, terá de passar para o estágio seguinte. A consciência está se desenvolvendo por
todo o universo através de bilhões de formas. Portanto, mesmo se não conseguirmos, não terá a menor
importância numa escala cósmica. Nunca se perde um avanço na consciência cósmica, ele simplesmente vai se
expressar através de uma outra forma. Mas o simples fato de eu estar falando aqui e de você estar me ouvindo,
ou lendo, é um sinal claro que uma nova consciência está ganhando espaço no planeta.
Não há nada de pessoal nisso: não estou ensinando nada a você. Você está consciente e está prestando
atenção. Há um ditado oriental que diz: “O mestre e o ensinamento juntos criam o ensino”. Em qualquer caso,
as palavras em si não são importantes. Elas não são a Verdade, só apontam para ela. Falo num momento de
presença e, enquanto falo, você pode querer se juntar a mim nesse estado. Embora cada palavra que eu
empregue tenha uma história, e, é claro, venha do passado, assim como todas as línguas, as palavras deste
momento são condutoras de uma alta freqüência de energia de presença, bem diferente do significado que elas
transmitem como simples palavras.
O silêncio é um condutor até mais potente de presença, portanto, quando você ler estas palavras ou me
ouvir dizê-las, perceba o silêncio entre e sob as palavras. Perceba os espaços. Ouvir o silêncio, onde quer que
você esteja, é um caminho fácil e direto de tornar-se presente. Mesmo quando há barulho, há sempre um pouco
de silêncio sob e entre os sons. Ouvir o silêncio cria imediatamente uma serenidade dentro de nós. Só a
serenidade dentro de nós percebe o silêncio lá fora. E o que é serenidade senão a presença, a consciência livre
das formas de pensamento? Eis aqui a realização exata do que venho falando.
Cristo: a realidade da sua divina presença
Não se apegue a uma única palavra. Você pode substituir “Cristo” por presença, se achar mais
significativo. Cristo é a essência de Deus dentro de nós ou o nosso Eu interior, como às vezes é chamado no
Oriente. A única diferença entre Cristo e presença é que Cristo remete à nossa existência divina sem se importar
se estamos ou não conscientes dela, ao passo que a presença significa a nossa divindade vigilante ou a essência
de Deus.
Se admitirmos que não há passado nem futuro em Cristo, poderemos esclarecer muitos mal-entendidos e
falsas crenças sobre Ele. Dizer que Cristo foi ou será é uma contradição. Jesus foi. Foi um homem que viveu há
dois mil anos e exerceu a sua divina presença, a sua verdadeira natureza. Suas palavras foram: “Antes que
Abraão existisse, Eu sou”. Ele não disse: “Eu já existia antes de Abraão ter nascido”. Isso significaria que Ele
ainda estaria dentro da dimensão do tempo e da identidade da forma. As palavras Eu sou utilizadas em uma
frase que começa no tempo passado indicam uma mudança radical, uma descontinuidade na dimensão temporal.
É uma afirmação, ao estilo zen, de grande profundidade. Jesus tentou transmitir diretamente, e não através de
divagações, o significado de presença, de auto- realização. Ele foi além da dimensão da consciência governada
pelo tempo e penetrou no domínio da eternidade. Foi assim que a dimensão de eternidade surgiu neste mundo.
A eternidade não significa tempo sem fim, mas sim tempo nenhum. Assim, o homem Jesus se tornou o Cristo,
um veículo de pura consciência. E qual é a própria definição de Deus na Bíblia? Será que Deus disse: “Eu fui e
sempre serei?” Claro que não. Isso teria conferido realidade ao passado e ao futuro. Deus disse: “EU SOU O
QUE SOU”. Aqui não existe o tempo, só a presença.
A “segunda vinda” do Cristo é uma transformação da consciência humana, uma mudança do tempo para a
presença, do pensamento para a consciência pura, e não a chegada de algum homem ou de alguma mulher. Se
“Cristo” estivesse para chegar amanhã, revestido de alguma forma externa, o que ele ou ela poderia nos dizer
além do seguinte: “Eu sou a Verdade. Eu sou a Divina Presença. Eu sou a Vida Eterna. Estou dentro de você.
Estou aqui. Eu sou o Agora”.
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Nunca personalize Cristo. Não dê uma forma de identidade a Cristo. Avatares, mães divinas, mestres
iluminados, os pouquíssimos que realmente são, não têm nada de especial como pessoas. Como não têm de
sustentar o ego, defendê-lo ou alimentá-lo, são mais simples do que as pessoas comuns. Qualquer pessoa com
um ego forte os olharia como insignificantes ou, mais provavelmente, nem os veria.
Se você for atraído para um professor iluminado, é porque já existe presença bastante em você para
reconhecer a presença no outro. Houve muitas pessoas que não reconheceram Jesus ou Buda, assim como há – e
sempre haverá – pessoas que são levadas a falsos professores. Egos são atraídos por grandes egos. A escuridão
não consegue reconhecer a luz. Portanto, não acredite que a luz está fora de você ou que ela só pode vir através
de uma forma específica. Se só o seu mestre for a encarnação de Deus, quem é você então? Qualquer espécie de
exclusividade é uma identificação com a forma, e a identificação com a forma significa o ego, não importa o
quanto ele esteja bem disfarçado.
Utilize a presença do mestre para ver um reflexo da sua própria identidade por trás do nome e da forma e
para se tornar mais intensamente presente. Em pouco tempo você verá que não existe nenhum “meu” ou “seu”
na presença. A presença e única.
O trabalho em grupo também pode ser de grande utilidade para intensificar a luz da nossa presença. Um
grupo de pessoas atingindo juntas um estado de presença gera um campo de energia de grande intensidade. Isso
não só aumenta o estado de presença de cada membro do grupo, mas também ajuda a libertar a consciência
coletiva humana do seu estado normal de dominação da mente. Essa prática vai tornar o estado de presença cada
vez mais acessível às pessoas. Entretanto, a menos que um membro do grupo já esteja firmemente estabelecido
na presença e consiga sustentar a freqüência de energia desse estado, a mente pode facilmente voltar a dominar
e sabotar os esforços do grupo. Embora o trabalho em grupo seja valioso, ele não é o bastante e você não deve
depender dele. Nem de um professor ou de um mestre, exceto durante o período de transição, quando você está
aprendendo o significado e a prática da presença.

capitulo 4

ESTRATÉGIAS DA MENTE PARA EVITAR O AGORA
A perda do agora: a ilusão central
Mesmo que eu aceite que o tempo é uma ilusão, que diferença isso fará na minha vida? Tenho que
continuar a viver em um mundo absolutamente dominado pelo tempo.
O entendimento intelectual é apenas mais uma crença e não vai fazer muita diferença para a nossa vida.
Para perceber essa verdade temos que vivenciá-la. Quando cada célula do nosso corpo está tão presente que
vibra com a vida, e quando conseguimos sentir essa vida a cada momento como a alegria do Ser, podemos dizer
que estamos livres do tempo.
Mas ainda tenho de pagar as contas e sei que vou envelhecer e morrer, exatamente como todas as
pessoas. Como posso dizer que estou livre do tempo?
As contas de amanhã não são um problema. A degeneração do corpo não é um problema. A perda do
Agora é o problema, ou melhor, a ilusão central que transforma uma situação simples, um acontecimento ou
uma emoção em um problema pessoal e em sofrimento. Perder o Agora é perder o Ser.
Livrar-se do tempo é livrar-se da necessidade psicológica tanto do passado quanto do futuro. Isso
representa a mais profunda transformação de consciência que você possa imaginar. Em casos muito raros, essa
mudança na consciência acontece de forma drástica e radical, de uma vez por todas. Quando isso acontece,
normalmente é através de uma completa rendição, em meio a um sofrimento intenso. Muitas pessoas, entretanto,
têm de trabalhar para obtê-la.
Depois dos primeiros vislumbres do estado atemporal de consciência, passamos a viver em um vaivém
entre a dimensão do tempo e a presença. Primeiro, você começa a perceber que a sua atenção raramente está no
Agora. Entretanto, saber que você não está presente já é um grande sucesso. O simples saber já é presença –
mesmo que, no início, dure só alguns segundos no tempo do relógio antes de desaparecer outra vez. Depois,
com uma freqüência cada vez maior, você escolhe dirigir o foco da consciência para o momento presente. Você
se torna capaz de ficar presente por períodos mais longos. Portanto, antes que sejamos capazes de nos
estabelecer com firmeza no estado de presença, oscilamos, periodicamente, de um lado para o outro, entre a
consciência e a inconsciência, entre o estado de presença e o estado de identificação com a mente. Perdemos o
Agora várias vezes, mas retornamos a ele. Por fim, a presença se torna o estado predominante.
A maioria das pessoas nunca vivencia a presença. Ela acontece apenas de modo breve e acidental, em
raras ocasiões, sem ser reconhecida pelo que é. Muitos seres humanos não se alternam entre a consciência e a
inconsciência, mas somente entre diferentes níveis de inconsciência.
A inconsciência comum e a inconsciência profunda
O que você quer dizer com diferentes níveis de inconsciência?
