terça-feira, 1 de setembro de 2009

capítulo nove

MUITO ALÉM DA FELICIDADE E DA INFELICIDADE EXISTE A PAZ
O bem supremo além do bem e do mal
Existe diferença entre felicidade e paz interior?
Existe. A felicidade depende de circunstâncias consideradas positivas, ao passo que a paz interior não
precisa delas.
Há possibilidade de só atrairmos coisas positivas para as nossas vidas? Se a nossa atitude e o nosso
pensamento forem sempre positivos, só haverá situações e acontecimentos positivos, não é mesmo?
Você pode afirmar, com certeza, o que é positivo e o que é negativo? Já fez o levantamento completo?
Muitas pessoas devem ter aprendido bastante com as suas próprias limitações, seus fracassos, suas perdas, suas
doenças e sofrimentos. Tudo isso ensinou-as a se desfazer das imagens falsas que tinham de si mesmas, dos
desejos e objetivos superficiais ditados pelo ego e lhes deu profundidade, humildade e compaixão. Fez delas
pessoas mais reais.
Sempre que acontece alguma coisa negativa, há sempre uma lição embutida, embora nem sempre se
perceba isso na hora. Uma doença ou um acidente pode mostrar o que há de real ou irreal em uma situação,
aquilo que é importante e o que não é.
De uma perspectiva mais elevada, as circunstâncias são sempre positivas. Para ser mais preciso, elas não
são positivas nem negativas. São do jeito que são. E quando aceitamos as coisas como são, o “bem” ou o “mal”
deixam de existir em nossas vidas. Só o que existe é um bem supremo, que inclui o “mal”. Mas, pela perspectiva
da mente, existe o bem e o mal, o igual e o diferente, o amor e o ódio. É por isso que no Livro do Gênesis está
escrito que Adão e Eva não tiveram mais permissão para habitar o “paraíso” quando “comeram da árvore do
conhecimento do bem e do mal”.
Isso me parece negação e ilusão. Quando alguma coisa ruim acontece comigo, ou com alguém chegado a
mim, tal como um acidente, uma doença, ou a morte, posso até fingir que não é mal mas permanece o fato de
que isso é mal. Por que negar?
Você não está fingindo nada. Só está permitindo uma coisa ser como é, apenas isso. Essa “permissão para
ser” nos transporta para além da mente, com os seus padrões de resistência que geram as polaridades positiva e
negativa. É um aspecto fundamental do perdão. Perdoar o presente é até mais importante do que perdoar o
passado. Se perdoarmos cada momento, se permitirmos que ele seja como é, não haverá nenhum acúmulo de
ressentimento a ser perdoado mais tarde.
Lembre-se de que não estamos aqui tratando de felicidade. Por exemplo, quando a pessoa amada acabou
de morrer, ou se sentimos a nossa própria morte se aproximar, não podemos nos sentir felizes. É impossível.
Mas podemos estar em paz. Pode até haver tristeza e lágrimas, mas, se deixarmos de resistir, conseguiremos
perceber uma profunda serenidade por baixo da tristeza, uma calma, uma presença sagrada. Isso é a emanação
do Ser, isso é a paz interior, o bem que não tem opositores.
E se for uma situação sobre a qual eu possa fazer algo a respeito? Como posso permitir que ela exista e
mudá-la ao mesmo tempo?
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Faça o que você tem de fazer. Enquanto isso, aceite o que é. Como mente e resistência significam a
mesma coisa para nós, aceitar aquilo que acontece nos liberta na mesma hora do domínio da mente e restabelece
a nossa conexão com o Ser. Como resultado, as costumeiras motivações do ego para “agir”, como o medo, a
cobiça, o controle, a defesa ou a alimentação do falso sentido do ego, não vão mais funcionar. Uma inteligência
muito maior do que a mente passa a dominar tudo e, com isso, uma diferente qualidade de consciência vai
influenciar as nossas ações.
“Aceite o que quer que venha para você nas tramas do destino, pois o que se ajustaria mais
adequadamente às suas necessidades?” Isso foi escrito há dois mil anos por Marco Aurélio, um homem
extraordinário que, além de poderoso, tinha uma grande sabedoria.
Parece que a maioria das pessoas precisa vivenciar uma grande carga de sofrimento antes de abandonar a
resistência e aceitar, isto é, antes de perdoar. Com o perdão, acontece o milagre do despertar da consciência do
Ser, através do que aparenta ser o mal: a transformação do sofrimento em paz interior. Todo o mal e todo o
sofrimento do mundo vão nos forçar a descobrir quem somos realmente. Assim, aquilo que, de uma perspectiva
limitada, percebemos como o mal é, na verdade, parte de um bem maior que não tem opositores. Entretanto, isso
só se torna uma verdade através do perdão. Sem ele, o mal permanece como mal.
Através do perdão – que significa reconhecer a falta de consistência do passado e permitir que o momento
presente seja como é –, acontece o milagre da transformação, não só no lado de dentro, mas também do lado de
fora. Um espaço silencioso de uma presença intensa surge dentro de nós e à nossa volta. Quem quer e o que for
que penetre no campo da consciência será afetado, algumas vezes de forma clara e imediata, outras em níveis
mais profundos, com mudanças só notadas algum tempo depois. Você dissolve a discórdia, cura o sofrimento,
desfaz a inconsciência, sem fazer nada, simplesmente sendo e sustentando essa freqüência de presença intensa.
O fim dos dramas em sua vida
Nesse estado de aceitação e paz interior, pode aparecer alguma coisa na vida para ser chamada de
“má”, da perspectiva da consciência comum?
Muitas das assim chamadas coisas más que nos acontecem na vida são devidas à inconsciência. Elas são
criadas por nós, ou melhor, são criadas pelo ego. Refiro-me a isso, às vezes, como “drama”. Quando
restabelecemos a conexão com o Ser e não deixamos mais a mente governar, paramos de criar essas coisas.
Mas há muitas pessoas que se apaixonam pelos seus dramas particulares de vida. Identificam-se com suas
histórias. O ego governa a vida delas. Investiram nele todo o sentido de eu interior. Até mesmo a busca de uma
resposta, de uma solução, ou de uma cura se torna parte dele. O que mais temem é que seus dramas tenham um
fim. Enquanto essas pessoas forem a mente, seu maior medo será o próprio despertar.
Quando vivemos em uma completa aceitação do que é, todos os dramas da nossa vida chegam ao fim.
Ninguém consegue ter a mais leve discussão conosco, não importa quanto tente. Não se pode discutir com
alguém completamente consciente. Uma discussão implica uma identificação com a mente e uma determinada
posição mental, tal como resistência e reação às posições da outra pessoa. O resultado é que as polaridades
opostas ficam mutuamente energizadas. Esses são os mecanismos da inconsciência. Ainda podemos estabelecer
o nosso ponto de vista de modo claro e firme, mas não haverá nenhuma força reagindo ao fundo, nenhuma
defesa e nenhuma agressão. Assim, não se transformará em um drama. Quando estamos completamente
conscientes, deixamos de estar em conflito. “Ninguém que esteja em unidade consigo mesmo consegue pensar
em conflito”, diz o livro A Course in Miracles (Um curso em milagres). O livro se refere não só ao conflito com
outras pessoas, mas, fundamentalmente, ao conflito dentro de nós, que deixa de existir quando não há mais
nenhum desacordo entre as buscas e expectativas da nossa mente e aquilo que é.
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A impermanência e os ciclos da vida
Enquanto permanecermos na dimensão física e em conexão com a psique humana coletiva, o sofrimento,
embora raro, ainda pode acontecer. Não devemos confundi-lo com o sofrimento emocional. Todo sofrimento é
criado pelo ego e fruto de uma resistência. Além disso, nessa dimensão, ainda nos sujeitamos à natureza cíclica
e à lei da impermanência de todas as coisas, mas já não vemos mais o sofrimento como uma coisa “má”. Ele
simplesmente é.
Ao permitir o “existir” de todas as coisas, uma dimensão mais profunda, por baixo do jogo dos opostos,
se revela para nós como uma presença permanente, uma serenidade profunda e estável, uma alegria sem motivos
que se situa além do bem e do mal. Essa é a alegria do Ser, a paz de Deus.
No nível da forma existe nascimento e morte, criação e destruição, crescimento e dissolução de espécies
aparentemente independentes. Podemos ver isso em tudo: no ciclo da vida de uma estrela ou de um planeta, em
um corpo físico, em uma árvore, em uma flor; na ascensão e queda de nações, de sistemas políticos e de
civilizações, e também nos inevitáveis ciclos de lucros e perdas que temos na vida.
Existem ciclos de sucesso, como quando as coisas acontecem e dão certo, e ciclos de fracasso, quando
elas não vão bem e se desintegram. Você tem de permitir que elas terminem, dando espaço para que coisas
novas aconteçam ou se transformem. Se nos apegamos às situações e oferecemos uma resistência nesse estágio,
significa que estamos nos recusando a acompanhar o fluxo da vida e que vamos sofrer.
Não é verdade que o ciclo ascendente seja bom e o ciclo descendente seja ruim, a não ser no julgamento
da mente. O crescimento é, em geral, considerado positivo, mas nada pode crescer para sempre. Se o
crescimento nunca tivesse fim, poderia acabar em algo monstruoso e destrutivo. É necessário que as coisas
acabem, para que coisas novas aconteçam.
O ciclo descendente é absolutamente essencial para uma realização espiritual. Você tem de ter falhado
gravemente de algum modo, ou passado por alguma perda profunda, ou algum sofrimento, para ser conduzido à
dimensão espiritual. Ou talvez o seu sucesso tenha se tornado vazio e sem sentido e se transformado em
fracasso. O fracasso está sempre embutido no sucesso, assim como o sucesso está sempre encoberto pelo
fracasso. No mundo da forma, todas as pessoas “fracassam” mais cedo ou mais tarde, e toda conquista acaba em
derrota. Todas as formas são impermanentes.
Você pode ser ativo e apreciar a criação de novas formas e circunstâncias, mas não se sentirá identificado
com elas. Você não precisa delas para obter um sentido de eu interior. Elas não são a sua vida, pertencem à sua
situação de vida.
Nossa energia física também está sujeita a ciclos. Não consegue estar sempre no máximo. Teremos
momentos de baixa e de alta energia. Em alguns períodos, estaremos altamente ativos e criativos, mas em outros
tudo vai parecer estagnado, teremos a impressão de não estarmos indo a lugar nenhum, nem conseguindo nada.
Um ciclo pode durar de algumas horas a alguns anos e dentro dele pode haver ciclos longos ou curtos. Muitas
doenças são provocadas pela luta contra os ciclos de baixa energia, que são fundamentais para uma renovação.