Como você provavelmente sabe, o ser humano se desloca constantemente entre fases do sono em que
sonha e que não sonha. Da mesma forma, a maioria das pessoas, quando acordada, se alterna entre a
inconsciência comum e a inconsciência profunda. Chamo de inconsciência comum essa identificação com os
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nossos processos de pensamentos e emoções, nossas reações, desejos e aversões. É o estado normal da maioria
das pessoas. Nesse estado, somos governados pela mente e não temos consciência do Ser. Não se trata de um
estado de sofrimento agudo ou de infelicidade, mas de um nível baixo e contínuo de desconforto,
descontentamento, enfado ou nervosismo, como uma espécie de estática ao fundo. Talvez você não perceba
muito bem essa situação porque ela já faz parte da nossa vida “normal”, da mesma forma que você não percebe
um barulho contínuo ao fundo, como o zumbido do ar-condicionado, até ele parar. Quando isso acontece de
repente, ocorre uma sensação de alívio. Muitas pessoas usam a bebida, as drogas, o sexo, a comida, o trabalho, a
televisão, ou até mesmo o ato de fazer compras como anestésicos, em uma tentativa inconsciente para acabar
com esse desconforto básico. Quando isso acontece, uma atividade que poderia ser muito agradável, se feita
com moderação, passa a ter um componente de compulsão ou dependência, e tudo o que se obtém sob essa
influência traz uma sensação de alívio por um período extremamente curto.
A sensação de desconforto da inconsciência comum se transforma no sofrimento da inconsciência
profunda, ou seja, um estado de sofrimento ou infelicidade mais agudo e mais perceptível quando as coisas “vão
mal”, quando o ego é ameaçado ou quando existe um desafio maior, tal como uma perda real ou imaginária em
nossa situação de vida, ou um conflito numa relação. A inconsciência profunda é uma versão ampliada da
inconsciência comum, da qual difere na intensidade, mas não na espécie.
Na inconsciência comum, uma resistência habitual ou uma negação daquilo que é cria um desconforto
que a maioria das pessoas aceita como algo normal. Quando essa resistência se intensifica através de algum
desafio ou ameaça ao ego, faz aflorar uma negatividade intensa que se manifesta sob a forma de raiva, medo
profundo, agressão, depressão, etc. A inconsciência profunda significa, com freqüência, que o sofrimento
começou e que você passou a se identificar com ele. A violência física não aconteceria sem o estado de
inconsciência profunda. Ela pode explodir com facilidade quando as pessoas geram um campo coletivo de
energia negativa.
O melhor indicador do nível de consciência é a maneira como você lida com os desafios da vida. É
através desses desafios que uma pessoa já inconsciente tende a se tornar mais profundamente inconsciente, e
uma pessoa consciente a se tornar mais intensamente consciente. Podemos nos valer de um desafio para nos
acordar ou para permitir que ele nos empurre para um sono ainda mais profundo. O sonho no nível da
inconsciência comum se transforma, então, em pesadelo.
Se você não consegue estar presente mesmo em situações normais, como, por exemplo, quando está
sozinho em uma sala, caminhando no campo ou ouvindo alguém, certamente não será capaz de permanecer
consciente quando alguma coisa “vai mal”. Será dominado por uma reação, que é sempre, em última análise,
alguma forma de medo, e empurrado para uma inconsciência profunda. Esses desafios são os seus testes. Só o
modo como você lida com eles lhe mostrará onde você está no que se refere ao seu estado de consciência, e não
a quantidade de horas que você consegue ficar sentado com os olhos fechados.
Portanto, é fundamental colocar mais consciência em sua vida durante as situações comuns, quando tudo
está correndo de modo relativamente tranqüilo. É assim que se aumenta o poder de presença. Ele gera um
campo energético de alta freqüência vibracional em você e ao seu redor. Nenhuma inconsciência, nenhuma
negatividade, nenhuma discórdia ou violência pode penetrar nesse campo e sobreviver, do mesmo modo que a
escuridão não consegue sobreviver na presença da luz.
O que eles estão buscando?
Carl Jung relata, em um de seus livros, uma conversa mantida com um chefe indígena norte-americano
para quem a maioria das pessoas brancas tinha rostos tensos, olhos espantados e um ar cruel. O chefe disse:
“Estão sempre buscando alguma coisa. O que eles estão procurando? Os brancos sempre querem alguma coisa.
Estão sempre agitados e descontentes. Não sabemos o que desejam. Achamos que são loucos”.
Não há dúvidas de que a tendência a uma permanente sensação de desconforto começou muito antes do
surgimento da civilização industrial ocidental, mas foi na civilização ocidental, que hoje cobre quase todo o
planeta, inclusive grande parte do Leste, que ela se manifestou de uma forma aguda sem precedentes. Ela já
estava presente no tempo de Jesus e também seiscentos anos antes, no tempo de Buda, e muito antes desse
tempo. “Por que vocês estão sempre ansiosos?”, Jesus perguntou aos discípulos. “Será que os seus pensamentos
ansiosos podem acrescentar um simples dia às vossas vidas?” Da mesma forma, Buda ensinou que a raiz do
sofrimento pode ser encontrada em nossos desejos e ansiedades permanentes.
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A resistência ao Agora como uma disfunção básica coletiva está intimamente ligada à perda da
consciência do Ser e forma a base da nossa civilização industrial desumanizada. Freud também reconheceu a
existência dessa tendência para o desconforto e escreveu sobre o assunto em seu livro O Mal-Estar na
Civilização, mas não admitiu a verdadeira raiz da inquietação e falhou em perceber que é possível libertar-se
dela. Essa disfunção coletiva criou uma civilização muito infeliz e extraordinariamente violenta, que se tornou
uma ameaça não só para si mesma, mas para toda a vida do planeta.
Dissolvendo a inconsciência comum
Como podemos nos livrar desse desconforto?
Torne-o consciente. Observe as muitas maneiras pelas quais o desconforto, o descontentamento e a tensão
surgem dentro de você, através de julgamentos desnecessários, resistência àquilo que é e negação do Agora.
Qualquer coisa inconsciente se dissolve quando a luz da consciência brilha sobre ela. Se soubermos como
dissolver a inconsciência comum, a luz da nossa presença irá brilhar intensamente e será muito mais fácil
lidarmos com a inconsciência profunda. Mas, no início, talvez não seja muito fácil detectar a inconsciência
comum porque a consideramos uma coisa normal.
Habitue-se a monitorar o seu estado mental e emocional através de uma auto-observação. “Estou me
sentindo à vontade nesse momento?” é uma pergunta que você deve se fazer com freqüência. Ou pode se
questionar: “O que está acontecendo dentro de mim neste exato momento?” Mantenha o mesmo nível de
interesse pelo que vai tanto no seu interior quanto no exterior. Se você captar corretamente o interior, o exterior
se encaixará no lugar. A realidade principal está no interior, a realidade externa é secundária. Mas não responda
logo a essas questões. Direcione a sua atenção para o interior. Olhe para dentro de você. Que tipo de
pensamentos a sua mente está produzindo? O que você sente? Dirija a atenção para o seu corpo. Existe alguma
tensão? Quando você perceber um certo desconforto, um ruído estático ao fundo, verifique que caminhos você
está usando para evitar, resistir ou negar a vida, o Agora. Existem muitos caminhos pelos quais resistimos,
inconscientemente, ao momento presente. Vou dar alguns exemplos. Com a prática, o seu poder de autoobservação,
de monitorar o seu estado interior, se tornará mais aguçado.
Libertando-se da infelicidade
Você não está satisfeito com as atividades que desempenha? Talvez não goste de seu trabalho ou tenha se
aborrecido por ter concordado em fazer alguma coisa, embora parte de você não goste e ofereça resistência.
Tem algum ressentimento oculto em relação a alguém próximo a você? Percebe que a energia que você
desprende por conta disso tem efeitos tão prejudiciais que você está contaminando a si mesmo e aos que estão
ao seu redor? Dê uma boa olhada dentro de você. Existe algum leve traço de ressentimento ou má vontade? Se
existe, observe-o, tanto no nível mental quanto no emocional. Que tipos de pensamento a sua mente está criando
em torno dessa situação? Depois, observe a sua emoção, que é a reação do corpo a esses pensamentos. Sinta a
emoção. Ela lhe parece agradável ou não? É uma energia que você escolheria para ter dentro de você? Você tem
escolha?
Talvez a atividade seja tediosa, ou alguém próximo a você seja desonesto, irritante ou inconsciente, mas
tudo isso é irrelevante. Não faz a menor diferença se os seus pensamentos e emoções a respeito da situação
tenham ou não uma justificativa. O fato é que você está resistindo ao que é. Está transformando o momento
atual num inimigo. Está criando infelicidade, um conflito entre o interior e o exterior. A sua infelicidade está
poluindo não só o seu próprio ser interior e daqueles à sua volta, como também a psique coletiva humana, da
qual você é uma parte inseparável. A poluição do planeta é apenas um reflexo externo de uma poluição interior
psíquica gerada por milhões de indivíduos inconscientes, sem a menor responsabilidade pelos espaços que
trazem dentro de si.
Você pode parar de executar a tarefa que está lhe causando insatisfação, falar com a pessoa envolvida e
expressar todos os seus sentimentos, ou livrar-se da negatividade que a sua mente criou em volta da situação e
que não serve a nenhum propósito, exceto o de fortalecer um falso sentido do eu interior. É importante
– 38 –
reconhecer essa inutilidade. A negatividade nunca é o melhor caminho para lidar com qualquer situação. Na
verdade, na maior parte dos casos, ela nos paralisa, bloqueando qualquer mudança verdadeira. Qualquer coisa
feita com uma energia negativa será contaminada por ela e dará origem a mais sofrimento. Além disso, qualquer
estado interior negativo é contagioso, pois a infelicidade se espalha mais rapidamente do que uma doença física.
Pela lei da ressonância, ela detona e alimenta a negatividade latente nos outros, a menos que sejam imunes, quer
dizer, altamente conscientes.
Você está poluindo o mundo ou limpando a sujeira? Você é responsável pelo seu espaço interior, da
mesma forma que é responsável pelo planeta. Assim no interior, assim no exterior: se os seres humanos
limparem a poluição interior, deixarão então de criar a poluição externa.