Enquanto estivermos identificados com a mente, não poderemos evitar a compulsão de fazer coisas e a
tendência para extrair o nosso valor de fatores externos, tais como as conquistas que alcançamos. Isso torna
difícil ou impossível para nós aceitarmos os ciclos de baixa e permitirmos que eles aconteçam. Assim, a
inteligência do organismo pode assumir o controle, como uma medida autoprotetora, e criar uma doença com o
objetivo de nos forçar a parar, de modo a permitir que uma necessária renovação possa acontecer.
A natureza cíclica do universo está intimamente ligada à impermanência de todas as coisas e situações.
Buda fez disso uma parte central de seu ensinamento. Todas as circunstâncias são altamente instáveis e estão em
um fluxo constante, ou, como ele colocou, a impermanência é uma característica de cada circunstância, de cada
situação com que vamos nos deparar na vida. Elas vão se modificar, desaparecer, ou deixar de proporcionar
prazer. A impermanência também é um ponto central dos ensinamentos de Jesus: “Não acumule tesouros na
terra, onde as traças e a ferrugem arruínam tudo, onde os ladrões arrombam as paredes para roubar...”
Enquanto a mente julgar uma circunstância “boa”, seja um relacionamento, uma propriedade, um papel
social, um lugar, ou o nosso corpo físico, ela se apega e se identifica com ela. Isso faz você se sentir bem em
relação a si mesmo e pode se tornar parte de quem você é ou pensa que é. Mas nada dura muito nessa dimensão,
onde as traças e a ferrugem devoram tudo. Tudo acaba ou se transforma: a mesma condição que era boa no
passado, de repente, se torna ruim. A prosperidade de hoje se torna o consumismo vazio de amanhã. O
casamento feliz e a lua-de-mel se transformam no divórcio infeliz ou em uma convivência infeliz. A mente não
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consegue aceitar quando uma situação com a qual ela tenha se apegado muda ou desaparece. Ela vai resistir à
mudança. É quase como se um membro estivesse sendo arrancado do seu corpo.
Às vezes ouvimos falar de pessoas que cometeram suicídio porque perderam a fortuna ou tiveram sua
reputação arruinada. Esses são casos extremos. Outras pessoas, ao sofrer uma grande perda, tornam-se
profundamente infelizes ou adoecem. Não conseguem distinguir a vida da situação de vida. Li recentemente
sobre uma famosa atriz que morreu depois dos oitenta anos e foi ficando cada vez mais infeliz e reclusa
conforme envelhecia. Ela estava identificada com uma circunstância: a sua aparência externa. No início, isso lhe
deu um sentido feliz do eu interior, depois um sentido infeliz. Se tivesse sido capaz de se conectar com a vida
interior, que é dissociada da forma e do tempo, ela poderia ter aceitado o desaparecimento da beleza,
observando-a de um lugar de serenidade e paz. Além do mais, sua aparência teria se tornado cada vez mais
transparente à luz que brilha através da verdadeira natureza, de modo que a beleza externa não teria sumido, mas
se transformado em beleza espiritual. Porém, ninguém contou a ela que isso era possível. O tipo de
conhecimento mais básico ainda não está ao alcance de todos.
Buda ensinou que até mesmo a felicidade pessoal é dukka – uma palavra da língua páli que significa
“sofrimento” ou “insatisfação”. Ela é inseparável do seu oposto. Significa que a felicidade e a infelicidade são,
na verdade, uma coisa só. Somente a ilusão do tempo as separa.
Isso não significa uma negatividade. É simplesmente reconhecer a natureza das coisas, para não viver
atrás de uma ilusão pelo resto da vida. Nem quer dizer que você não deva mais apreciar os objetos e as
circunstâncias agradáveis e bonitas. Porém, usá-los para procurar aquilo que não podem dar – uma identidade,
um sentido de permanência e satisfação – é uma receita para a frustração e o sofrimento. Toda a indústria da
propaganda e a sociedade de consumo entrariam em colapso se as pessoas se tornassem iluminadas e deixassem
de tentar encontrar as suas identidades através dos objetos. Quanto mais usarmos esse caminho para encontrar a
felicidade, mais estaremos nos iludindo. Nada lá fora vai conseguir nos trazer satisfação, exceto por um tempo e
de modo superficial. Mas talvez você precise passar por muitas decepções antes de perceber a verdade. Os
objetos e as circunstâncias podem lhe dar prazer, mas também vão lhe trazer sofrimento. Eles podem lhe dar
prazer, mas não trazer alegria. A alegria não tem uma causa e brota dentro de nós como a alegria do Ser. É uma
parte essencial do estado de paz interior, conhecido como a paz de Deus. É o nosso estado natural, não algo por
que tenhamos de lutar para conseguir.
As pessoas, em geral, não percebem que a “salvação” não está em nada do que façam, possuam ou
consigam. Aquelas que percebem ficam, muitas vezes, enfastiadas do mundo e deprimidas. Se nada pode lhes
dar um verdadeiro prazer, será que resta alguma coisa por que se empenhar? Com que objetivo? O profeta do
Velho Testamento deve ter chegado a essa conclusão quando escreveu: “Tenho visto tudo o que se faz debaixo
do sol e eis que tudo é vaidade e uma luta contra o vento”. Quando você chega a esse ponto, está a um passo do
desespero e um passo mais longe da iluminação.
Uma vez um monge budista me disse: “Tudo o que aprendi nos vinte anos em que sou monge pode ser
resumido em uma frase: Tudo o que surge, desaparece. Isso eu sei”. O que ele quis dizer foi o seguinte: aprendi
a não oferecer qualquer resistência ao que é; aprendi a permitir que o momento presente aconteça e a aceitar a
natureza impermanente de todas as coisas e circunstâncias. Foi assim que encontrei a paz.
Não oferecer resistência à vida é estar em estado de graça, de descanso e de luz. Nesse estado, nada
depende de as coisas serem boas ou ruins. É quase paradoxal, mas, como já não existe mais uma dependência
interior quanto à forma, as circunstâncias gerais da sua vida, as formas externas, tendem a melhorar
consideravelmente. As coisas, as pessoas ou as circunstâncias que você desejava para a sua felicidade vêm agora
até você sem qualquer esforço, e você está livre para apreciá-las enquanto durarem. Todas essas coisas
naturalmente vão acabar, os ciclos virão e irão, mas com o desaparecimento da dependência não há mais medo
de perdas. A vida flui com facilidade.
A felicidade que provém de alguma coisa secundária nunca é muito profunda. É apenas um pálido reflexo
da alegria do Ser, da paz vibrante que encontramos dentro de nós ao entrarmos no estado de não-resistência. O
Ser nos transporta para além das polaridades opostas da mente e nos liberta da dependência da forma. Mesmo
que tudo em volta desabe e fique em pedaços, você ainda sentirá uma profunda paz interior. Você pode não
estar feliz, mas vai estar em paz.
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Utilizando e abandonando a negatividade
Toda resistência interior é vivenciada como uma negatividade. Toda negatividade é uma resistência.
Nesse contexto, as duas palavras são quase sinônimas. A negatividade vai de uma irritação ou impaciência a
uma raiva furiosa, de um humor deprimido ou um ressentimento a um desespero suicida. Às vezes, a resistência
faz disparar o sofrimento emocional, caso em que mesmo uma situação banal pode produzir uma negatividade
intensa, como a raiva, a depressão ou um profundo pesar.
O ego acredita que, através da negatividade, pode manipular a realidade e conseguir o que deseja.
Acredita que, através dela, pode atrair uma circunstância desejável ou dissolver uma indesejável. O livro A
Course in Miracles (Um curso em milagres) destaca corretamente isso ao afirmar que, sempre que estamos
infelizes, acreditamos inconscientemente que a infelicidade “compra” para nós o que queremos. Se “você” – a
mente – não acreditou que a infelicidade funciona, por que a criaria? O fato é que essa negatividade não
funciona. Em vez de atrair uma circunstância desejável, ela a interrompe ao nascer. Em vez de desfazer uma
circunstância indesejável, ela a mantém no lugar. Sua única utilidade é que ela fortalece o ego, e essa é a razão
pela qual ele a adora.
Uma vez que você tenha se identificado com alguma forma de negatividade, não vai querer que ela
desapareça e, em um nível inconsciente mais profundo, não vai desejar uma mudança positiva. Ela iria ameaçar
a sua identidade como uma pessoa depressiva, zangada ou difícil de lidar. Você então passa a ignorar, negar ou
sabotar aquilo que é positivo em sua vida. É um fenômeno comum. E também doentio.
A negatividade é completamente antinatural. É um poluente psíquico e existe um vínculo profundo entre
o envenenamento e a destruição da natureza e a grande negatividade que vem sendo acumulada na psique
coletiva humana. Nenhuma outra forma de vida no planeta conhece a negatividade, somente os seres humanos,
assim como nenhuma outra forma de vida violenta e envenena a Terra que a sustenta. Você já viu uma flor
infeliz ou um carvalho estressado? Já cruzou com um golfinho deprimido, um sapo com problemas de autoestima,
um gato que não consegue relaxar, ou um pássaro com ódio e ressentimento? Os únicos animais que
eventualmente vivenciam alguma coisa semelhante à negatividade, ou mostram sinais de comportamento
neurótico, são os que vivem em contato íntimo com os seres humanos e assim se ligam à mente humana e à
insanidade deles.
Observe as plantas e animais, aprenda com eles a aceitar aquilo que é e a se entregar ao Agora. Deixe que
eles lhe ensinem o que é Ser, o que é integridade – estar em unidade, ser você mesmo, ser verdadeiro. Aprenda
como viver e como morrer, e como não fazer do viver e do morrer um problema.
Vivi com alguns mestres zen – todos eles gatos. Até mesmo os patos me ensinaram importantes lições
espirituais. Observá-los é uma meditação. Como eles flutuam em paz, de bem com eles mesmos, totalmente
presentes no Agora, dignos e perfeitos, tanto quanto uma criatura sem mente pode ser. Eventualmente, no
entanto, dois patos vão se envolver em uma briga, algumas vezes sem nenhuma razão aparente ou porque um
pato penetrou no espaço particular do outro. A briga geralmente dura só alguns segundos e então os patos se
separam, nadam em direções opostas e batem suas asas com força, por algumas vezes. Então continuam a nadar
em paz, como se a briga nunca tivesse acontecido. Quando observei isso pela primeira vez, percebi, num
relance, que ao bater as asas eles estavam soltando a energia acumulada, evitando assim que ela ficasse
aprisionada no corpo e se transformado em negatividade. Isso é sabedoria natural. É fácil para eles porque não
têm uma mente para manter vivo o passado, sem necessidade, e então construir uma identidade em volta dele.
Uma emoção negativa não poderia também conter uma mensagem importante? Por exemplo, se me sinto
deprimido com freqüência, será que pode ser um sinal de que existe alguma coisa errada com a minha vida e
isso pode me forçar a olhar para a minha situação de vida e fazer mudanças?