Como podemos nos livrar da negatividade?
Descartando-a. Como nos livramos de um pedaço de carvão em brasa que está em nossas mãos? Como
nos livramos de uma bagagem pesada e inútil que estamos carregando? Reconhecendo que não desejamos mais
sofrer nem carregar peso, e deixando-os de lado.
A inconsciência profunda, como o sofrimento físico ou outro sofrimento profundo, como, por exemplo, a
perda de uma pessoa amada, quase sempre necessita ser transformada através da aceitação combinada com a luz
da presença, ou seja, através de uma atenção constante. Por outro lado, muitos padrões da inconsciência comum
podem ser simplesmente descartados ao percebermos que não os queremos mais ou que não precisamos mais
deles, que temos uma escolha e que não somos só um feixe de reflexos condicionados. Tudo isso indica que
somos capazes de acessar o poder do Agora. Sem ele, não temos escolha.
Ao chamar algumas emoções de negativas, será que você não está criando uma polaridade mental de
bom e mau, como mencionou anteriormente?
Não. A polaridade foi criada num estágio anterior, quando sua mente julgou o momento presente como
mau. Foi esse julgamento que criou a emoção negativa.
Mas ao chamar algumas emoções de negativas, você não está querendo dizer que elas não deveriam
estar ali, que não está certo ter essas emoções? Entendo que deveríamos nos permitir ter qualquer tipo de
sentimento, sem julgar se ele é bom ou mau. Não há nada demais em estar com raiva, de mau humor, ou seja lá
o que for, do contrário, nos sentiremos reprimidos, em conflito interior ou rejeitados. As coisas estão bem do
jeito que são.
Sem dúvida. Quando um padrão mental, uma emoção ou uma reação forem observados, aceite-os. Você
não está consciente o bastante para ter uma escolha em relação a esse assunto. Não se trata de um julgamento,
apenas de um fato. Se você tivesse uma escolha, ou percebesse que, de fato, tem uma escolha, escolheria o
sofrimento ou a alegria, o conforto ou o desconforto, a paz ou o conflito? Escolheria um pensamento ou um
sentimento que separasse você do seu estado natural de bem-estar, da alegria da vida interior? Chamo de
negativo a qualquer sentimento dessa natureza, o que significa simplesmente mau. Não no sentido de “você não
deveria ter feito isso”, mas simplesmente o mau no sentido concreto, como sentir dor de estômago. Como é
possível que os seres humanos tenham assassinado mais de 100 milhões de seus semelhantes apenas no século
vinte?1 Pessoas infligindo um sofrimento de tal magnitude umas às outras está além de qualquer coisa que você
possa imaginar. E isso sem considerar a violência física, mental e emocional, a tortura, o sofrimento e a
crueldade que os homens continuam a infligir uns aos outros, bem como a outros seres vivos.
Será que agem assim em seu estado natural, em contato com a alegria da vida dentro deles? Claro que
não. Somente aqueles que vivem num estado profundamente negativo, que se sentem de fato muito mal,
poderiam ver tal realidade como um reflexo do modo como se sentem. No momento, essas pessoas estão
empenhadas em destruir a natureza e o planeta que nos sustenta. Isso é inacreditável, mas é verdadeiro. O
1 Sivard, R. L. World Military ans Social Expenditures. 1996. 16ª edição. Washington, D. C.: World Priorities,
1996. p. 7.
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homem é uma espécie perigosamente insana e doente. Isso não é um julgamento, é um fato. É também um fato
que a sanidade está lá, por baixo da loucura. A cura e a redenção estão disponíveis neste exato momento.
É verdade que, quando aceita seu ressentimento, o mau humor, a raiva, etc., você não sente mais
necessidade de manifestá-los de maneira cega e tem menos chance de projetá-los sobre os outros. Mas eu me
pergunto se você não está se iludindo. Quando uma pessoa vem praticando a aceitação por um tempo, como é o
seu caso, chega um ponto em que precisa passar para o estágio seguinte, onde essas emoções negativas não são
mais criadas. Se você não passa, a “aceitação” se torna apenas um rótulo mental que permite ao seu ego
continuar a ser tolerante com a tristeza e, dessa forma, fortalecer o sentimento de separação das outras pessoas,
do seu ambiente, do seu aqui e agora. Como você bem sabe, a separação é a base do sentido de identidade do
ego. A aceitação verdadeira poderia transformar tudo de uma vez por todas. E se sabe, bem lá no fundo, que
tudo “está bem” como você diz, será que esses pensamentos negativos viriam em primeiro lugar? Se não houver
julgamento nem resistência ao que é, eles nem surgiriam. A sua mente diz que “tudo está bem”, mas no fundo
você não acredita nisso, e assim os velhos padrões de resistência mental e emocional ainda estão ali. É isso o
que nos faz mal.
Isso também não tem importância.
Você está defendendo o seu direito de ser inconsciente, o seu desejo de sofrer? Não se preocupe, pois
ninguém vai lhe tirar esse direito. Ao perceber que um determinado tipo de alimento lhe faz mal, você
continuaria a comer aquele alimento e insistiria em afirmar que não se importa em passar mal?
Onde quer que você esteja, esteja por inteiro
Você pode dar outros exemplos da inconsciência comum?
Observe quando estiver reclamando, com palavras ou pensamentos, de uma situação que envolva você –
pode ser alguém que fez ou disse algo que lhe aborreceu, algo sobre a sua situação de vida, o lugar onde mora,
ou até mesmo o tempo. Reclamar é sempre uma não aceitação de algo que é. Essa atitude contém
invariavelmente uma carga negativa inconsciente. Quando você reclama, transforma-se em vítima. Quando fala,
você está no controle. Portanto, mude a situação agindo ou falando, caso necessário ou possível, ou então fuja
da situação ou mesmo aceite-a. Tudo o mais é loucura.
A inconsciência comum é sempre relacionada, de algum modo, com a negação do Agora. O Agora,
naturalmente, também implica o aqui. Você está resistindo ao aqui e agora? Algumas pessoas prefeririam estar
num outro lugar. O “aqui” delas nunca é suficientemente bom. Observe-se e verifique se isso acontece em sua
vida. Onde quer que você esteja, esteja lá por inteiro. Se você acha insuportável o seu aqui e agora e isso lhe faz
infeliz, há três opções: abandone a situação, mude-a ou aceite-a totalmente. Se você deseja ter responsabilidade
sobre a sua vida, deve escolher uma dessas opções e deve fazê-lo agora. Depois, arque com as conseqüências.
Sem desculpas. Sem negatividade. Sem poluição física. Mantenha limpo o seu espaço interior.
Se você tomar qualquer atitude, abandonando ou mudando a situação, livre-se primeiro da negatividade.
Uma atitude originada no discernimento tem mais efeito do que uma originada na negatividade.
Uma atitude qualquer é muitas vezes melhor do que nenhuma atitude, especialmente se há muito tempo
você está paralisado numa situação infeliz. Se for uma atitude errada, ao menos você aprenderá alguma coisa,
caso em que deixará de ser um erro. Se você não agir, nada aprenderá. Será que o medo está evitando que você
tome uma atitude? Admita o medo, observe-o, concentre-se nele, esteja totalmente presente. Isso corta a ligação
entre o medo e o pensamento. Não deixe o medo nascer em sua mente. Use o poder do Agora. O medo não pode
prevalecer sobre ele.
Se não há mesmo nada a fazer e você não pode mudar a situação, então aceite o aqui e agora totalmente,
abandonando toda a resistência interior. O falso e infeliz eu interior, que adora sentir-se miserável, ressentido ou
com pena de si mesmo, não consegue mais sobreviver. Isso se chama rendição. A rendição não é uma fraqueza.
Há uma grande força nela. Somente alguém que se rendeu tem poder espiritual. Através da rendição, você se
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livrará da situação internamente. É possível que você perceba uma mudança na situação sem que tenham sido
necessários maiores esforços da sua parte. De qualquer forma, você está livre.
Ou haverá algo que você “deveria” estar fazendo mas não está? Levante-se e faça agora. Ou, em vez
disso, aceite totalmente a sua inatividade, preguiça ou passividade neste momento, se esta é a sua escolha.
Mergulhe nela por inteiro. Desfrute-a. Seja tão preguiçoso ou inativo quanto puder. Se você fizer isso
conscientemente, logo sairá dela. Ou talvez não. Em qualquer dos casos, não há nenhum conflito interior,
nenhuma resistência, nenhuma negatividade.
Você está sofrendo de estresse? Pensa tanto no futuro que o presente está reduzido a um meio para chegar
lá? O estresse é causado pelo estar “aqui” embora se deseje estar “lá”, ou por se estar no presente desejando
estar no futuro. É uma divisão que corta a pessoa por dentro. Criar e viver com essa divisão é insano. O fato de
que todas as pessoas estão agindo assim não torna ninguém menos insano. Se você não pode fugir disso, tem de
se movimentar rápido, trabalhar rápido, ou até mesmo correr, sem se projetar no futuro e sem resistir ao
presente. Quando se movimentar, trabalhar e correr, faça tudo por inteiro. Desfrute o fluxo de energia, a alta
energia desse momento. Agora não há mais estresse, não há mais divisão por dois, apenas o movimento, a
corrida, o trabalho. Desfrute essas atitudes. Ou você também pode abandonar tudo e se sentar num banco do
parque. Mas, ao fazê-lo, observe a sua mente. Pode ser que ela diga: “Você devia estar trabalhando. Está
perdendo o seu tempo”. Observe a mente. Sorria para ela.