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Poderia. As emoções negativas repetitivas podem, às vezes, conter uma mensagem, como ocorre com as
doenças. Qualquer mudança que você faça, seja ela relacionada com seu trabalho, seus relacionamentos ou seu
ambiente, é apenas uma máscara, a menos que se origine de uma mudança no seu nível de consciência. E até
onde isso interessa, só pode significar uma coisa: estar mais presente. Quando você já tiver alcançado um certo
grau de presença, não precisa mais da negatividade para lhe dizer o que é necessário na sua situação de vida.
Mas, enquanto a negatividade estiver lá, utilize-a. Use-a como um tipo de sinalizador, um lembrete para estar
mais presente.
Como impedimos que a negatividade surja e como nos livramos dela, já que está lá?
Como já afirmei, você não deixa que ela surja ao estar completamente presente. Não desanime. Ainda são
poucas as pessoas no planeta que conseguem manter um estado contínuo de presença, embora algumas já
estejam chegando bem perto. Acredito que logo serão muitas.
Sempre que perceber alguma forma de negatividade crescendo dentro de você, não olhe para ela como um
fracasso, mas sim como um sinal que está lhe dizendo: “Acorde. Largue a sua mente. Esteja presente”.
Existe um romance de Aldous Huxley chamado A Ilha, escrito em seus últimos anos de vida, quando ele
ficou muito interessado nos ensinamentos espirituais. Conta a história de um homem que naufragou perto de
uma ilha isolada do resto do mundo. Essa ilha era habitada por uma civilização especial. A coisa estranha sobre
ela é que seus habitantes, diferente do resto do mundo, eram sadios, de verdade. A primeira coisa que o
náufrago percebe são os papagaios multicoloridos empoleirados nas árvores, que davam a impressão de estar
repetindo as palavras “Atenção. Aqui e agora. Atenção. Aqui e Agora”. Adiante, descobrimos que os habitantes
da ilha ensinaram essas palavras aos papagaios para que fossem sempre lembrados para ficar presentes.
Portanto, sempre que sentir a negatividade crescer dentro de você, causada ou não por um fator externo,
um pensamento ou mesmo nada em particular, olhe para ela como se fosse uma voz dizendo “Atenção. Aqui e
Agora. Acorde”. Até mesmo a mais leve irritação é significativa e precisa ser conhecida e observada. Do
contrário, haverá um aumento cumulativo de reações não observadas. Como afirmei anteriormente, você pode
descartá-la assim que perceber que não quer ter esse campo de energia no seu interior e que ele não tem nenhum
objetivo. Mas certifique-se de que você se livrou completamente dela. Se não conseguir, simplesmente aceite
que ela está ali e concentre a sua atenção no sentimento.
Uma alternativa para descartar uma reação negativa é fazê-la desaparecer ao imaginar a si mesmo se
tornando transparente para a causa externa da reação. Recomendo que você pratique primeiro com as coisas do
dia-a-dia. Vamos dizer que você esteja em casa. De repente, vindo da rua, começa a soar um alarme insistente
de carro. Surge uma irritação. Qual é o objetivo dessa irritação? Nenhum até aqui. Por que você a criou? Você
não a criou. Quem criou foi a mente. Ela teve uma reação totalmente automática, totalmente inconsciente. Por
que a mente a criou? Porque ela sustenta a crença inconsciente de que a resistência dela, que você absorve como
alguma forma de negatividade ou infelicidade, vai dissolver a condição indesejada. Isso naturalmente é uma
ilusão. A resistência que ela cria, nesse caso a irritação ou raiva, é muito mais desagradável do que a causa
original que ela está tentando desfazer.
Tudo isso pode ser transformado em prática espiritual. Sinta-se ficando transparente, sem a solidez de um
corpo material. Agora, permita que o barulho, ou o que estiver causando a emoção negativa, passe através de
você. Ele não está mais golpeando uma “parede” sólida dentro de você. Como disse, pratique primeiro com as
coisas simples. O alarme do carro, o choro de uma criança, o barulho do tráfego. Em vez de ter uma parede de
resistência dentro de você, que é atingida de modo constante e doloroso pelas coisas que “não deveriam estar
acontecendo”, deixe que tudo passe através de você.
Alguém diz alguma coisa grosseira para ferir você. Em vez de desencadear uma reação inconsciente e
uma negatividade, como uma agressão, uma defesa, ou um retraimento, você deixa isso passar através de você.
Não ofereça resistência. É como se não existisse mais ninguém ali para ser machucado. Isso é perdão. Nesse
sentido, você se torna invulnerável. Pode dizer a essa pessoa que o comportamento dela é inaceitável, se você
escolher fazer isso. Mas essa pessoa já não tem mais o poder de controlar o seu estado interior. Você passa a
estar em seu poder – não mais em poder de alguém, nem sob o governo da mente. Quer seja um alarme de carro,
uma pessoa grosseira, uma inundação, um terremoto, ou a perda de todos os seus bens, o mecanismo de
resistência é o mesmo.
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Pratico a meditação,.freqüento seminários, leio muito sobre espiritualidade, em busca de um estado de
não-resistência. Mas, se você me perguntar se encontrei a verdadeira paz interior, minha resposta teria que ser
“não”. Por que não a encontrei? O que mais posso fazer?
Você ainda está procurando lá fora e não consegue escapar do modo de busca. Talvez o próximo
seminário lhe traga a resposta, talvez aquela nova técnica. Diria a você: não busque a paz. Não busque nenhum
outro estado além daquele em que você está agora, do contrário, vai criar um conflito interno e uma resistência
inconsciente. Perdoe a si mesmo por não estar em paz. No momento em que você aceitar completamente a sua
intranqüilidade, ela se transformará em paz. Qualquer coisa que você aceite completamente vai lhe levar até lá,
vai levar você até a paz. Esse é o milagre da entrega.
Você já deve ter ouvido a frase “dê a outra face”, que um grande mestre da iluminação empregou há dois
mil anos. Ele estava tentando transmitir simbolicamente o segredo da não-resistência e da não-reação. Nessas
palavras, como em todas as que proferiu, ele estava preocupado apenas com a nossa realidade interior, não com
a conduta externa da nossa vida.
Você conhece a história de Banzan? Antes de se tornar um grande mestre zen, ele passou muitos anos
perseguindo a iluminação, mas ela o iludia. Então, um dia, enquanto andava pelo mercado, ouviu uma conversa
entre um açougueiro e seu freguês. “Me dê o melhor pedaço de carne que você tem aí”, disse o freguês. E o
açougueiro respondeu: “Todo pedaço de carne que tenho é o melhor. Não há nenhum pedaço de carne aqui que
não seja o melhor”. Depois de ouvir isso, Banzan se tornou iluminado.
Posso ver você esperando alguma explicação. Quando aceitamos o que é, todo pedaço de carne – todo
momento – é o melhor. Isso é iluminação.
A natureza da compaixão
Tendo ultrapassado as fronteiras construídas pela mente, você passa a ser como um lago profundo. Sua
situação de vida e o que acontece no mundo exterior são a superfície do lago, às vezes calmo, às vezes cheio de
ondas por causa do vento, conforme os períodos e as estações. Lá no fundo, porém, o lago é sempre sereno.
Você é esse lago por inteiro, não apenas a superfície, e está em contato com a sua própria profundidade, que
permanece absolutamente serena. Você não reage a uma mudança ao se apegar mentalmente a qualquer
situação. A sua paz interior não depende dela. Você se fixa no Ser – imutável, eterno, imortal – e não é mais
dependente da satisfação ou da felicidade do mundo exterior, das formas constantemente flutuantes. Você pode
desfrutá-las, brincar com elas, criar novas formas, apreciar a beleza de todas. Mas não tem mais necessidade de
se apegar a nenhuma delas.
Quando você consegue se desprender desse jeito, não significa que também se distancia dos outros seres
humanos?
Pelo contrário. Enquanto você não está consciente do Ser, a realidade dos outros seres humanos vai
causar uma ilusão, porque você ainda não encontrou a sua realidade. A mente vai gostar ou não da forma deles,
não só do corpo, mas também da mente deles. O verdadeiro relacionamento só é possível quando existe uma
consciência do Ser. A partir do Ser, você vai perceber o corpo e a mente da outra pessoa como se fosse uma tela,
por trás da qual você pode sentir a verdadeira realidade deles, como você sente a sua. Assim, ao se confrontar
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com o sofrimento de outra pessoa ou com um comportamento inconsciente, você fica presente e em contato com
o Ser e, desse modo, é capaz de olhar além da forma e sentir o Ser radiante e puro da outra pessoa. No nível do
Ser, todo sofrimento é visto como uma ilusão, uma conseqüência da identificação com a forma. Milagres de
cura às vezes acontecem através dessa descoberta, através do despertar da consciência do Ser nos outros – se
estiverem prontos.
Isso é compaixão?
Sim. A compaixão é a consciência de uma forte ligação entre você e todas as criaturas. Mas existem dois
lados da compaixão, dois lados dessa ligação. De um lado, como ainda estamos aqui como um corpo físico,
partilhamos a vulnerabilidade e a mortalidade da nossa forma física com todos os outros seres humanos e todos
os seres vivos. Na próxima vez que disser “Não tenho nada em comum com essa pessoa”, lembre-se de que
você tem muitas coisas em comum. Daqui a alguns anos – dois ou setenta, não faz muita diferença –, os dois
terão corpos apodrecidos, depois serão pó, depois nada restará. Isso é uma percepção humilde e sensata que não
deixa muito espaço para o orgulho. Isso é um pensamento negativo? Não, apenas um fato. Por que fechar os
olhos para isso? Nesse sentido há uma completa igualdade entre você e todas as outras criaturas.
Uma das mais poderosas práticas espirituais é meditar profundamente sobre a mortalidade das formas
físicas, inclusive da sua. Isso se chama: morrer antes que você morra. Vá fundo nisso. A sua forma física está se
dissolvendo, é nada. Então surge um momento quando todas as formas mentais ou pensamentos também
morrem. Mas você ainda está lá – a presença divina que você é, radiante, completamente consciente. Nada que é
real morre de verdade, somente os nomes, as formas e as ilusões.
A realização dessa dimensão eterna, a nossa verdadeira natureza, é o outro lado da compaixão. Em um
nível mais profundo, podemos reconhecer agora não só a nossa própria imortalidade, mas também a de todas as
outras criaturas. No nível da forma, partilhamos a mortalidade e a precariedade da existência. No nível do Ser,
partilhamos a vida eterna e radiante. Esses são dois aspectos da compaixão. Na compaixão, os sentimentos de
tristeza e de alegria, aparentemente opostos, se fundem em um só e se transformam em uma profunda paz
interior. Isso é a paz de Deus. É um dos mais nobres sentimentos de que os homens são capazes e possui um
grande poder de cura e transformação. Mas a verdadeira compaixão, como acabei de descrever, ainda é rara. Ter
uma profunda empatia pelo sofrimento de um outro ser exige um alto nível de consciência, mas representa
apenas um lado da compaixão. Não é completo. A verdadeira compaixão vai além da empatia ou da simpatia.