O passado toma uma grande parte da sua atenção? Você freqüentemente fala e pensa sobre ele, tanto de
forma positiva quanto negativa? As grandes coisas que você conquistou, suas experiências e aventuras, ou as
coisas horrorosas que lhe aconteceram, ou talvez que você fez a alguém? Será que seus pensamentos estão
gerando culpa, orgulho, ressentimento, raiva, arrependimento ou autopiedade? Então, você está não só dando
mais força ao falso eu interior, como também ajudando a acelerar o processo de envelhecimento do seu corpo
através da criação de um acúmulo de passado na sua psique. Constate isso observando à sua volta aquelas
pessoas que têm uma forte tendência para se apegar ao passado.
Morra para o passado a cada instante. Você não precisa dele. Refira-se a ele apenas quando totalmente
relevante para o presente. Sinta o poder do momento presente e a plenitude do Ser. Sinta a sua presença.
Você tem preocupações? Tem muitos pensamentos do tipo “e se”? Você está identificado com a mente,
que está se projetando num futuro imaginário e criando o medo. Não há como enfrentar tal tipo de situação,
porque ela não existe. É um fantasma mental. Você pode parar com essa insanidade que corrói a saúde e a vida
aceitando simplesmente o momento presente. Perceba a sua respiração. Sinta o ar entrando e saindo do seu
corpo. Sinta o seu campo interno de energia. Tudo com o que você sempre teve que lidar, tudo que teve de
enfrentar na vida real, em oposição às projeções imaginárias da mente, é o momento presente. Pergunte-se qual
é o seu problema neste exato momento, não no ano que vem, ou amanhã ou daqui a cinco minutos. O que está
errado neste exato momento? Você pode sempre enfrentar o Agora, mas não pode jamais enfrentar o futuro,
nem tem de fazer isso. A resposta, a força, a atitude certa estarão à sua disposição quando você precisar, nem
antes, nem depois.
“Algum dia vou fazer isso”. Seu objetivo está tomando de tal modo a sua atenção que o momento
presente é apenas um meio para atingir um fim? Está consumindo a alegria das coisas que você faz? Você está
esperando para começar a viver? Se você desenvolver esse tipo de padrão mental, não importa o que você
adquira ou alcance, o presente nunca será bom o bastante. O futuro sempre parecerá melhor. Uma receita
perfeita para uma insatisfação permanente, você não acha?
Você está sempre “esperando” alguma coisa? Quanto tempo da sua vida você passou esperando? Chamo
“espera de pequena escala” à espera na fila do correio, num engarrafamento de automóveis, no aeroporto, por
alguém que vai chegar, um trabalho que precisa ser terminado, etc. Chamo de “espera em grande escala” à
espera pelas próximas férias, por um emprego melhor, pelos filhos crescerem, por uma relação verdadeiramente
significativa, pelo sucesso, para ficar rico, para ser importante, para se tornar iluminado. Não é raro que as
pessoas passem a vida toda esperando para começar a viver.
Esperar é um estado mental. Significa basicamente desejar o futuro e não querer o presente. Você não
quer o que conseguiu e deseja aquilo que não conseguiu. Em qualquer dos tipos de espera você,
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inconscientemente, cria um conflito interior entre o seu aqui e agora, onde você não quer estar, e o futuro
projetado, onde você quer estar. Essa situação reduz grandemente a qualidade da sua vida ao fazer você perder o
presente.
Não há nada de errado em nos empenharmos para melhorar a nossa situação de vida. Podemos melhorar a
situação da nossa vida, mas não podemos melhorar a nossa vida. A vida é básica.
A vida é o Ser interior mais profundo. É um todo, completo, perfeito. A nossa situação de vida se
constitui das nossas circunstâncias e experiências. Não há nada de errado em estabelecermos metas e nos
empenharmos para conseguir bens. O erro reside em usar isso como um substituto para o sentimento da vida,
para o Ser. O único ponto de acesso a isso é o Agora. Agimos, assim, como um arquiteto que não dá atenção às
fundações de uma construção, mas que gasta um bom tempo trabalhando na superestrutura.
Por exemplo. Muitos de nós estamos à espera da prosperidade. Ela pode não acontecer no futuro. Quando
respeitamos, admitimos e aceitamos completamente a realidade do presente – onde estamos, quem somos, o que
estamos fazendo agora –, quando aceitamos o que temos, significa que estamos agradecidos pelo que
conseguimos, pelo que é, pelo Ser. A gratidão pelo momento presente e pela plenitude da vida atual é a
verdadeira prosperidade. Não está no futuro. Então, no tempo certo, essa prosperidade se manifesta para nós de
várias maneiras.
Se você não encontra satisfação nas coisas que possui, se tem um sentimento de frustração ou de
aborrecimento por não ter tudo o que quer no presente, isso pode levá-lo a querer enriquecer, mas, mesmo que
consiga milhões, continuará a ter uma sensação de que falta alguma coisa. Talvez o dinheiro lhe compre muitas
experiências excitantes, embora passageiras, deixando sempre uma sensação de vazio e estimulando uma
necessidade de gratificação física ou psicológica ainda maior. Você não vai se conformar em simplesmente Ser
e, assim, sentir a plenitude da vida agora – a verdadeira prosperidade.
Portanto, desista da espera como um estado da mente. Quando você se vir escorregando para a espera...
pule fora. Venha para o momento presente. Apenas seja e aprecie ser. Quando estamos presentes, nunca
precisamos esperar por nada. Portanto, da próxima vez que alguém disser “desculpe por ter feito você esperar”,
sua resposta pode ser: “Está tudo bem, não estava esperando. Estava aqui contente comigo, com meu eu
interior”.
Essas são apenas algumas das estratégias comuns da mente para negar o momento presente já
incorporadas à inconsciência comum. São fáceis de passar despercebidas porque já estão entranhadas em nosso
modo de vida, como o ruído de fundo do nosso eterno descontentamento. Mas, quanto mais você praticar o
monitoramento do seu estado interior emocional e mental, mais fácil será perceber em que momento você foi
capturado pelo passado e pelo futuro, bem como despertar da ilusão do tempo dentro do presente. Mas tenha
cuidado porque o eu interior falso e infeliz, baseado na identificação com a mente, vive no tempo. Ele sabe que
o presente significa sua própria morte e sente-se ameaçado. Fará tudo para afastar você do Agora. Tentará
manter você preso ao tempo.
O propósito interno da nossa jornada de vida
Posso perceber a verdade do que você está dizendo, mas ainda acho que devíamos ter um propósito em
nossa jornada, do contrário, ficamos sem rumo. Propósito significa futuro, não significa? Como conciliar isso
com o viver no presente?
Ao partir numa jornada, é claro que ajuda muito sabermos para onde vamos ou, ao menos, a direção geral
que estamos tomando. Entretanto, não podemos esquecer de que a única coisa real sobre a nossa jornada é o
passo que estamos dando neste exato momento. Isso é tudo o que existe.
Nossa jornada de vida tem um propósito externo e um interno. O propósito externo é o de alcançarmos o
objetivo ou destino, realizarmos o que estabelecemos cumprir, adquirirmos uma coisa ou outra, o que, é claro,
envolve o futuro. Mas, se o destino ou os passos que vamos dar no futuro tomam tanto nossa atenção que se
tornam mais importantes do que o passo que estamos dando agora, significa que perdemos completamente o
propósito interno da vida, que não tem nada a ver com aonde estamos indo ou com o que estamos fazendo, mas
tudo a ver com o de que modo. Esse propósito interno não está relacionado com o futuro e sim com a qualidade
da nossa consciência no momento presente. O propósito externo pertence à dimensão horizontal de tempo e
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espaço enquanto o interno diz respeito ao aprofundamento do Ser na dimensão vertical do eterno Agora. Nossa
jornada externa pode conter um milhão de passos enquanto a jornada interna só tem um, que é o passo que
estamos dando neste exato momento. Quando tomamos maior consciência desse passo, percebemos que ele já
contém dentro de si todos os outros passos, assim como o nosso destino. Esse único passo se vê transformado
em uma expressão da perfeição, um ato de grande beleza e qualidade. Ele terá nos levado para dentro do Ser e a
luz do Ser brilhará através dele. Este é tanto o propósito quanto à realização da nossa jornada interior: a jornada
para dentro de nós mesmos.
Faz diferença se alcançamos nosso propósito externo, se somos bem-sucedidos ou se fracassamos?
Faz diferença se você não tiver alcançado seu propósito interno. Depois disso, o propósito externo é só
um jogo que você pode apreciar e querer continuar jogando. Pode acontecer também de você falhar em seu
propósito externo e, ao mesmo tempo, ter pleno sucesso em seu propósito interno. Ou de outra forma até mais
comum, pode obter riqueza externa e pobreza interna, ou “ganhar o mundo e perder a alma”, nas palavras de
Jesus. Claro que, no fim, cada propósito externo está condenado a “fracassar” mais cedo ou mais tarde,
simplesmente porque está sujeito à lei da não permanência de todas as coisas. Quanto mais cedo você perceber
que o propósito externo não pode lhe proporcionar uma satisfação duradoura, melhor. Depois de ter constatado
as limitações do seu propósito externo, você desiste da expectativa irreal de que ele deveria fazer a sua
felicidade e torna-o subserviente ao seu propósito interno.
O passado não consegue sobreviver diante da presença
Você disse que pensar ou falar sobre o passado é um dos caminhos pelos quais evitamos o presente.
Mas, além do passado do qual nos lembramos e com que talvez nos identifiquemos, não existe um outro nível
de passado dentro de nós mais enraizado? Falo sobre o passado inconsciente, que condiciona nossas vidas, em
especial as experiências dos primeiros anos da infância, até mesmo as experiências de vida passada. Existem
também os condicionamentos culturais, tão relacionados ao lugar e ao período histórico em que vivemos.