Não acontece até que a tristeza se misture com a alegria, a alegria do Ser além da forma, a alegria da vida
eterna.
Em direção a uma ordem de realidade diferente
Não concordo que o corpo precise morrer. Estou convencido de que podemos obter a imortalidade física.
Acreditamos na morte e é por isso que o corpo morre.
O corpo não morre porque acreditamos na morte. O corpo existe, ou assim parece, porque acreditamos na
morte. O corpo e a morte são partes da mesma ilusão, criada pelo modo egóico de consciência, que não tem
percepção da Fonte da vida e vê a si mesmo como uma coisa separada e sob constante ameaça. Assim, ele cria a
ilusão de que somos um corpo, um veículo físico e sólido, que está sob uma constante ameaça.
A ilusão está em percebermos a nós mesmos como um corpo vulnerável, que nasce e pouco depois morre.
Corpo e morte: uma ilusão. Um não existe sem o outro. Queremos manter um lado da ilusão e nos livrarmos do
outro, mas isso é impossível.
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Entretanto, você não pode escapar do corpo, nem tem de fazer isso. O corpo é uma percepção
incrivelmente distorcida da nossa verdadeira natureza. Mas a nossa verdadeira natureza está disfarçada em
algum lugar dentro dessa ilusão, não do lado de fora, portanto o corpo ainda é o único ponto de acesso a ela.
Se você vê um anjo, mas o confunde com uma estátua de pedra, tudo o que você precisa fazer é adaptar a
sua visão e olhar mais de perto para a “estátua de pedra”, e não olhar para outro lado. Você então percebe que
aquilo nunca foi uma estátua de pedra.
Se a crença na morte cria o corpo, por que um animal tem corpo? Um animal não tem um ego e não
acredita na morte...
Mas ele morre, ou parece que morre.
Lembre-se de que a nossa percepção do mundo é um reflexo do nosso estado de consciência. Não
estamos separados dele e não há um mundo objetivo fora dele. A cada momento, a nossa consciência cria o
mundo em que habitamos. Um dos maiores insights que a física moderna teve foi o da unidade entre o
observador e o observado: a pessoa que conduz a experiência – a consciência observadora – não pode ser
separada dos fenômenos observados, e uma nova maneira de olhar leva os fenômenos observados a se
comportarem de maneira diferente. Se você acredita na separação e na luta pela sobrevivência, vê essa crença
refletida à sua volta e as suas percepções acabam sendo governadas pelo medo. Você vive num mundo de morte,
lutas, uns atacando e matando os outros.
Nada é o que parece ser. O mundo que você criou e vê através da mente pode parecer um lugar bem
imperfeito, até mesmo um vale de lágrimas. Mas o que quer que você perceba é somente uma espécie de
símbolo, como uma imagem em um sonho. É o jeito pelo qual a sua consciência interpreta e interage com a
dança de energia molecular do universo. Essa energia é o material bruto da assim chamada realidade física.
Você a vê em termos de corpos e de nascimento e morte, ou como uma luta pela sobrevivência. Existe um
número infinito de interpretações diferentes, de mundos completamente diferentes, tudo dependendo do que a
consciência percebe. Cada ser é um ponto focal da consciência e cada ponto focal cria o seu próprio mundo,
embora todos esses mundos se interliguem. Existe um mundo humano, um mundo das formigas, um mundo dos
golfinhos, etc. Existem incontáveis seres cuja freqüência de consciência é tão diferente da nossa que
provavelmente não temos consciência da existência deles, assim como eles não têm da nossa. Seres altamente
conscientes da ligação que mantêm com a Fonte habitam um mundo que para nós pareceria com um domínio
celeste. Mas ainda assim todos os mundos são basicamente um só.
No momento em que a consciência humana coletiva tiver se transformado, a natureza e o reino animal
irão refletir essa transformação. Aqui está a afirmação da Bíblia de que no futuro “o leão vai se deitar ao lado da
ovelha”. Isso aponta para a possibilidade de um ordenamento da realidade completamente diferente.
O mundo tal qual se apresenta para nós é em grande parte um reflexo da mente. Sendo o medo uma
conseqüência inevitável da ilusão criada pelo ego, é um mundo dominado pelo medo. Assim como as imagens
em um sonho são símbolos dos estados interiores e dos sentimentos, assim a nossa realidade coletiva é uma
expressão simbólica do medo e das pesadas camadas de negatividade até agora acumuladas na psique coletiva
humana. Não estamos separados do nosso mundo, então, quando a maioria dos humanos se tornar livre da ilusão
egóica, essa mudança interior vai afetar toda a criação. Vamos, literalmente, viver em um novo mundo. É uma
mudança na consciência do planeta. O estranho ensinamento budista que toda árvore e toda folha de grama irão
finalmente se tornar iluminadas aponta para a mesma verdade. De acordo com São Paulo, toda a criação está à
espera de que os homens obtenham a iluminação. É assim que interpreto suas palavras: “A criação aguarda, com
impaciência, a revelação dos filhos de Deus”. São Paulo diz que todo o universo vai se redimir através disso, ao
escrever: “Sabemos, com efeito, que a criação inteira geme, ainda agora, com as dores do parto”.
O que está nascendo é uma nova consciência e, como um reflexo inevitável, um novo mundo. Isso
também está relatado no Livro das Revelações do Novo Testamento: “Vi, então, um novo Céu e uma nova
Terra, porque o primeiro Céu e a primeira Terra desapareceram...”
Mas não confunda causa e efeito. Nossa primeira tarefa não é buscar a salvação através da criação de um
mundo melhor, mas sim despertar da nossa identificação com a forma. Não estamos mais presos a este mundo, a
este nível de realidade. Podemos sentir nossas raízes no Não Manifesto e assim estamos livres do apego ao
mundo manifesto. Ainda podemos desfrutar os prazeres passageiros deste mundo, mas não somos mais escravos
dessas experiências, não estamos mais em busca de satisfação através de uma gratificação psicológica, através
da alimentação do ego. Não temos mais medo de perder alguma coisa, portanto não precisamos nos apegar a
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este mundo. Estamos em contato com algo infinitamente maior do que qualquer prazer, maior do que qualquer
coisa manifesta. Em um certo sentido, não precisamos mais do mundo e nem mesmo que ele seja diferente do
que é.
É neste ponto que você começa a dar uma contribuição real para criar um mundo melhor, uma nova
realidade. É neste ponto que você se torna capaz de sentir a verdadeira compaixão e de ajudar os outros.
Somente aqueles que transcenderam o mundo conseguem criar um mundo melhor.
Você deve lembrar que já falamos sobre a dualidade da verdadeira compaixão, que é a percepção de uma
ligação tanto com a mortalidade quanto com a imortalidade. Nesse nível profundo, a compaixão se torna um
remédio no sentido mais amplo. Nesse estado, a sua influência curativa se baseia não no fazer, mas no ser.
Todas as pessoas com quem você mantiver contato serão tocadas pela sua presença e afetadas pela paz que você
emana, quer elas estejam ou não conscientes disso. Quando estiver inteiramente presente e as pessoas à sua
volta tiverem um comportamento inconsciente, você não vai sentir necessidade de reagir. A sua paz será tão
grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse existido. Isso quebra o
ciclo cármico de ação e reação. Os animais, as árvores, as flores vão sentir a sua paz e reagir a ela. Você
ensinará através do ser, através da demonstração da paz de Deus. Você passará a ser a “luz do mundo”, uma
emanação da pura consciência, e assim eliminará a causa do sofrimento. Você eliminará a inconsciência do
mundo.
Isso não significa que você não possa também ensinar através da ação – por exemplo, ao apontar como se
desidentificar da mente, reconhecer padrões inconscientes no interior de alguém, etc. Mas quem você é será
sempre um ensinamento transformador do mundo mais vital e mais poderoso do que o que você disser, e até
mais essencial do que o que você fizer. Além disso, reconhecer a primazia do Ser – e assim trabalhar no nível da
causa – não exclui a possibilidade de que a sua compaixão possa simultaneamente se manifestar no nível da
ação e do efeito, ao aliviar o sofrimento sempre que você o encontrar. Quando alguém faminto lhe pedir pão e
você tiver, você vai dar. Mas, ao dar o pão, mesmo que o seu contato seja muito breve, o mais importante será
esse momento do Ser partilhado, do qual o pão é apenas um símbolo. Uma cura profunda se instala
internamente. Nesse momento, não há doador nem receptor.
Como podemos criar um mundo melhor sem acabar primeiro com grandes males, como a fome e a
violência?
Todos os males são efeito da inconsciência. Podemos aliviar os efeitos da inconsciência, mas não
podemos eliminá-los, a menos que eliminemos sua causa. A verdadeira transformação acontece no interior, não
no exterior.
Querer aliviar o sofrimento do mundo é uma coisa muito nobre, mas lembre-se de não se concentrar
exclusivamente no exterior, do contrário você vai sentir frustração e desespero. Sem uma profunda mudança na
consciência humana, o sofrimento é um buraco sem fundo. Portanto, não permita que a sua compaixão se torne
unilateral. A empatia com o sofrimento do outro e o desejo de ajudar devem ser equilibrados com uma profunda
percepção da natureza eterna de todas as coisas e com a consciência do aspecto ilusório de todos os sofrimentos.
Permita que a sua paz inunde tudo o que você fizer e estará atuando sobre o efeito e a causa ao mesmo tempo.
Se quiser impedir que os seres humanos destruam uns aos outros e acabem com o planeta, lembre-se de
que, assim como não consegue combater a escuridão, você também não pode combater a inconsciência. Se
tentar fazer isso, a oposição polar vai se tornar fortalecida e mais profundamente arraigada. Você vai se
identificar com uma das polaridades, vai criar um “inimigo” e será conduzido ao seu eu interior inconsciente.
Eleve a consciência ao disseminar a informação, ou melhor, pratique a resistência passiva. Mas tenha a certeza
de que você não carrega nenhuma resistência interior, nenhum ódio, nenhuma negatividade. “Ame os seus
inimigos”, disse Jesus. O que, obviamente, significa: não tenha inimigos.
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Uma vez que você se envolva em atuar no nível do efeito, é muito fácil se perder dentro dele. Fique alerta
e muito, muito presente. A causa tem de permanecer o seu foco inicial; o ensinamento da iluminação, o seu
propósito principal, e a paz, o seu mais precioso presente para o mundo.

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