Todas essas coisas determinam o modo como vemos o mundo, o que pensamos, que tipo de relacionamentos
mantemos, como vivemos. Como poderíamos nos livrar disso tudo? Quanto tempo isso levaria? E se
conseguíssemos, o que restaria?
O que resta quando terminam as ilusões?
Não há necessidade de investigar o nosso passado inconsciente, exceto à medida que ele for se
manifestando no presente, na forma de um pensamento, de uma emoção, de um desejo, de uma reação ou de
algo externo que nos aconteça. Uma eventual curiosidade quanto ao passado inconsciente poderá ser satisfeita
através dos desafios do presente. Quanto mais penetramos no passado, mais ele se torna um buraco sem fundo.
Haverá sempre alguma coisa a mais. Você pode pensar que precisa de mais tempo para entender o passado ou se
livrar dele ou, em outras palavras, que o futuro irá finalmente livrá-lo do passado. Isso é ilusão. Só o presente
pode nos livrar do passado. Uma quantidade maior de tempo não consegue nos livrar do tempo. Acesse o poder
do Agora. Essa é a chave.
O que é o poder do Agora?
Nada mais do que o poder da sua presença, da sua consciência libertada das formas de pensamento.
Portanto, lide com o passado no nível do presente. Quanto mais atenção você der ao passado, mais
energia estará dando a ele e mais probabilidades terá de construir um eu interior baseado nele. Não confunda as
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coisas. A atenção é essencial, mas não em relação ao passado como passado. Dê atenção ao presente. Dê
atenção ao seu comportamento, às suas reações, seu humor, seus pensamentos, suas emoções, medos e desejos,
da forma como eles acontecem no presente. Ali está o seu passado. Se você consegue estar presente o bastante
para observar todas essas coisas, não de modo crítico ou analítico, mas sem julgamentos, significa que você está
lidando com o passado e dissolvendo-o através do poder da sua presença. Não é procurando no passado que
você vai se encontrar. Você vai se encontrar estando no presente.
O passado não pode ser útil para nos ajudar a compreender por que fazemos certas coisas, reagimos de
determinadas maneiras, ou por que, inconscientemente, criamos nossos dramas particulares?
Quando ficamos mais conscientes do presente, podemos ter um insight sobre o porquê de determinados
condicionamentos. Podemos perceber, por exemplo, se seguimos algum padrão nos nossos relacionamentos e
podemos ver mais claramente coisas que aconteceram no passado. Fazer isso é bom e pode ser útil, mas não é
essencial. O que é essencial é a nossa presença consciente. Ela dissolve o passado. Ela é o agente transformador.
Portanto, não procure entender o passado, mas esteja presente tanto quanto conseguir. O passado não consegue
sobreviver diante da sua presença, só na sua ausência.

capítulo três

ENTRANDO PROFUNDAMENTE NO AGORA
Não busque o seu eu interior dentro da mente
Sinto que ainda tenho muito a aprender sobre as atividades da minha mente, antes de poder chegar a
algum lugar próximo da consciência ou iluminação espiritual.
Não, não tem. Os problemas da mente não podem ser solucionados no nível da mente. No momento em
que compreendemos que não somos a nossa mente, não existe muito mais a aprender ou compreender. O
máximo que podemos conseguir ao estudar a mente é nos tornarmos bons psicólogos, mas isso não nos levará
para além da mente, do mesmo modo que estudar a loucura não basta para criar a sanidade. Já entendemos a
mecânica básica do estado de inconsciência, ou seja, quando nos identificamos com a mente geramos um falso
eu interior, o ego, que é um substituto do nosso verdadeiro eu interior enraizado no Ser. Passamos a ser “um
ramo cortado da videira”, como Jesus pregou.
As necessidades do ego são intermináveis. Ele se sente vulnerável e ameaçado e, em conseqüência, vive
em um estado de medo e carência. Quando entendemos esse funcionamento anormal da mente, não precisamos
examinar todas as suas numerosas manifestações, nem transformá-lo em um problema pessoal complexo. O ego,
é claro, adora fazer isso. Está sempre buscando algo em que se apegar para sustentar e fortalecer a ilusão que
tem de si mesmo e para juntar aos seus problemas. Essa é a razão pela qual, para muitos de nós, o sentido do eu
interior está intimamente ligado aos nossos problemas. Quando isso acontece, a última coisa que desejamos é
nos livrar deles, porque isso significaria a perda do eu interior. Por isso, pode existir uma grande parte de
investimento inconsciente do ego em mágoa e sofrimento.
Portanto, se reconhecermos que a raiz da inconsciência vem de uma identificação com a mente, o que
naturalmente inclui as emoções, estaremos dando um passo para nos livrar da mente. Ficamos presentes.
Quando estamos presentes, podemos permitir que a mente seja como é, sem nos deixar enredar por ela. A mente
em si é uma ferramenta maravilhosa. O mau funcionamento acontece quando buscamos o nosso eu interior
dentro dela e a confundimos com quem somos. É nesse momento que a mente torna-se egóica e domina toda a
nossa vida.
O fim da ilusão do tempo
É praticamente impossível deixarmos de nos identificar com a mente. Estamos mergulhados nela. Como
se ensina um peixe a voar?
O segredo está em acabar com a ilusão do tempo. O tempo e a mente são inseparáveis. Tire o tempo da
mente e ele pára, a menos que você escolha utilizá-lo.
Estar identificado com a mente é estar preso ao tempo. É a compulsão para vivermos quase
exclusivamente através da memória ou da antecipação. Isso cria uma preocupação infinita com o passado e o
futuro, e uma relutância em respeitar o momento presente e permitir que ele aconteça. Temos essa compulsão
porque o passado nos dá uma identidade e o futuro contém uma promessa de salvação e de realização. Ambos
são ilusões.
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Mas, sem o tempo, qual seria a razão de nossa existência? Não teríamos objetivos a alcançar, nem
mesmo saberíamos quem somos. O tempo é algo precioso e acho que precisamos aprender a utilizá-lo com
sabedoria, em vez de desperdiçá-lo.
O tempo não te~: nada de precioso, porque é uma ilusão. Aquilo que achamos ser precioso não é o tempo,
mas um ponto que está fora dele: o Agora. Isso é realmente precioso. Quanto mais nos concentramos no tempo,
no passado e no futuro, mais perdemos o Agora, a coisa mais importante que existe.
Por que o Agora é a coisa mais importante que existe? Primeiramente, porque é a única coisa. É tudo o
que existe. O eterno presente é o espaço dentro do qual se desenvolve toda a nossa vida, o único fator que
permanece constante. A vida é agora. Nunca houve uma época em que a nossa vida não fosse agora, nem
haverá. Em segundo lugar, o Agora é o único ponto que pode nos conduzir para além das fronteiras limitadas da
mente. É o nosso único ponto de acesso para a área atemporal e amorfa do Ser.
Nada existe fora do Agora
O passado e o futuro não são tão reais quanto o presente? Afinal, o passado determina quem somos e de
que forma agimos no presente. E os nossos objetivos futuros determinam as atitudes que tomamos no presente.
Você ainda não captou a essência do que estou dizendo porque está tentando entender mentalmente. A
mente não pode entender esse assunto. Só você pode. Por favor, preste atenção ao seguinte:
Você alguma vez vivenciou, realizou, pensou ou sentiu alguma coisa fora do Agora? Acha que
conseguirá algum dia? É possível alguma coisa acontecer ou ser fora do Agora? A resposta é óbvia, não é
mesmo?
Nada jamais aconteceu no passado, aconteceu no Agora.
Nada jamais irá acontecer no futuro, acontecerá no Agora.
O que consideramos como passado é um traço da memória, armazenado na mente, de um Agora anterior.
Quando lembramos do passado, reativamos um traço da memória e fazemos isso agora.O futuro é um Agora
imaginado, uma projeção da mente. Quando o futuro acontece, acontece como sendo o Agora. Quando
pensamos sobre o futuro, fazemos isso no Agora. Obviamente o passado e o futuro não têm realidade própria.
Do mesmo modo como a lua não tem luz própria e apenas reflete a luz do sol, o passado e o futuro são apenas
um reflexo pálido da luz, do poder e da realidade do eterno presente. A realidade deles é “emprestada” do
Agora.
A essência dessas afirmações não pode ser compreendida pela mente. No momento em que captamos a
essência, ocorre uma mudança na consciência, que passa a desviar o foco da mente para o Ser, do tempo para a
presença. De repente, tudo parece vivo, irradia energia, emana do Ser.
A chave para a dimensão espiritual
Em situações em que a nossa vida está ameaçada pode ocorrer naturalmente essa mudança na consciência
do tempo para o momento presente. A personalidade que tem um passado e um futuro retrocede e é substituída
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por uma presença consciente intensa, serena, mas, ao mesmo tempo, alerta. Sempre que uma reação se faz
necessária, ela surge desse estado de consciência.
Muitas pessoas, embora não percebam, gostam de se envolver em atividades perigosas, como escaladas
de montanhas, corridas de automóvel, vôos de asa-delta, pela simples razão de que essas atividades as trazem
para o Agora, livre do tempo, dos problemas, dos pensamentos e das obrigações pessoais. Nesses casos, desviar
sua atenção do momento presente, nem que seja por um segundo, pode significar a morte. Infelizmente, essas
pessoas passam a depender de uma atividade em particular para ficarem nesse estado. Mas você não precisa
escalar a face norte do Eiger1. Você pode entrar nesse estado agora.
Desde a antiguidade, mestres espirituais de todas as tradições apontam o Agora como a chave para a
dimensão espiritual. Mas parece que isso permaneceu como um segredo. Com certeza, não é ensinado em
igrejas ou em templos. Se você vai a uma igreja, pode ouvir passagens do Evangelho como “Não vos inquieteis
pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo”,ou “Ninguém que lança mão do arado e olha
para trás é apto para o reino de Deus”. A profundidade e a natureza radical desses ensinamentos não são
reconhecidas. Parece que ninguém percebe que os ensinamentos foram formulados para serem vividos e, dessa
forma, provocarem uma profunda transformação interior.
Toda a essência do zen consiste em caminhar sobre o fio da navalha do Agora, em estar tão
absolutamente presente que nenhum problema, nenhum sofrimento, nada que não seja quem somos em essência,
possa permanecer em nós. No Agora, na ausência do tempo, todos os nossos problemas se dissolvem. O
sofrimento precisa do tempo e não consegue sobreviver no Agora.
O grande mestre zen Rinzai, visando desviar a atenção de seus alunos do tempo, levantava o dedo com
freqüência e perguntava calmamente: “O que está faltando neste exato momento?” Uma pergunta poderosa, que
não requer resposta no plano da mente. É formulada para conduzir uma atenção profunda para o Agora. Outra
questão muito usada na tradição zen é: “Se não é agora, então quando?”
O Agora é também um ponto central no ensinamento do sufismo, o braço místico do islamismo. Os
sufistas têm um ditado que diz: “O sufista é filho do momento presente”. E Rumi, o grande poeta e mestre do
sufismo, ensina: “Passado e futuro ocultam Deus de nossa vista, ponha fogo em ambos”.
Mestre Eckhart, mestre espiritual do século treze, resumiu tudo isto com poucas e belas palavras, ao
afirmar: “O que impede a luz de nos alcançar é o tempo. Não há maior obstáculo para Deus do que o tempo”.
1 Pico dos Alpes Berneses, na Suiça, com 3.970 metros de altitude (Nota do Tradutor).
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Acessando o poder do Agora
Momentos atrás, quando você falou sobre o eterno presente e a irrealidade do passado e do futuro,
peguei-me olhando através da janela para uma determinada árvore. Já a tinha olhado muitas vezes antes, mas
agora foi diferente. Não percebi muita diferença na forma externa, exceto que as cores pareciam mais vivas.
Mas havia uma dimensão adicional que antes eu não tinha notado. É difícil de explicar. Não sei bem, mas
achei ter percebido alguma coisa invisível, como se fosse a essência daquela árvore, ou melhor, um espírito
interior. E, de alguma forma, era como se eu fosse parte dela. Percebo, agora, que nunca tinha visto de fato a
árvore, apenas uma imagem plana e morta. Quando olho para a árvore agora, parte daquela impressão ainda
permanece, mas posso sentir que ela está desaparecendo. A experiência já está parecendo algo do passado.
Será que alguma coisa como essa pode ser considerada mais do que um vislumbre passageiro?
Por um instante, você se libertou do tempo. Ao se concentrar no presente, pôde perceber a árvore sem o
enquadramento da mente. A consciência do Ser tornou-se parte da sua percepção. Suprimir a dimensão do
tempo faz surgir um tipo diferente de conhecimento, que não “mata” o espírito que mora dentro de cada criatura
e de cada coisa. Um conhecimento que não destrói o aspecto sagrado nem o mistério da vida, e que contém um
amor e uma reverência profundos por tudo o que é. Um conhecimento sobre o qual a mente nada sabe.
A mente não pode conhecer a árvore. O que ela conhece são apenas fatos ou informações sobre a árvore.
A minha mente não pode conhecer você, só rótulos, julgamentos, fatos e opiniões sobre você. Só o Ser conhece
diretamente.
Há um lugar para a mente e para o conhecimento da mente. Situa-se na prática do dia-a-dia. Entretanto,
quando a mente domina todos os aspectos da nossa vida, incluindo as relações com outras pessoas e com a
natureza, transforma-se em um parasita monstruoso que, se não reprimido, pode acabar matando todo o tipo de
vida no planeta e, finalmente a si mesmo, ao matar quem o hospeda.
Você teve uma breve visão de como a ausência do tempo pode transformar nossa percepção. Mas não
basta uma experiência, não importa quanto ela seja linda ou profunda. O que é necessário, e o que nos interessa,
é uma mudança definitiva na consciência.
Portanto, rompa com o velho padrão de negação e resistência ao momento presente. Torne uma prática
desviar a atenção do passado e do futuro, afaste-se da dimensão do tempo na vida diária, tanto quanto possível.
Se você achar difícil entrar diretamente no Agora, comece observando como a sua mente tende a fugir do
Agora. Vai notar que geralmente imaginamos o futuro como algo melhor ou pior do que o presente. Imaginar
um futuro melhor nos traz esperança e uma antecipação do prazer. Imaginá-lo pior nos traz ansiedade. Ambos
os casos são ilusões. Ao observarmos a nós mesmos, um maior grau de presença surge automaticamente em
nossas vidas. No momento em que percebemos que não estamos presentes, estamos presentes. Sempre que
formos capazes de observar nossas mentes, deixamos de estar aprisionados. Um outro fator surgiu, algo que não
pertence à mente: a presença observadora.
Esteja presente como alguém que observa a mente e examine seus pensamentos, suas emoções, assim
como suas reações em diferentes circunstâncias. Concentre seu interesse não só nas reações, mas também na
situação ou na pessoa que leva você a reagir. Perceba também com que freqüência a sua atenção está no passado
ou no futuro. Não julgue nem analise o que você observa. Preste atenção ao pensamento, sinta a emoção,
observe a reação. Não veja nada como um problema pessoal. Sentirá então algo muito mais poderoso do que
todas aquelas outras coisas que você observa, uma presença serena e observadora por trás do conteúdo da sua
mente: o observador silencioso.
Uma presença intensa se faz necessária quando certas situações provocam uma reação de grande carga
emocional, como, por exemplo, no momento em que acontece uma ameaça à nossa auto-imagem, um desafio na
vida que nos causa medo, quando as coisas “vão mal” ou quando um complexo emocional do passado vem à
tona. Nessas situações, tendemos a nos tornar “inconscientes”. A reação ou a emoção nos domina, “passamos a
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ser” ela. Passamos a agir como ela. Arranjamos uma justificativa, erramos, agredimos, defendemos... só que não
somos nós e sim uma reação padronizada, a mente em seu modo habitual de sobrevivência.
Identificar-se com a mente dá a ela mais energia, enquanto observar a mente retira a sua energia.
Identificar-se com a mente gera mais tempo, enquanto observar a mente revela a dimensão do infinito. A
energia retirada da mente se transforma em presença. No momento em que conseguimos sentir o que significa
estar presente, fica muito mais fácil escolher simplesmente escapar da dimensão do tempo e entrar mais
profundamente no Agora. Isso não prejudica nossa capacidade de usar o tempo – passado ou futuro – quando
precisamos nos referir a ele em termos práticos. Nem prejudica nossa capacidade de usar a mente. Na verdade,
estar presente aumenta nossa capacidade. Quando você usar a mente de verdade, ela estará mais alerta, mais
focalizada.
Abandonando o tempo psicológico
Aprenda a usar o tempo nos aspectos práticos da sua vida – podemos chamar de “tempo do relógio” –,
mas retorne imediatamente para perceber o momento presente, tão logo esses assuntos práticos tenham sido
resolvidos. Assim, não haverá acúmulo do “tempo psicológico”, que é a identificação com o passado e a
projeção compulsiva e contínua no futuro.
O tempo do relógio não diz respeito apenas a marcar um compromisso ou programar uma viagem. Inclui
aprender com o passado, para não repetir os mesmos erros indefinidamente. Estabelecer objetivos e trabalhar
para alcançá-los. Predizer o futuro através de padrões e leis, que podem ser físicas, matemáticas, etc. Aprender
com o passado e adotar as ações apropriadas com base em nossos prognósticos.
Mas, mesmo aqui, no âmbito da vida prática, onde não podemos agir sem uma referência ao passado ou
ao futuro, o momento presente permanece como um fator essencial, porque qualquer ação do passado é
relevante e se aplica ao agora. E planejar ou trabalhar para atingir um determinado objetivo é feito agora.
O principal foco de atenção das pessoas i1uminadas é sempre o Agora, embora elas tenham uma noção
relativa do tempo. Em outras palavras, continuam a usar o tempo do relógio, mas estão livres do tempo
psicológico.
Esteja alerta quando praticar isso, para que você, sem querer, não transforme o tempo do relógio em
tempo psicológico. Por exemplo, se você cometeu um erro no passado e só agora aprendeu com ele, está
utilizando o tempo do relógio. Por outro lado, se você considerar isso mentalmente e daí resultar uma
autocrítica, um sentimento de remorso ou de culpa, então você está transformando o erro em “meu”. Ele passou
a ser uma parte do seu sentido de eu interior e se transformou em tempo psicológico, que está sempre
relacionado a um falso sentido de identidade. A dificuldade em perdoar envolve, necessariamente, uma pesada
carga de tempo psicológico.
Se estabelecemos um objetivo e trabalhamos para alcançá-lo, estamos empregando o tempo do relógio.
Sabemos bem aonde queremos chegar, mas respeitamos e damos atenção total ao passo que estamos tomando
neste momento. Se insistimos demais nesse objetivo, talvez porque estejamos em busca de felicidade, satisfação
ou de um sentido mais completo do eu interior, deixamos de respeitar o Agora. E ele é reduzido a um mero
degrau para o futuro, sem nenhum valor intrínseco. O tempo do relógio se transforma então em tempo
psicológico. Nossa jornada deixa de ser uma aventura e passa a ser encarada como uma necessidade obsessiva
de chegar, de possuir, de “conseguir”. Aí, não somos mais capazes de ver nem de sentir as flores pelo caminho,
nem de perceber a beleza e o milagre da vida que se revela em tudo ao redor, como acontece quando estamos
presentes no Agora.
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Consigo ver a importância suprema do Agora, mas não posso concordar quando você diz que o tempo é
uma completa ilusão.
Quando afirmo que “o tempo é uma ilusão”, não tenho intenção de fazer nenhuma afirmação filosófica.
Estou apenas chamando a atenção para um fato simples, a1go tão óbvio que você pode achar difícil de entender
e até mesmo considerar sem sentido. Mas perceber isso será como cortar com uma espada todas as camadas de
“problemas” criadas pela mente. Repito que o momento presente é tudo o que temos. Nunca há um tempo em
que a nossa vida não é “este momento”. Não é verdade?
A insanidade do tempo psicológico
Não teremos qualquer dúvida de que o tempo psicológico é uma doença mental se olharmos para as suas
manifestações coletivas. Elas ocorrem, por exemplo, na forma de ideologias como o comunismo, o nacionalsocialismo
ou qualquer nacionalismo, ou de sistemas rígidos de crenças religiosas, que atuam na suposição
implícita de que o bem maior repousa no futuro e que, portanto, o fim justifica os meios. O fim é uma idéia, um
ponto na mente projetado no futuro, quando a salvação, sob a forma de felicidade, satisfação, igualdade,
libertação, etc., será alcançada. Muitas vezes, os meios para atingir o fim são a escravidão, a tortura e o
assassinato de pessoas no presente.
Por exemplo, estima-se que cerca de cinqüenta milhões de pessoas foram assassinadas para promover a
causa do comunismo e levar a um “mundo melhor” na Rússia, na China e em outros países1! Esse é um exemplo
terrível de como uma crença em um paraíso no futuro cria um inferno no presente. Resta alguma dúvida de que
o tempo psicológico é uma doença mental séria e perigosa?
De que forma esse padrão mental opera em sua vida? Você está sempre tentando chegar a algum lugar
além daquele onde você está? A maior parte do que você faz é apenas um meio para alcançar um determinado
fim? A satisfação está sempre em outro lugar ou restrita a breves prazeres como sexo, comida, bebida e drogas,
ou relacionada a uma emoção ou excitação? Você está sempre pensando em vir a ser, adquirir, alcançar ou, em
vez disso, está à caça de novas emoções e prazeres? Você acha que, quanto mais bens adquirir, uma pessoa se
sentirá melhor ou psicologicamente completa? Está à espera de um homem ou de uma mulher que dê um
sentido à sua vida?
No estado normal de consciência, o poder e o infinito potencial criativo do Agora estão completamente
encobertos pelo tempo psicológico. Nossa vida perde a vibração, o frescor, o sentido de encantamento. Os
velhos padrões de pensamento, emoção, comportamento, reação e desejo são encenados repetidas vezes, como
um roteiro dentro da nossa mente que nos dá uma identidade, mas distorce ou encobre a realidade do Agora. A
mente, então, desenvolve uma obsessão pelo futuro, buscando fugir de um presente insatisfatório.
A negatividade e o sofrimento têm raízes no tempo
Mas acreditar que o futuro será melhor do que o presente nem sempre é uma ilusão. O presente pode ser
terrível e as coisas podem melhorar no futuro, e muitas vezes melhoram.
O futuro, geralmente, é uma réplica do passado. É possível haver mudanças superficiais, mas as
transformações reais são raras e dependem da possibilidade de estarmos presentes para dissolver o passado,
acessando o poder do Agora. O que percebemos como futuro é uma parte intrínseca do nosso estado de
consciência do momento. Se a nossa mente carrega um grande fardo do passado, vamos sentir isso. O passado
se perpetua pela fa1ta de presença. O que dá forma ao futuro é a qualidade da nossa percepção do momento
presente, e o futuro, é claro, só pode ser vivenciado como presente.
Podemos ganhar 10 milhões de reais, mas esse tipo de mudança é apenas superficial. Vamos
simplesmente continuar a representar os mesmos padrões condicionados, em ambientes mais luxuosos. Os seres
1 Brzenzinski, Z. The Grand Failure. New York: Charles Scribner’s Sons, 1989, p. 239-40.
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humanos aprenderam a dividir o átomo. Em vez de matar dez ou vinte pessoas com um porrete de madeira, uma
pessoa agora pode matar um milhão delas com um simples apertar de um botão. Será que isso é uma mudança
real?
Se é a qualidade da nossa percepção neste momento que determina o futuro, então o que é que determina
a qualidade da nossa consciência? O nosso grau de presença. Portanto, o único lugar onde pode ocorrer uma
mudança verdadeira e onde o passado pode se dissolver é no Agora.
Toda a negatividade é causada pelo acúmulo de tempo psicológico e pela negação do presente. O
desconforto, a ansiedade, a tensão, o estresse, a preocupação, todas essas formas de medo são causadas por
excesso de futuro e pouca presença. A culpa, o arrependimento, o ressentimento, a injustiça, a tristeza, a
amargura, todas as formas de incapacidade de perdão são causadas por excesso do passado e pouca presença.
Muitos acham difícil acreditar na possibilidade de existir um estado de consciência absolutamente livre de
toda a negatividade. E até o momento, esse é o estado de liberdade para o qual apontam todos os ensinamentos
espirituais. É a promessa da salvação, não em um futuro ilusório, mas bem aqui e agora.
Talvez seja difícil reconhecer que o tempo é a causa do nosso sofrimento ou de nossos problemas.
Acreditamos que eles são causados por situações específicas em nossas vidas, e, de um ponto de vista
convencional, isso é uma verdade. Mas enquanto não lidarmos com a disfunção básica da mente – o apego ao
passado e ao futuro e a negação do presente –, os problemas apenas mudam de figura. Se todos os nossos
problemas, ou causas identificadas de sofrimento ou infelicidade, fossem milagrosamente solucionados no dia
de hoje, sem que nos tornássemos mais presentes e mais conscientes, logo nos veríamos com um outro conjunto
de problemas ou causas de sofrimento semelhantes, como uma sombra que nos seguisse aonde quer que
fôssemos. Em última análise, o único problema é a própria mente limitada pelo tempo.
Não posso acreditar que algum dia venha a alcançar 'um ponto onde eu esteja completamente livre de
problemas.
Você tem razão. Você nunca poderá alcançar esse ponto porque você está nesse ponto agora.
Não há salvação dentro do tempo. Você não pode se libertar no futuro. A presença é a chave para a
liberdade. Portanto, você só pode ser livre agora.
Descobrindo a vida por baixo da situação de vida
Não vejo como ser livre agora. Estou extremamente infeliz com a minha vida neste momento. Isso é um
fato, e eu estaria me iludindo se tentasse me convencer de que tudo está bem, quando não está. Para mim, o
presente é triste e nada libertador. O que me faz prosseguir é a esperança de um futuro melhor.
Você pensa que a sua atenção está no momento presente quando, na verdade, está totalmente envolvida
pelo tempo. Você não pode estar infeliz e completamente presente no Agora, ao mesmo tempo.
Aquilo a que nos referimos como vida deveria ser chamado, mais precisamente, de “situação de vida”. É
o tempo psicológico, passado e futuro. Certas coisas do passado não seguiram o caminho que queríamos. Ainda
resistimos ao que aconteceu no passado e agora estamos resistindo ao que é. A esperança nos leva a prosseguir,
mas a esperança nos mantém focalizados no futuro, e esse foco contínuo perpetua a negação do Agora e,
portanto, a nossa infelicidade.
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É verdade que a situação atual da minha vida é o resultado de coisas que aconteceram no passado, mas
ainda assim é a minha situação atual e estar preso a ela é o que me faz infeliz.
Esqueça a situação da sua vida por um instante e preste atenção à sua vida.
Qual é a diferença?
A nossa situação de vida existe no tempo.
Nossa vida é agora.
Nossa situação de vida é coisa da mente.
Nossa vida é real.
Encontre o “portão estreito que conduz à vida”. Ele é chamado de Agora. Restrinja a sua vida a este exato
momento. Sua situação de vida pode estar cheia de problemas – a maioria das situações de vida está –, mas
verifique se você tem algum problema neste exato momento. Não amanhã ou dentro de dez minutos, mas já.
Você tem um problema agora?
Quando estamos cheios de problemas, não há espaço para nada novo entrar, nenhum espaço para uma
solução. Portanto, sempre que você puder, crie algum espaço de modo a encontrar a vida sob a sua situação de
vida.
Utilize os seus sentidos plenamente. Esteja onde você está. Olhe em volta. Apenas olhe, não interprete.
Veja as luzes, as formas, as cores, as texturas. Esteja consciente da presença silenciosa de cada objeto. Esteja
consciente do espaço que permite cada coisa existir. Ouça os sons, não os julgue. Ouça o silêncio por trás dos
sons. Toque alguma coisa, qualquer coisa. Sinta e reconheça o Ser dentro dela. Observe o ritmo da sua
respiração. Sinta o ar fluindo para dentro e para fora. Sinta a energia vital dentro do seu corpo. Permita que as
coisas aconteçam, no interior e no exterior. Deixe que todas as coisas “sejam”. Mova-se profundamente para
dentro do Agora.
Você está deixando para trás o agonizante mundo da abstração mental e do tempo. Está se libertando da
mente doentia que suga a sua energia vital, do mesmo modo que, lentamente, ela está envenenando e destruindo
a Terra. Você está acordando do sonho do tempo e entrando no presente.
Todos os problemas são ilusões da mente
É como se um grande peso tivesse sido tirado dos meus ombros. Sinto-me leve... mas os problemas ainda
estão lá me esperando, não estão? Ainda não foram resolvidos. Será que não os estou evitando apenas
temporariamente?
Se você estivesse no paraíso, sua mente não demoraria a encontrar algum problema. Não se trata,
basicamente, de solucionar seus problemas. Trata-se de perceber que não existem problemas. Apenas situações
com que temos de lidar agora ou deixar de lado e aceitar como uma parte do “ser” neste momento, até que se
transformem ou possam ser negociadas. Os problemas são criados pela mente e precisam de tempo para
sobreviver. Eles não conseguem sobreviver na atualidade do agora.
Focalize sua atenção no Agora e verifique quais são os seus problemas neste exato momento.
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Não estou obtendo uma resposta porque é impossível termos problemas quando toda a nossa atenção está
inteira no Agora. Pode ser que haja uma ou outra situação que você precise resolver ou aceitar. Por que
transformar isso em problema? Por que transformar tudo em problema? A vida já não é bastante desafiadora do
jeito que é? Para que precisamos de problemas? A mente, inconscientemente, adora problemas porque eles
podem ser de vários tipos. Isso é normal e doentio. A palavra “problema” significa que estamos lidando
mentalmente com uma situação, sem que exista um propósito real ou uma possibilidade de agir no momento, e
também que estamos inconscientemente fazendo dele uma parte do nosso sentido de eu interior. Ficamos tão
sobrecarregados pela nossa situação de vida que perdemos o sentido da vida, ou do Ser. Ou então vamos
carregando na mente o peso insano de uma centena de coisas que iremos fazer ou poderemos ter de fazer no
futuro, em vez de focalizarmos a atenção sobre uma coisa que podemos fazer agora.
Quando criamos um problema, criamos sofrimento. Por isso, é preciso tomar uma decisão simples: não
importa o que aconteça, não vou criar mais sofrimento nem problemas para mim. É uma escolha simples, mas
radical. Ninguém faz uma escolha dessas a menos que esteja verdadeiramente sufocado pelo sofrimento. E não
se consegue levar esse tipo de decisão adiante a não ser acessando o poder do Agora. Se não criar mais
sofrimento para si mesmo, você não criará também para os outros. Deixará, assim, de contaminar nosso lindo
planeta, seu próprio espaço interior e a psique humana coletiva com a negatividade da criação de problemas.
Se você alguma vez esteve numa situação de emergência, de vida ou morte, saberá que isso não foi um
problema. A mente não teve tempo para se distrair e transformar a situação em problema. Numa emergência de
verdade, a mente pára. Ficamos absolutamente presentes no Agora, e algo infinitamente mais poderoso passa a
dominar. Essa é a razão pela qual existem inúmeros relatos de pessoas comuns que, de uma hora para outra,
tornaram-se capazes de façanhas incrivelmente corajosas. Numa situação de emergência, ou você sobrevive ou
morre. Em qualquer dos casos, não é um problema.
Algumas pessoas ficam furiosas quando me ouvem dizer que os problemas são ilusões. É que estou
ameaçando afastar delas a imagem que têm de si próprias. Elas investiram muito tempo num falso sentido de eu
interior. Durante muitos anos, definiram inconscientemente suas identidades de acordo com os problemas que
tiveram. Quem seriam sem eles?
Uma grande porção do que as pessoas dizem, pensam ou fazem é, na verdade, motivada pelo medo, que
está sempre ligado com o foco no futuro e com o estar fora de contato com o Agora. Se não existirem problemas
no Agora, não existirá o medo.
Caso apareça uma situação com a qual você precise lidar agora, a sua ação vai ser clara e objetiva, se
conseguir perceber o momento presente. Tem muito mais chances de dar certo. Não será uma reação vinda do
condicionamento da sua mente no passado, mas sim uma resposta intuitiva à situação. Em situações em que a
mente teria reagido, você vai achar mais eficaz não fazer nada. Fique só centrado no Agora.
Um salto quântico na evolução da consciência
Tive breves lampejos desse estado de liberdade da mente e do tempo que você descreveu, mas o passado
e o futuro são tão fortes que não consigo mantê-los afastados por muito tempo.
O modelo da consciência condicionada pelo tempo está profundamente enraizado na psique humana. Mas
o que estamos fazendo aqui é parte de uma profunda mudança que está se formando na consciência coletiva do
planeta e ainda mais: o despertar da consciência dissociada do sonho da matéria, da forma e da separação. O fim
do tempo. Estamos rompendo com padrões mentais que dominaram a vida humana por eras. Padrões mentais
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que criaram um sofrimento inimaginável, em larga escala. Não estou empregando a palavra demônio. É mais
útil chamar de inconsciência ou insanidade.
Essa ruptura com o antigo modelo de consciência, ou melhor, inconsciência, é algo que temos de fazer
ou vai acontecer de qualquer maneira? Em outras palavras, essa mudança é inevitável?
É uma questão de perspectiva. O fazer e o acontecer são, na verdade, um processo único. Como somos
únicos e formamos um todo com a consciência, não podemos separar os dois. Mas não há uma garantia absoluta
de que os seres humanos vão conseguir. O processo não é inevitável nem automático. Nossa cooperação é uma
parte essencial do processo. Independentemente de como você o veja, trata-se de um importante salto na
evolução da consciência, assim como a nossa única chance de sobreviver como raça.
A alegria do ser
Para demonstrar como você se deixou dominar pelo tempo psicológico, experimente usar o critério de se
perguntar se existe alegria, naturalidade e leveza no que você está fazendo. Se não existir, é porque o tempo está
encobrindo o momento presente e a vida está sendo percebida como um encargo ou uma luta.
A ausência de alegria, naturalidade ou leveza no que estamos fazendo não significa, necessariamente, que
precisemos mudar o que estamos fazendo. Talvez baste mudarmos o como. “Como” é sempre mais importante
do que “o que”. Verifique se você pode dar muito mais atenção ao fazer do que ao resultado desejado através do
fazer. Dê a sua inteira atenção para o que quer que o momento apresente. Isso implica que você aceitou
totalmente o que é, porque não se pode dar atenção completa a alguma coisa e, ao mesmo tempo, resistir a ela.
Ao respeitarmos o momento presente, toda a luta e a infelicidade se dissolvem e a vida começa a fluir
com alegria e naturalidade. Ao agirmos com a consciência do momento presente, tudo o que fizermos virá com
um sentido de qualidade, cuidado e amor, mesmo a mais simples ação.
Portanto, não se preocupe com o resultado da sua ação, basta dar atenção à ação em si. O resultado
surgirá espontaneamente. Essa é uma valiosa prática espiritual. No Bhagavad Gita, um dos mais antigos e mais
belos ensinamentos espirituais que existem, o desapego ao resultado da ação é chamado Karma Yoga. É descrito
como o caminho da “ação santificada”.
Ao fim dessa luta compulsiva contra o Agora, a alegria do Ser passa a fluir em tudo o que fazemos. No
momento em que a nossa atenção se volta para o Agora, percebemos uma presença, uma serenidade, uma paz.
Não dependemos mais do futuro para obtermos plenitude e satisfação, não o olhamos mais como salvação.
Conseqüentemente, não estamos mais presos aos resultados. Nem o fracasso nem o sucesso têm o poder de
alterar o estado interior do Ser. Você acabou de encontrar a vida sob a situação de vida.
Na ausência do tempo psicológico, o nosso sentido do eu interior provém do Ser, não do nosso passado
pessoal. Assim, desaparece a necessidade psicológica de nos tornarmos uma outra pessoa diferente de quem já
somos. No mundo, levando em conta a situação de vida, podemos nos tornar ricos, conhecidos, bem-sucedidos,
livres disso ou daquilo, mas, na dimensão mais profunda do Ser, estamos completos e inteiros agora.
Nesse estado de plenitude, ainda teríamos capacidade ou vontade de alcançar os objetivos externos?
Claro que sim, mas sem as expectativas ilusórias de que uma coisa ou alguém no futuro irá nos salvar ou
nos fazer felizes. No que diz respeito à situação de vida, podem existir coisas a ser alcançadas ou adquiridas.
Vivemos no mundo da forma, dos lucros e perdas. Mas, em um nível mais profundo, já estamos completos, e
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quando percebemos isso, tudo o que fizermos será impulsionado por uma energia alegre e jovial. Estando livre
do tempo psicológico, não perseguimos mais os objetivos com uma determinação implacável, movida pelo
medo, pela raiva, pelo descontentamento ou pela necessidade de nos tornarmos alguém. Nem permanecemos
imóveis com medo de falhar. Quando o nosso sentido profundo do eu interior é derivado do Ser, quando nos
livramos do “tornar-se” como uma necessidade psicológica, nem a nossa felicidade nem o nosso sentido do eu
interior dependem do resultado e, assim, nos libertamos do medo. Não buscamos permanência onde ela não
pode ser encontrada, ou seja, no mundo da forma, dos lucros e perdas, do nascimento e da morte. Nem
esperamos que situações, condições, lugares ou pessoas nos tragam felicidade, só para depois nos causarem
sofrimento, quando nossas expectativas não forem correspondidas.
Tudo inspira respeito, mas nada importa. As formas nascem e morrem, ainda que estejamos conscientes
de uma eternidade subjacente às formas. Sabemos que “nada de verdade pode ser ameaçado”1.
Quando este é o seu estado de Ser, como é possível não alcançar o sucesso? Você já o alcançou.